A DESIGUALDADE PERSISTE
Anne d’Alègre (1565-1619), filha do Marquês d’Alègre e esposa do Conde de Laval foi portadora da primeira prótese dental conhecida até à época.
Descobertas recentes quando o seu corpo foi exumado no castelo de Laval, onde estava enterrado, foi sujeito em 1992 à realização de análises com a utilização de tecnologias modernas, nomeadamente com um scanner 3D de última geração, realizada por um Instituto francês de investigações arqueológicas e publicado no Journal of Archeological Science a 24 de janeiro último.
O interesse do estudo do esqueleto despertou o interesse da comunidade científica por mostrar a primeira prótese dentária da história, datada de há 450 anos.
A condessa tinha efetivamente perdido um dos incisivos superiores esquerdo (dente 21). O que convenhamos lhe prejudicava o sorriso e seria provavelmente motivo de chacota na corte de Henrique IV, onde o facto de ser protestante já lhe dificultava a sua presença.
Ambroise Paré cirurgião do Rei e contemporâneo de Anne d’Alègre dizia «se um doente era desdentado, a sua palavra era depravada»
O engenho dos “cirurgiões” da época e o dinheiro do conde conseguiram a realização desta prótese. A prótese foi feita com marfim extraído de um dente de elefante e não de hipopótamo como se chegou a pensar e foi fixado com fios de ouro (material nobre e o mais bem suportado na boca) e por uma ligadura de contenção nos pré-molares.
Esta operação deve ter sido muito dispendiosa e só a bolsa do conde Laval a poderia pagar o que certamente não aconteceria com o comum dos mortais.
Segundo a autora principal deste trabalho a colocação desta prótese levou à instabilidade dos dentes vizinhos o que mesmo assim não impediu que a Condessa tivesse realizado três casamentos além de outras aventuras.
Passados tantos anos, após a Revolução Francesa, a Comuna de Paris, a revolução russa de 17 e o 25 de Abril, a prótese dentária e mais recentemente os implantes, devido ao seu preço continuam a ser uma marca de estatuto social.
O acesso à saúde apesar de todas as grandes conquistas sociais e tecnológicas continua a ser um fator de desigualdade social e basta para isso vermos as reportagens televisivas com um número de desdentados o que não dá razão a Ambroise Paré, porque nem sempre as suas palavras são depravadas.
E senhores governantes, não pensem que é abrindo mais escolas de medicina dentária, já existem oito, que melhoramos a vida dos nossos desdentados, contribuímos sim para o fluxo migratório dos nossos jovens dentistas.
ANNE D'ALÈGRE |