quarta-feira, 28 de março de 2018


AS WE CONTINUE TO DRIFT INTO A TOTALITARIAN MEDICAL SYSTEM: A VIEW OF A COUNTRY BOY
É o titulo de um editorial da revista “Scandinavian Journal Surgery”, escrito por um cirurgião norte americano que não assina porque, segundo diz, "I am not going to sign this document. I still need my job for a few years …"

Apesar dos Estados Unidos praticarem um sistema de saúde muito diferente do nosso e de outros países europeus, encontramos neste editorial muitos pontos em comum. O que nos leva a crer que existe uma globalização da gestão dos serviços de saúde que conduz inevitavelmente a um Sistema Médico Totalitário. Este texto é um abrir de olhos para vermos o que está a acontecer, com os novos métodos de gestão dos serviços de saúde, nos países desenvolvidos.
O nosso "country boy" começa por definir o sistema médico que sempre tivemos acesso, com cariz capitalista. Define-o há alguns anos como uma forma benigna de capitalismo conservador, contrapondo ao sistema vigente que representa outra forma de capitalismo: duro, rígido, disciplinado, controlado e cruel, conduzido ao longo de um padrão clássico totalitário-ditatorial.
Os médicos, motores da máquina clínica, não têm voz. São meros peões. Naturalmente, os pacientes, aqueles para quem a máquina existe, foram  sempre peões. They were always led as herds to the water; the ignorant greedily buying the prevailing propaganda that “this is the best medical system in the world”.  Onde é que eu já ouvi isto!

Mais adiante, avisa que a tendência para uma medicina totalitária tem sido lenta e gradual, por isso difícil de nos apercebermos.
Caracteriza os hospitais como industrias monstruosas, crescendo cada vez mais e ganhando poder de fusão para fusão. Onde " Profit is the key word "
E continua: Geridos por um sem número de administradores, gerentes e parasitas não médicos, com uma miríade de títulos ridículos impressos nos seus crachás, funcionam como fábricas gigantes na China - embora menos eficientes.
A pirâmide nos hospitais encontra-se totalmente invertida. Em hospitais de pequena dimensão, qualquer dia existem mais administradores do que doentes.
Somos os melhores, o centro de excelência, melhores médicos, melhor tecnologia é a mensagem de propaganda otimista destes hospitais.
O editor chama aos médicos "providers" . Eles são empregados contratados e demitidos. A enfase está no recrutamento: um processo no qual inúmeras agências de recrutamento se beneficiam. Uma vez contratados, se não produzirem e se não alinharem com a propaganda serão descartáveis.
Se você pretende discutir e alertar para os problemas que o preocupam é apelidado de "criador de problemas", de inimigo do sistema. O seu destino é decidido nos bastidores, com as portas fechadas. E uma vez decidido livrar-se de si, não haverá muito a fazer. Demitir-se ou ser despedido!  Isto faz-me pensar que em Portugal deve haver muitos gestores com estágios nos States.
Senão vejamos. Caso se demita, terá de assinar um termo de confidencialidade que o impossibilita de revelar a razão da sua demissão. A chamada lei da Rolha.
O sigilo sempre foi uma arma crucial dos sistemas totalitários, diz o nosso colega.
Depois de analisar o comportamento das companhias de seguros e da facturação hospitalar com exemplos: um hospital num Estado pode facturar 50.000 dólares por uma operação, quando outro, dentro do mesmo país, pelo mesmo procedimento, pode cobrar 15.000 dólares.
Acrescenta que muitos dos nossos serviços e cargos são duplicados por enfermeiros e empresas prestadoras de serviços médicos. Mais baratas(?), menos reivindicativas e mais fáceis de dominar.
O artigo continua com a caracterização da nova geração de médicos, mais focados na qualidade de vida: dinheiro e dispensa de tempo. Mudam-se para onde lhes oferecem mais dinheiro.
A geração mais velha que é a do articulista, sente-se tão desanimada com o Sistema que já equaciona pedir a aposentação. Mas também há outros que se adaptam. Para estes, é melhor ser alimentado pela mão dos oligarcas do que sofrer com a plebe.
No subtítulo ACADEMIA, refere que a era dos grandes líderes académicos chegou ao fim e foram gradualmente substituídos por doutores - gerentes, contratados com base nas suas habilidades para a gestão de departamentos lucrativos.
Critica também as revistas académicas (a maioria sem qualquer revisão científica) e acrescenta: muito do que está a ser publicado na medicina pode ser falso ou tendencioso.
Os PARASITAS, outro subtítulo, cita gestores que viajam para conselhos de administração com a missão de ser mais eficiente (ou seja mais impiedosamente totalitário). Exemplifica com o recurso a fornecedores e agências de recrutamento que controlam o movimento e a contratação de qualquer pessoa. Quer um cirurgião para o fim de semana, paga 1500 dólares/ dia e 500 dólares vão para a agência. "And so, the TMS (sistema de saúde) has become the most wasteful medical system in the world, more and more so each year. I mean wasteful to society and the plebs. Not to the dictators/oligarchs who lead it."

Em conclusão, podemos garantir que tudo isto se vai reflectir na qualidade dos cuidados de saúde. Os doentes são tratados por uma equipa sempre em mudança de "hospitalists" trabalhando por turnos.

Para ler o artigo completo
SCANDINAVIAN JOURNAL OF SURGERY
http://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.1177/1457496918757579

terça-feira, 27 de março de 2018




VACINAÇÃO OBRIGATÓRIA ?


O recente surto de sarampo no nosso país, que se iniciou no Porto e que foi detectado como primeiro transmissor um cidadão estrangeiro, veio levantar de novo, a velha polémica da vacinação obrigatória.

O sarampo é uma doença altamente infecciosa que pode ter complicações graves, necessitando muitas vezes de hospitalização. Tem como consequência, um absentismo escolar de cerca de 10 dias com um custo elevado para os serviços de saúde e para a sociedade no seu conjunto.

Graças ao alto índice de vacinação, em Portugal há mais de 20 anos que não se detectava um caso de sarampo. Isto não acontecia em muitos países, nomeadamente da Europa.

A Itália, por exemplo, faz parte dos 18 Estados europeus onde a transmissão endémica não foi interrompida* de 2008 a 2012, 14 375 casos foram declarados, atingindo pessoas de todas as idades.  Lácio, região central da Itália, registou 295 casos (20,5%) dos quais 27% atingiram crianças com menos de 14 anos. Neste período, a taxa de cobertura vacinal aos 2 anos era de 84,5%. Entre os 248 doentes que recorreram às urgências do hospital pediátrico de Lácio, 113 (45,6%) foram hospitalizados.

Apesar dos esforços dos serviços de saúde de todos os países que seguem as recomendações da OMS, os maus resultados devem-se ao crescimento do movimento anti vacinas que se tem espalhado por vários países e continentes.

O movimento anti vacinas não é novo. Contudo, seria mais compreensível no início do século XX. As medidas corretas de saúde pública tomadas ao longo dos séculos foram muitas vezes impostas às populações, recorrendo não poucas vezes às forças da ordem (isolamento dos casos de lepra, etc..).

Lembremos como a primeira vacina isolada, a antivariólica, nem sempre foi bem aceite. Mas, foi devido a ela e à teimosia dos profissionais de saúde pública que se conseguiu erradicar do planeta esta terrível doença.

A sua obrigatoriedade, no Brasil, ficou conhecida como a revolta da vacina**

Vejamos: entre os dias 10 e 18 de Novembro de 1904, a cidade do Rio de Janeiro viveu o que a imprensa chamou de "a mais terrível das revoltas populares da República". O cenário era desolador - bondes tombados, trilhos arrancados, calçamentos destruídos - tudo feito por uma massa de 3000 revoltosos. A causa foi a lei que tornava obrigatória a vacina contra a Varíola. E a personagem principal, foi o jovem médico sanitarista Oswaldo Cruz.
No meio do conflito, com saldo de 30 mortos, 110 feridos, cerca de 1000 detidos e centenas de deportados, aconteceu um golpe de Estado… A revolta foi sufocada e a cidade, remodelada… O Rio de Janeiro perderia o título de " túmulo dos estrangeiros"… A futura "Cidade Maravilhosa" era, então, pestilenta. A situação era tão crítica que durante o verão, os diplomatas estrangeiros, se refugiavam em Petrópolis, para se livrar do contágio. Em 1895, ao atracar no Rio, o contratorpedeiro italiano Lombardia perdeu 234 de seus 337 tripulantes pela febre amarela.
Apesar de todos os incidentes, foi com a mesma firmeza que Oswaldo Cruz bancou a campanha contra a Varíola. Na noite de 14 para 15 de Novembro, enviou a mulher e os filhos para a casa do amigo Sales Guerra e seguiu, ele mesmo, para a casa do cientista Carlos Chagas, que mais tarde descobrira a causa do mal de Chagas.
(Cássio Leite Vieira - https://super.abril.com.br/historia/oswaldo- cruz-e-a-varíola-a-revolta-da-vacina) **

Entre nós, a causa próxima da revolta da Maria da Fonte deveu-se à proibição, pelo ministro Costa Cabral, de enterrar os mortos nas igrejas. Uma medida correta de saúde pública.

Porém, em pleno seculo XXI, a contestação às medidas de saúde pública são mais sofisticadas e apresentam argumentos pseudocientíficos (taxa de mercúrio, etc..).

O substrato apresentado para a não obrigatoriedade da vacinação é apenas filosófico - a liberdade de escolha e a relação médico doente. O médico deve esforçar-se por explicar ao seu interlocutor os benefícios da vacinação para ele e para a comunidade.

A obrigatoriedade de cumprir o plano nacional de vacinações não pressupõe que este seja feito apenas por decreto e em nada retira o papel importantíssimo das equipas de saúde de proximidade no esclarecimento das populações. Mas o que fazer quando uma minoria de pais recusa a vacinação dos seus filhos e por outro lado exige a sua frequência escolar.

Na defesa da obrigatoriedade da vacinação está o facto de que a liberdade individual não se pode sobrepor ao interesse da colectividade

Por isso defendo que a obrigatoriedade da vacinação para crianças e profissionais de saúde seria uma medida correta, na certeza de que não levaria a uma nova revolta da Vacina.


*Ciofi degli Atti M e Coll. : Measles cases in children requiring hospital acess in na academic pediatric hospital in Italy, 2008-2013. Pediatric Infect. Dis J.,2017;36:844-848
**Figueiredo Lima: Serendipidade e outras histórias na Medicina, ed. Chiado, 2018;164-165


quarta-feira, 14 de março de 2018


Carregue neste link , para ler o artigo do público sobre a gestão privada dos hospitais públicos



https://www.publico.pt/2018/03/11/sociedade/opiniao/o-malestar-nos-hospitais-publicos-1805131

quinta-feira, 1 de março de 2018

Galinha Turista


Contos de emigração e exílio
A Galinha turista
A pedido de vários seguidores, retomo a escrita sobre estas historietas passadas em países distantes.

O José, transmontano de várias gerações e de boa cepa, exilado em terras helvéticas, suportava bem o frio e a neve do longo Inverno, pois já tinha sofrido temperaturas muito baixas na sua região.
Terra conhecida por ter nove meses de inverno e três de inferno, infelizmente sem as condições mínimas para guardar o calor do corpo, o que torna rija as gentes aí nascidas.
O sítio onde apanhei mais frio foi na Lixa, numa casa desabitada, quando andei fugido da PIDE, e muito mais tarde nas campanhas de dinamização cultural, em Sernancelhe, durante o inverno de 75. Aí, eu ressenti o mesmo frio que gela os ossos.
À noite, os lençóis da cama estavam alagados e a Dona Emília, cozinheira e parteira do hospital, entre muitos mais atributos, passava-os carinhosamente a ferro, antes de nos deitarmos.  
Voltemos ao nosso amigo José. As grandes saudades que ele tinha da terra eram da comida, do cheiro do fumeiro e do paladar apurado.
Por nunca na vida trocaria um bom presunto por uma fondue de queijo. Que raio de povo em que as especialidades culinárias são queijo aquecido ou queijo com batatas cozidas (raclette) e de entrada a viande séchée, comentava.
O José andava triste, não sentia falta do mar,  como acontecia a muitos outros patrícios, pois como dizia “nunca tinha visto um transmontano com saudades do mar”, mas o que lhe faltava eram os petiscos da sua terra.
Os pais do José quiseram fazer-lhe uma surpresa e, nas férias de verão, partiram das serranias em direção à Suíça, em caravana, com uma galinha do campo.
Nas inúmeras paragens obrigatórias até aos Alpes, soltavam o galináceo que, apesar de ter o seu destino traçado, regalava -se com o milho espanhol e francês.
Chegados à fronteira, os guardas suíços (não são os do Vaticano) implicaram com a pobre galinha e perguntaram pelas vacinas do animal.
Ils sont fous ces suisses !! Onde é que já se viu vacinar galinhas e ainda nem se falava da gripe das aves.
Os pais do José não tiveram problemas e, dando razão à fama do desenrascanço luso, deram meia volta, pararam na localidade francesa mais próxima e mataram o bicho,  que entrou clandestinamente na Suíça em forma de arroz de cabidela.

NOTA: Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência