quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Mercado e Indústria Alimentar








Mercado e Indústria Alimentar

O coração tem razões que a própria razão desconhece
Blaise Pascal
Uma das características do mercado livre é o recurso ao marketing apoiado numa propaganda antiética em que para a venda de um produto vale tudo.
Durante toda a minha, já longa, carreira de médico tenho assistido às guerras na indústria farmacêutica a maioria das vezes não dignificantes para os respectivos laboratórios.
Mas, agora, esta minha reflexão é sobre a guerra comercial que se instalou na indústria alimentar, na maioria senão na totalidade dos casos de uma forma muito pouco ética.
Todos se aperceberam do ataque feroz dos produtores de soja* aos produtores de lacticínios, levando estes a seguirem o velho ditado popular: "Se não os podes vencer, junta-te a eles". Assim, nos escaparates dos supermercados já vemos "leites de soja" com a marca comercial dos verdadeiros leites.
Esta confusão instalada de leites vegetais e leites animais também pertence a uma manobra de marketing muito pouco ética, induzindo no consumidor que se trata verdadeiramente de um leite. Se ao invés rotulassem de sumos vegetais baixaria seguramente a sua venda.
Como já escrevi: "até prova em contrário só as fêmeas dos mamíferos dão leite".
Nos anos pós Segunda Guerra Mundial e aproveitando a promoção, sempre o marketing, de uma imagem da mulher com uma silhueta esbelta, magra e de seios pequenos, a indústria farmacêutica/alimentar propagandeou, influenciando o meio médico, os leites industriais que iriam substituir o leite materno, sem qualquer prejuízo para o bebé.
Para quê incomodar as mulheres - mães, se o leite produzido em laboratório era superior ao materno? Vamos manter as nossas mulheres esbeltas e poupá-las ao "trabalho" de amamentar os seus filhos.
Ainda vivi esta situação, com muitas mulheres a pedirem ou "exigirem" para secar o leite após o parto. Porém, a investigação laboratorial provando que nenhum laboratório conseguia produzir algo semelhante ao colostro e a observação clínica de muitos pediatras preocupados com a ausência de relação mãe/criança, essencial para o desenvolvimento psíquico da criança, começou a reverter o problema.
Até que nos anos sessenta realizou-se um congresso mundial de pediatria em que se chegou à conclusão que a melhor alimentação para a criança era o leite materno, facto que hoje ninguém contesta.
Também nos anos sessenta em muitos países em vias de desenvolvimento, entre eles Cuba, preocupados com o crescimento das suas crianças que saíam de uma situação de fome e má alimentação realizaram-se campanhas nas escolas de distribuição de leite.
Infelizmente em Portugal optou-se, muito mais tarde, pela distribuição de garrafas de leite achocolatado muito mais calórico que o leite simples.
Parafraseando Pascal direi que os mercados tem razões que a própria razão desconhece.
Hoje a guerra está instalada contra os produtores e os industriais de lacticínios. Os grandes produtores de soja tinham de escoar os seus produtos dos enormes latifúndios e por isso quando vamos aos supermercados encontramos "leites" de soja, coco, amendoim, arroz e cada um publicita as suas vantagens. O controlo dos suplementos alimentares na Europa não tem uma directiva comum, ficando a autorização e vigilância à responsabilidade de cada Estado membro, o que julgo ser negativo.
Claro que o lucro é o objectivo dos industriais e produtores destes produtos e infelizmente arranjam sempre argumentos pseudo científicos para convencerem os incautos.
Debrucemo-nos, agora, sobre a composição nutricional do leite de vaca.
Vejamos a composição e o valor nutritivo médio de 100 ml de leite meio-gordo pasteurizado, o mais utilizado pelas nossas famílias:
1.       Água: 90 ml, contribui para a hidratação do nosso organismo
2.       Cálcio: 117mg
3.       Glúcidos: 4,8 g
4.       Proteínas: 3,3g
5.       Lípidos: 1,5g,  o teor em matérias gordas varia com a desnatação: o leite gordo contêm 3,6g e apenas traços no leite magro.
As calorias são 46 Kcal, a contribuição energética do leite é pequena em face da sua riqueza em nutrientes.
O valor incontornável do leite é sem dúvida o Cálcio. Uma única caneca de leite é suficiente para 1/3 das necessidades diárias. Os outros compostos do leite (fósforo, proteínas e lactose) participam na assimilação do cálcio. O leite contém também: iodo, potássio, zinco e vitaminas B2 B12 e A. 
Devido ao seu alto teor de Cálcio há pelo menos três fases da vida humana em que se torna obrigatório consumir lacticínios (leite, iogurte, queijos): durante o crescimento, na gravidez e na terceira idade.
Para aqueles que afirmam serem intolerantes à lactose devem fazer o teste e em caso positivo já existem no mercado leites sem lactose.
   * O poderoso negócio mundial da soja e dos seus derivados envolve muitos biliões de dólares, sendo os Estados Unidos o maior produtor mundial.



terça-feira, 31 de julho de 2018

PERIGO AMÊNDOAS DE CAROÇOS DE ALPERCE 
Durante muitos anos pensou-se que com o avanço da medicina as superstições e as charlatanices desapareciam por si, sem haver necessidade de as combater. Porém, a evolução do ser humano e dos seus medos provou o contrário.
Inquéritos realizados em vários países europeus mostram que cada vez é maior o numero de pessoas que recorrem a este tipo de charlatães e abandonam as consultas da medicina convencional. 

Um dos motivos para esta procura, senão o principal, é a deterioração da relação médico doente sujeita à pressão de horários ridículos com o objectivo de aumentar a produtividade ( maior numero de consultas). A visão alopática da biomedicina, assim como a atitude da industria farmacêutica não estão também isentas de culpa. 

O recurso a estas terapêuticas, muitas vezes anunciadas na net, podem ser prejudiciais para a saúde e é nosso dever como médicos denunciá-las.  

Já há alguns anos, um "medicamento" milagroso apareceu as amêndoas do caroço do alperce, consideradas, por alguns como um alimento anti-cancerígeno. 
Os vendedores deste produto milagroso, propõem que se consumam, como prevenção do cancro, uma dose diária de 10 amêndoas e caso já tenha cancro,uma dose curativa de 60.

Quando as doses diárias a não ultrapassar são, três amêndoas no adulto e a meia amêndoa  na criança. Atenção:. estes produtos " naturais" encontram-se, também, à venda, com o nome de sementes de damasco ou "amêndoa amarga".

A agência francesa de segurança sanitária da alimentação, do ambiente e do trabalho ( Anses) lembra, num  comunicado, que não existe qualquer prova cientifica para sustentar esta tese e assinala, por outro lado, que numerosos casos de intoxicação aguda foram notificados estes últimos anos  aos centros anti-venenos.

O responsável  por estas intoxicações é uma substância, bem conhecida dos pasteleiros e dos escritores de romances policiais, a amigdalina, um glicosido cianogénico, que liberta o ácido cianídrico ( cianeto) altamente tóxico quando ingerido. 
A agência de segurança alimentar sublinha  « Em caso de intoxicação aguda, os órgãos mais sensíveis ao cianeto são o cérebro e o coração, a vítima apresenta muito rapidamente sinais neurológicos e cardíacos. Numa dose baixa, a intoxicação pode provocar sintomas como febre, cefaleias, náuseas, insónias, letargia, dores articulares e musculares, hipotensão. Em doses elevadas, a intoxicação manifesta-se por convulsões, problemas respiratórios, diminuição da frequência cardíaca, perda de conhecimento e coma."  

Alerta ao consumidor: Cuidado com os riscos de intoxicação graves, nomeadamente nos casos de consumo em alta dose como aconselham para a cura do cancro


Baseado um artigo publicado em http://www.jim.fr


quinta-feira, 7 de junho de 2018

IRLANDA

 Teresa a falar na Universidade de Cork
IRLANDA


Fui a Cork , segunda cidade mais populosa da república da Irlanda, no dia 26 de Abril de 2018, acompanhar a Teresa que ia falar na universidade local, importante centro educacional, para apresentar a experiência portuguesa no acolhimento aos refugiados.
Certamente porque esta é uma boa experiência.
Decorria então a campanha para a votação da despenalização do aborto e pudemos  assistir a várias manifestações prós e contra.
A velha Irlanda católica, com uma igreja considerada das mais retrógradas do mundo que ainda há pouco tempo viveu um confronto sangrento com os seus compatriotas protestantes do Norte, iria votar SIM pela despenalização do aborto, numa escrutínio popular muito concorrido, com 66,4% dos votos expressos.
Assim, a ilha fica dividida, a parte sul, república da Irlanda, de maioria católica, votou pela interrupção voluntária da gravidez, ao passo que a parte norte, pertencente à Grã Bretanha, apesar desta ter promulgado a lei  da despenalização do aborto, exclui dessa possibilidade
.
Sobre o lema Her Body Her Choice os irlandeses entraram na via do progresso, não sem terem passado, como em muitos países, pelas mortes de algumas grávidas que chocaram a sociedade, nomeadamente a de uma jovem indiana.

Por isso, há quem proponha que a nova lei se passe a chamar " Lei Savita": nome de uma jovem de 31 anos que imigrou para a República da Irlanda para continuar a sua carreira de dentista. No verão de 2012, tudo parecia sorrir para esta jovem, estava grávida. Mas, ao 4ºmês de gestação, um aborto espontâneo interrompe abruptamente todas as suas esperanças.

Apesar da confirmação segura do insucesso da gravidez e da não viabilidade do feto, os médicos recusaram-se a proceder à evacuação uterina que teria podido impedir a sua morte por septicémia.
Foi a morte desta jovem que relançou, neste país, os debates sobre a lei que proibia absolutamente o aborto.

Efetivamente, a sociedade conservadora irlandesa tinha, em 1983, por referendo, introduzido a proibição da Intervenção Voluntária da Gravidez (IVG) na sua constituição. A morte de Savita lembrou a perigosidade e a inadaptação da legislação irlandesa.
Lá como cá uma nova geração de militantes surgiu combatendo as velhas causas defendidas por uma sociedade retrógrada. Foram os mesmos jovens que combateram a favor da adopção por casais homossexuais, a mesma que contribuiu à chegada ao poder do jovem primeiro ministro progressista Leo Varadkar.  Desde o inicio do seu mandato, Varadkar, apostou numa evolução da sociedade irlandesa, ele que nunca escondeu a sua homossexualidade, mas mostrava-se reservado sobre a questão do aborto porque temia que ela levasse a uma cissão no seio da sociedade da república.
Mas quando em 25 de Maio a Irlanda vota a favor da revogação da oitava emenda constitucional que impedia qualquer lei liberalizante do aborto, Leo Varadkar disse : " Nós não somos um país dividido" 1,4milhões de pessoas votaram pela supressão da emenda (ao passo que 840.000 tinham contribuído para a sua adoção há 35 anos) não houve diferença entre as cidades e o campo nem entre mulheres e homens, estes últimos votaram maioritariamente "sim".
Leo Varadkar num discurso arrebatado citou a poetisa norte americana Maya Angelou na sua obra célebre Phenomenal Woman : " Os sofrimentos sofridos durante decénios pelas mulheres irlandesas não podem ser apagados, mas hoje, nós assegurámos  que eles não poderão repetir-se"
O governo está determinado a andar depressa e publicar uma lei, até ao fim do ano, que permitirá a IVG até às 12 semanas sem condições e até às 24 semanas em caso de perigo grave para a mãe ou para a criança.

Assim a ilha fica dividida se uma parte importante da população está favorável a uma mudança da lei, uma parte da classe política é contra (ao contrário da Irlanda do Sul)
Um responsável da Amnistia Internacional afirmou num comunicado publicado a seguir à votação no Sul: " Nós não podemos ser considerados como cidadãos de segunda e ser deixados num canto do Reino Unido e da Ilha".

A bola está do lado de Teresa May, mas a sua maioria instável depende do apoio de seis deputados conservadores irlandeses do Democratic Unionist Party, e …  politique oblige.
Esperemos que esta vitória eleitoral na República da Irlanda dê um novo alento aos militantes pró aborto do Norte.



sexta-feira, 1 de junho de 2018





Um desconhecido em Maio de 68

Este é um dos grafitis mais citados no cinquentenário da revolta de Maio de 68, em França. A frase, Sous les pavés, la plage, é referida como de autor desconhecido, em inúmeros sites referentes à revolta iniciada em Paris.
Ao ler o jornal digital jim.fr, como habitualmente, verifiquei que tal não era o caso, e luz era feita num artigo muito interessante de Aurélie Haroche. Daí ter sido logo minha intenção compartilhar convosco as descobertas feitas neste texto.
A autora inicia o artigo com uma reflexão sobre as celebrações do cinquentenário de Maio de 1968, dizendo: "em França foram muito tímidas".
Talvez porque a revolta de Maio, pela sua irreverência, não se possa fechar numa data evocativa ou porque aqueles que estão no cume da pirâmide, não estejam à vontade com a apologia de greves e revoluções.
Entre nós, também, os momentos de contestação e de rebeldia estudantis, greves de 62 e 69, ficam-se por comemorações tímidas na esperança de serem esquecidas nas brumas da memória. E este ano foi um bom exemplo disso. Até fomos comemorar a greve de 1962 à Casa do Alentejo, quando a tradição era na Cantina "Velha" da Universidade.
Lá como cá, a grande maioria dos jovens não ficou indiferente à revolta e às manifestações contra um regime retrógrado e opressor e muitos dos atores destes movimentos estão hoje longe do que eram, em outros ciclos, defendendo outros ideais.
Lá como cá, estas celebrações e convívios fazem-nos conhecer os verdadeiros protagonistas de certos acontecimentos.
E no jim.fr, a revelação da verdadeira identidade do autor do slogan " Sous les pavés, la plage" aconteceu. Chamava-se Bernard Cousin.
Infelizmente, o criativo morreu, a 13 de Abril, em Montrésor, antes das festividades, ou as suas promessas, tivessem começado.
Bernard Cousin não era um nome conhecido entre os dirigentes de Maio de 68, nem um militante político, definia-se como "le bourgeois catholique" quando falava da sua juventude.
Estudante de medicina e jovem publicitário, trabalhava com Bernard Fritsch, fundador d'Internote Service, que usava o nome de Killian. "Era um nome celta que tinha escolhido, pró-situacionista, parisiense e eu fiquei com o meu nome Bernard dado pelos meus pais em 1943, católico, burguês e provinciano. Foi uma das magias de 68, ter proporcionado que gentes tão diferentes pudessem encontrar-se e falar”, declarou, há dez anos, ao jornal Libération.
Em fins de Maio, os dois amigos pensam num slogan que resuma o estado de efervescência da juventude e da sociedade, naquele momento.
O futuro Dr. Cousin propõe " Il y a des herbes sous les pavés", mas Killian não gosta. A dimensão naturista da erva não o convence e teme que se possa assimilar muito rapidamente ao haschich.
Então, continuam a pensar nas dezenas de pedras da calçada levantadas, e a água deitada nos passeios para afogar as granadas dos CRS (polícia de choque) e a imagem da areia aparece. Esta imagem faz-lhes lembrar o paraíso, os sonhos de criança. Bernard vai escrevê-la em vermelho, no dia seguinte, com a indispensável vírgula à qual o futuro médico fazia questão. Inspirava-lhe, dizia ele, um certo swing, "Sous les pavés, la plage".
O slogan será grafitado milhares de vezes nos muros de Paris, com a boa caligrafia de Killian. Bernard guardou um bilhete com a frase nos seus arquivos e mostrou aos seus filhos, enquanto outros, como Jean-Edern Hallier, tentaram arrogar-se a paternidade da frase e outros ainda a ridicularizaram, sugerindo que ela significava que depois da revolta, os estudantes iam para a praia. 
Para Bernard, a interpretação deste slogan é mais profunda: "A pedra da calçada representa as nossas construções, as estradas, o plano de circulação e o que se edifica à volta, se se arranca é porque não compreendemos a sua instalação, a sua utilidade, o planeamento, talvez este seja incompreensível, eu não julgo,  eu constato. A praia é muito mais antiga, está debaixo e está antes da rua. É bem possível que antes de subir sobre a duna para explorar o vasto mundo tenhamos vivido alguns milhões de anos como mamíferos anfíbios. A felicidade completa da criança chapinhando à beira mar, a nossa evocação na tarde em que criámos este grafiti, pode ter sido o nosso paraíso perdido, isso explicaria muitas coisas do corpo humano e do seu comportamento", escrevia no Libération.
Bernard Cousin, depois das pedras da calçada, não foi à praia, mas teve numerosas experiências: enfermeiro no l'Hôtel Dieu, fotógrafo de casamentos, empregado e finalmente médico em Montrésor. O que não o impediu de prosseguir as suas paixões políticas (foi primeiro adjunto do Presidente da Câmara, entre 1983 e 1995, encarregado dos assuntos ligados ao ordenamento do território) e artísticas (expôs regularmente as suas fotos e desenhos). Amava igualmente passeios de moto, numa sensação de liberdade.
A  pequena comunidade de Montrésor não o recorda como um agitador de Maio de 68, mas como o clínico geral, um verdadeiro "médecin de campagne" , dizem os seus filhos.
Além da sua devoção aos doentes interessa-se pela inovação, inscreve nos Estados Unidos a patente de um novo esfigmomanómetro e interessa-se pela despistagem precoce da diabete. Era a sua personalidade inquieta.
Fundou, a seguir a Maio de 1968, um clube cuja especificidade era de dispor de uma oficina de mecânica, projeto em que tentou integrar Killian. Mas desesperado pelo fim da "revolução", o jovem suicidou-se atirando-se para a linha numa estação de metro.
Se a desilusão foi forte para alguns sonhadores, os acontecimentos de Maio de 68 não foram sem consequências. Em medicina, nomeadamente, em que os estudantes se mobilizaram em força depois de algumas hesitações, a revolta contribuiu para o fim do mandarinato (le grand patron) e a tomada de consciência dos limites de certos professores. Mas é igualmente em medicina que se observa as mais fortes bolsas de "resistência" devido ao " contra revolucionarismo".

terça-feira, 8 de maio de 2018

A Força de Trabalho



A FORÇA DE TRABALHO

Trabalhar demasiado aumenta o risco de alcoolismo



O capitalismo financeiro ou capitalismo selvagem ( a lei do mais forte ) é responsável por um retrocesso nas leis laborais. A revisão do código de trabalho na ordem do dia em todas as democracias ocidentais tem como objectivo o aumento da produtividade à custa da utilização da força do trabalho até ao seu limite provocando a exaustão dos trabalhadores.

A prestigiada revista médica, British Medical Journal ( BMJ) publicou um artigo de investigação em 2015 da autoria de Marianna Virtanen, alertando para o risco de alcoolismo no trabalho em excesso: " Long working hours and alcohol use systematic review and meta-analysis of published studies and unpublished individual participant data"

A União Europeia recomendou, como medida de protecção da saúde e segurança dos trabalhadores, limitar a jornada laboral a 48 horas semanais, incluindo as horas extra. Controlar o numero de horas de trabalho pode ser uma eficiente medida de saúde pública. 
Esta é a conclusão do trabalho da minha colega finlandesa.

Contudo, esta directiva da União Europeia sobre o tempo de trabalho nem sempre é cumprida que o digam os médicos e os enfermeiros. Imposições das administrações que obrigam a seguir o atendimento na urgência enquanto não se é substituído, o que leva o profissional a realizar assim 48 horas seguidas, não só é ilegal como é um atentado à saúde destes.

Marianna Virtanen, investigadora do Instituto de Saúde Ocupacional de Helsínquia, autora principal do artigo, explica: " Há quem beba álcool para aliviar o stress, a depressão ou as perturbações do sono" Beber um whisky ou uma cerveja alivia momentaneamente a tensão, mas o alcoolismo tem efeitos perniciosos sobre a capacidade de trabalho, responsável pelo absentismo e a ineficiência laboral.

Virtanen e a sua equipa levaram a cabo a primeira revisão sistemática dos estudos que se debruçaram sobre este assunto.

Todos estes trabalhos apontam na mesma direcção. Assim, numa análise do consumo da álcool de 333.693 pessoas de 14 países, os investigadores encontraram que nas longas jornadas de trabalho o risco de alcoolismo aumentava em 11%. 

Os autores não encontraram diferenças entre homens e mulheres, grupos etários ou status socioeconómico.

Considerou-se de risco o consumo habitual mais de 14 bebidas por semana para as mulheres e 21 para os homens. Esta quantidade de ingestão de alcool aumenta o risco de doenças hepáticas, cancro, hemorragia cerebral, doença coronária e perturbações mentais.

A importância deste estudo é que não se fica pela pura investigação científica e aponta estratégias de prevenção do abuso de alcool.

No editorial que acompanha o artigo, Cassandra A Okechukwu, da Escola de Saúde Pública de Harvard, sublinha que a regulação do numero de horas de trabalho poderia constituir uma eficaz medida de saúde pública, agora que cada vez mais trabalhadores se vem pressionados a violar as normas que limitam as jornadas laborais na Europa.

Estes estudos referem-se aos trabalhadores em geral ou seja mais de metade da população activa.

E os trabalhadores de saúde em Portugal? 


O maior trabalho de investigação foi realizado pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa em 2016. Envolveu uma amostra de 9.176 médicos e mostrou que 66,1% sofriam de exaustão emocional, dois terços dos quais num patamar elevado




  










terça-feira, 10 de abril de 2018



10 de Abril de 1911, nasce na Maia, o meu pai Abílio da Costa Mendes.
10 de Abril de 1965, passo a salto a fronteira, perto de Figueira de Castelo Rodrigo.
São duas datas importantes.
Esta foto mostra uma paragem de repouso num camping.
Todos os anos, os meus pais, vinham visitar-me em caravana, à Suiça..

Em sua homenagem, publico um dos vários textos de divulgação médica que escreveu, sempre no intuito de ajudar os pais na sua função de educadores.


A CRIANÇA
PRIMEIRAS NOTAS

No dia a dia da criança tudo se programou em horas de trabalho e de repouso: em permanente actividade neuro-muscular quando acordada e em relaxamento ou recuperação mnésica quando dorme.
A criança dos nossos dias dorme menos durante o dia solar e,portanto, a sua aprendizagem ou o período informativo é mais longo.
Firmada já nos sistemas nervosos a boa limitação dos seus movimentos voluntários, esboça também propósitos intencionais de preensão dos objectos, levando-os à boca e de mão para mão, agitando-os de modo a ouvir neles ruídos mais ou menos musicais. Deixou de os introduzir furiosamente na boca até ao engasgamento e à maneira que ordena a posse e os movimentos até aqui atrabiliários inicia a definição da sua individualidade. Segura avaramente os brinquedos marcando o seu direito de propriedade. 
A linguagem vai ter inicio com o balbuceio continuo de monossílabos até definir, como os primitivos, as primeiras palavras onde a entoação ajudará a completar a escassês de vocábulos. Ma..ma, pa..pa, compõem as primeiras notas de uma canção inacabada. Logo depois, aprende que uma e outra formam as palavras figurativas de Mãe e Pai. Aqui, ainda como nos primitivos, estas sílabas representarão, a um tempo, todas as mulheres semelhantes à Mãe e todos os homens semelhantes ao Pai. Cedo apontará com o indicador uma Mãe e um Pai. Embora o conceito de tudo quanto define os seus progenitores esteja traduzido numa atitude bem marcada de se inclinar francamente para um e outro, logo que no ambiente familiar componham o quadro diverso de avós, pais e irmãos, etc.,estes rudimentares vocábulos representarão, durante alguns meses, mais de uma mulher e mais de um homem.

No programa estabelecido à criança desde recém-nascido, procuramos vincar a necessidade de respeitar os intervalos digestivos e, com menos importância, o intervalo reparador do sono.
Cedo, a partir do 6º mês, evitamos as refeições da noite. É durante a vagotonia do sono, isto é, no predomínio deste sector do sistema vagosimpático que as células se refazem da tarefa quotidiana e as funções digestivas diminuem a sua actividade consideravelmente.E se assim é, vale mais dormir do que comer. Ao despertar, principia a predominância do sector simpaticotónico e todas as actividades digestivas e emunctórias entrarão no seu máximo rendimento.
É boa norma ingerir no jejum um pouco de água e a partir dos seis meses ensinar a criança a controlar os seus esfíncteres Bastará para isso, ao iniciar a sua higiene física, procurar diariamente ensiná-la, após a mudança das fraldas, a evacuar na posição sentada. A enurese será mais tarde evitada, deixando de constituir mais tarde um trauma psíquico de embaraçosa solução e tão presente na biografia dos grandes homens.
Quando do sexto ao oitavo mês a criança se senta é o indicativo de que estão definidas as suas relações com os objectos circundantes e o seu equilíbrio é perfeito. Fá-lo-à por conta própria e sem apoio de almofadas. Exercitando-se em pavimentos macios, as almofadas apenas servem para lhe aliviar o choque e nunca jungidas ao tronco, pois a criança,encostando-se em apoio acabará por deformar a sua coluna. Tarde ou cedo virá a cifose ou escoliose embora ligeiramente.

O dedo polegar, que desde  o primeiro trimestre serviu a saciedade afectiva do bebé numa sucção extasiante, vai no segundo semestre entrar no treino da preensão e oponência, marcando assim uma função nova no seio dos primatas. Não será este prazer frenético que o levará a deformações do intermaxilar; quando muito ao emagrecimento do seu dedo.Outrossim acontece mais frequentemente com a detestável chupeta de borracha que, num mastigar e estiraçar intermitentes, fará pelo menos avançar os incisivos superiores e recuar os inferiores. Neste desalinhamento fatal a razão da sua fragilidade e próxima fractura. A chupeta é-lhe oferecida, embora no mais inocente dos propósitos; porém, o dedo irá sempre à boca da criança, de evolução normal, como enriquecimento dos seus registos sensoriais.
Agora o polegar apreende e exibe ruídos musicais nos objectos de borracha; adiante agarra-os veemente num desejo imperioso de posse que se não deve contrariar. Aqui a criança não representará egoísmo, mas o direito à propriedade.
Caberá ao seu educador muito tempo depois, noutra idade psicológica, ensiná-lo a dar os primeiros gestos no sentido do altruísmo. Como seria útil nas festas da CNE* levar as crianças a oferecerem-se os seus brinquedos e prendas!

Este texto foi escrito em Junho de 1967

* Companhia Nacional de Electricidade


segunda-feira, 9 de abril de 2018

Literacia Médica




Se à chupeta adicionarem açucares ou soluções açucaradas o resultado será fatalmente a podridão dos incisivos superiores

FELIZMENTE ESTE HÁBITO JÁ VEM RAREANDO.
Porém, ainda se encontra muita gente que molha a chucha no Aero Om.

quarta-feira, 28 de março de 2018


AS WE CONTINUE TO DRIFT INTO A TOTALITARIAN MEDICAL SYSTEM: A VIEW OF A COUNTRY BOY
É o titulo de um editorial da revista “Scandinavian Journal Surgery”, escrito por um cirurgião norte americano que não assina porque, segundo diz, "I am not going to sign this document. I still need my job for a few years …"

Apesar dos Estados Unidos praticarem um sistema de saúde muito diferente do nosso e de outros países europeus, encontramos neste editorial muitos pontos em comum. O que nos leva a crer que existe uma globalização da gestão dos serviços de saúde que conduz inevitavelmente a um Sistema Médico Totalitário. Este texto é um abrir de olhos para vermos o que está a acontecer, com os novos métodos de gestão dos serviços de saúde, nos países desenvolvidos.
O nosso "country boy" começa por definir o sistema médico que sempre tivemos acesso, com cariz capitalista. Define-o há alguns anos como uma forma benigna de capitalismo conservador, contrapondo ao sistema vigente que representa outra forma de capitalismo: duro, rígido, disciplinado, controlado e cruel, conduzido ao longo de um padrão clássico totalitário-ditatorial.
Os médicos, motores da máquina clínica, não têm voz. São meros peões. Naturalmente, os pacientes, aqueles para quem a máquina existe, foram  sempre peões. They were always led as herds to the water; the ignorant greedily buying the prevailing propaganda that “this is the best medical system in the world”.  Onde é que eu já ouvi isto!

Mais adiante, avisa que a tendência para uma medicina totalitária tem sido lenta e gradual, por isso difícil de nos apercebermos.
Caracteriza os hospitais como industrias monstruosas, crescendo cada vez mais e ganhando poder de fusão para fusão. Onde " Profit is the key word "
E continua: Geridos por um sem número de administradores, gerentes e parasitas não médicos, com uma miríade de títulos ridículos impressos nos seus crachás, funcionam como fábricas gigantes na China - embora menos eficientes.
A pirâmide nos hospitais encontra-se totalmente invertida. Em hospitais de pequena dimensão, qualquer dia existem mais administradores do que doentes.
Somos os melhores, o centro de excelência, melhores médicos, melhor tecnologia é a mensagem de propaganda otimista destes hospitais.
O editor chama aos médicos "providers" . Eles são empregados contratados e demitidos. A enfase está no recrutamento: um processo no qual inúmeras agências de recrutamento se beneficiam. Uma vez contratados, se não produzirem e se não alinharem com a propaganda serão descartáveis.
Se você pretende discutir e alertar para os problemas que o preocupam é apelidado de "criador de problemas", de inimigo do sistema. O seu destino é decidido nos bastidores, com as portas fechadas. E uma vez decidido livrar-se de si, não haverá muito a fazer. Demitir-se ou ser despedido!  Isto faz-me pensar que em Portugal deve haver muitos gestores com estágios nos States.
Senão vejamos. Caso se demita, terá de assinar um termo de confidencialidade que o impossibilita de revelar a razão da sua demissão. A chamada lei da Rolha.
O sigilo sempre foi uma arma crucial dos sistemas totalitários, diz o nosso colega.
Depois de analisar o comportamento das companhias de seguros e da facturação hospitalar com exemplos: um hospital num Estado pode facturar 50.000 dólares por uma operação, quando outro, dentro do mesmo país, pelo mesmo procedimento, pode cobrar 15.000 dólares.
Acrescenta que muitos dos nossos serviços e cargos são duplicados por enfermeiros e empresas prestadoras de serviços médicos. Mais baratas(?), menos reivindicativas e mais fáceis de dominar.
O artigo continua com a caracterização da nova geração de médicos, mais focados na qualidade de vida: dinheiro e dispensa de tempo. Mudam-se para onde lhes oferecem mais dinheiro.
A geração mais velha que é a do articulista, sente-se tão desanimada com o Sistema que já equaciona pedir a aposentação. Mas também há outros que se adaptam. Para estes, é melhor ser alimentado pela mão dos oligarcas do que sofrer com a plebe.
No subtítulo ACADEMIA, refere que a era dos grandes líderes académicos chegou ao fim e foram gradualmente substituídos por doutores - gerentes, contratados com base nas suas habilidades para a gestão de departamentos lucrativos.
Critica também as revistas académicas (a maioria sem qualquer revisão científica) e acrescenta: muito do que está a ser publicado na medicina pode ser falso ou tendencioso.
Os PARASITAS, outro subtítulo, cita gestores que viajam para conselhos de administração com a missão de ser mais eficiente (ou seja mais impiedosamente totalitário). Exemplifica com o recurso a fornecedores e agências de recrutamento que controlam o movimento e a contratação de qualquer pessoa. Quer um cirurgião para o fim de semana, paga 1500 dólares/ dia e 500 dólares vão para a agência. "And so, the TMS (sistema de saúde) has become the most wasteful medical system in the world, more and more so each year. I mean wasteful to society and the plebs. Not to the dictators/oligarchs who lead it."

Em conclusão, podemos garantir que tudo isto se vai reflectir na qualidade dos cuidados de saúde. Os doentes são tratados por uma equipa sempre em mudança de "hospitalists" trabalhando por turnos.

Para ler o artigo completo
SCANDINAVIAN JOURNAL OF SURGERY
http://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.1177/1457496918757579

terça-feira, 27 de março de 2018




VACINAÇÃO OBRIGATÓRIA ?


O recente surto de sarampo no nosso país, que se iniciou no Porto e que foi detectado como primeiro transmissor um cidadão estrangeiro, veio levantar de novo, a velha polémica da vacinação obrigatória.

O sarampo é uma doença altamente infecciosa que pode ter complicações graves, necessitando muitas vezes de hospitalização. Tem como consequência, um absentismo escolar de cerca de 10 dias com um custo elevado para os serviços de saúde e para a sociedade no seu conjunto.

Graças ao alto índice de vacinação, em Portugal há mais de 20 anos que não se detectava um caso de sarampo. Isto não acontecia em muitos países, nomeadamente da Europa.

A Itália, por exemplo, faz parte dos 18 Estados europeus onde a transmissão endémica não foi interrompida* de 2008 a 2012, 14 375 casos foram declarados, atingindo pessoas de todas as idades.  Lácio, região central da Itália, registou 295 casos (20,5%) dos quais 27% atingiram crianças com menos de 14 anos. Neste período, a taxa de cobertura vacinal aos 2 anos era de 84,5%. Entre os 248 doentes que recorreram às urgências do hospital pediátrico de Lácio, 113 (45,6%) foram hospitalizados.

Apesar dos esforços dos serviços de saúde de todos os países que seguem as recomendações da OMS, os maus resultados devem-se ao crescimento do movimento anti vacinas que se tem espalhado por vários países e continentes.

O movimento anti vacinas não é novo. Contudo, seria mais compreensível no início do século XX. As medidas corretas de saúde pública tomadas ao longo dos séculos foram muitas vezes impostas às populações, recorrendo não poucas vezes às forças da ordem (isolamento dos casos de lepra, etc..).

Lembremos como a primeira vacina isolada, a antivariólica, nem sempre foi bem aceite. Mas, foi devido a ela e à teimosia dos profissionais de saúde pública que se conseguiu erradicar do planeta esta terrível doença.

A sua obrigatoriedade, no Brasil, ficou conhecida como a revolta da vacina**

Vejamos: entre os dias 10 e 18 de Novembro de 1904, a cidade do Rio de Janeiro viveu o que a imprensa chamou de "a mais terrível das revoltas populares da República". O cenário era desolador - bondes tombados, trilhos arrancados, calçamentos destruídos - tudo feito por uma massa de 3000 revoltosos. A causa foi a lei que tornava obrigatória a vacina contra a Varíola. E a personagem principal, foi o jovem médico sanitarista Oswaldo Cruz.
No meio do conflito, com saldo de 30 mortos, 110 feridos, cerca de 1000 detidos e centenas de deportados, aconteceu um golpe de Estado… A revolta foi sufocada e a cidade, remodelada… O Rio de Janeiro perderia o título de " túmulo dos estrangeiros"… A futura "Cidade Maravilhosa" era, então, pestilenta. A situação era tão crítica que durante o verão, os diplomatas estrangeiros, se refugiavam em Petrópolis, para se livrar do contágio. Em 1895, ao atracar no Rio, o contratorpedeiro italiano Lombardia perdeu 234 de seus 337 tripulantes pela febre amarela.
Apesar de todos os incidentes, foi com a mesma firmeza que Oswaldo Cruz bancou a campanha contra a Varíola. Na noite de 14 para 15 de Novembro, enviou a mulher e os filhos para a casa do amigo Sales Guerra e seguiu, ele mesmo, para a casa do cientista Carlos Chagas, que mais tarde descobrira a causa do mal de Chagas.
(Cássio Leite Vieira - https://super.abril.com.br/historia/oswaldo- cruz-e-a-varíola-a-revolta-da-vacina) **

Entre nós, a causa próxima da revolta da Maria da Fonte deveu-se à proibição, pelo ministro Costa Cabral, de enterrar os mortos nas igrejas. Uma medida correta de saúde pública.

Porém, em pleno seculo XXI, a contestação às medidas de saúde pública são mais sofisticadas e apresentam argumentos pseudocientíficos (taxa de mercúrio, etc..).

O substrato apresentado para a não obrigatoriedade da vacinação é apenas filosófico - a liberdade de escolha e a relação médico doente. O médico deve esforçar-se por explicar ao seu interlocutor os benefícios da vacinação para ele e para a comunidade.

A obrigatoriedade de cumprir o plano nacional de vacinações não pressupõe que este seja feito apenas por decreto e em nada retira o papel importantíssimo das equipas de saúde de proximidade no esclarecimento das populações. Mas o que fazer quando uma minoria de pais recusa a vacinação dos seus filhos e por outro lado exige a sua frequência escolar.

Na defesa da obrigatoriedade da vacinação está o facto de que a liberdade individual não se pode sobrepor ao interesse da colectividade

Por isso defendo que a obrigatoriedade da vacinação para crianças e profissionais de saúde seria uma medida correta, na certeza de que não levaria a uma nova revolta da Vacina.


*Ciofi degli Atti M e Coll. : Measles cases in children requiring hospital acess in na academic pediatric hospital in Italy, 2008-2013. Pediatric Infect. Dis J.,2017;36:844-848
**Figueiredo Lima: Serendipidade e outras histórias na Medicina, ed. Chiado, 2018;164-165


quarta-feira, 14 de março de 2018


Carregue neste link , para ler o artigo do público sobre a gestão privada dos hospitais públicos



https://www.publico.pt/2018/03/11/sociedade/opiniao/o-malestar-nos-hospitais-publicos-1805131

quinta-feira, 1 de março de 2018

Galinha Turista


Contos de emigração e exílio
A Galinha turista
A pedido de vários seguidores, retomo a escrita sobre estas historietas passadas em países distantes.

O José, transmontano de várias gerações e de boa cepa, exilado em terras helvéticas, suportava bem o frio e a neve do longo Inverno, pois já tinha sofrido temperaturas muito baixas na sua região.
Terra conhecida por ter nove meses de inverno e três de inferno, infelizmente sem as condições mínimas para guardar o calor do corpo, o que torna rija as gentes aí nascidas.
O sítio onde apanhei mais frio foi na Lixa, numa casa desabitada, quando andei fugido da PIDE, e muito mais tarde nas campanhas de dinamização cultural, em Sernancelhe, durante o inverno de 75. Aí, eu ressenti o mesmo frio que gela os ossos.
À noite, os lençóis da cama estavam alagados e a Dona Emília, cozinheira e parteira do hospital, entre muitos mais atributos, passava-os carinhosamente a ferro, antes de nos deitarmos.  
Voltemos ao nosso amigo José. As grandes saudades que ele tinha da terra eram da comida, do cheiro do fumeiro e do paladar apurado.
Por nunca na vida trocaria um bom presunto por uma fondue de queijo. Que raio de povo em que as especialidades culinárias são queijo aquecido ou queijo com batatas cozidas (raclette) e de entrada a viande séchée, comentava.
O José andava triste, não sentia falta do mar,  como acontecia a muitos outros patrícios, pois como dizia “nunca tinha visto um transmontano com saudades do mar”, mas o que lhe faltava eram os petiscos da sua terra.
Os pais do José quiseram fazer-lhe uma surpresa e, nas férias de verão, partiram das serranias em direção à Suíça, em caravana, com uma galinha do campo.
Nas inúmeras paragens obrigatórias até aos Alpes, soltavam o galináceo que, apesar de ter o seu destino traçado, regalava -se com o milho espanhol e francês.
Chegados à fronteira, os guardas suíços (não são os do Vaticano) implicaram com a pobre galinha e perguntaram pelas vacinas do animal.
Ils sont fous ces suisses !! Onde é que já se viu vacinar galinhas e ainda nem se falava da gripe das aves.
Os pais do José não tiveram problemas e, dando razão à fama do desenrascanço luso, deram meia volta, pararam na localidade francesa mais próxima e mataram o bicho,  que entrou clandestinamente na Suíça em forma de arroz de cabidela.

NOTA: Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018



Aqui está um exemplo de uma varanda perigosa.

Qualquer criança normal de 2 a 4 anos fará uma tentativa de trepar pelas barras horizontais da varanda
Este tipo de construção é muito comum no nosso país, assim como o numero de quedas de crianças em prédios
Existem países onde nas vistorias dos prédios é obrigatório o aval da sociedade de pediatria.

Se este tipo de varanda com barras horizontais fosse proibido muitas crianças ainda estariam vivas ou sem lesões permanentes de graves traumatismos craneanos

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CULTURA DE PREVENÇÃO





A Cultura da Prevenção

Mais vale prevenir que remediar, assim diz o povo. Mas, infelizmente, neste cantinho à beira mar plantado, atravessado por muitos povos, não passa de uma frase feita.
Não sei se a culpa é da nossa herança judaico-cristã ou se daqueles outros povos que trouxeram até nós o fado.
A verdade é que para nós todos os acidentes que acontecem são azares. Já estava fadado. Bem podem especialistas de várias áreas explicarem que o centro de convívio de Vila Nova da Rainha tinha muitos erros de construção: chaminé da salamandra mal colocada, esferovite e outros materiais inflamáveis colocados entre o tecto e o telhado, porta que abria para dentro, porta sem barras de segurança, falta de sinalética, etc..
Bem podem explicar as causas dos incêndios florestais, dos acidentes rodoviários e como se pode e deve prevenir, mas não serve de nada.
A verdade é que as vistorias não são feitas ou se são não se cumprem as indicações e os regulamentos, a reforma florestal não é feita, não se investe em prevenção na saúde, etc.
O mal só acontece aos outros. Mas prevenção de acidentes nunca. Claro que os custos para remediar a falta de prevenção são muito maiores. Mas o país é rico…
Porém, nem todos pensam assim. Senão vejamos, a seguir ao desastre do centro de convívio de VN da Rainha, o Presidente da República disse que tudo estava em ordem, as vistorias tinham sido realizadas e foi um azar a porta abrir para dentro e a outra porta não estar visível (parece até que estava fechada a sete chaves).
Quando foi dos incêndios em Pedrogão, no primeiro dia, o Presidente Marcelo entrou de rompante para dirigir-se aos populares. Um membro da proteção civil disse-lhe em bom som: "Sr. Presidente é perigoso ir por aí", pois foi por ali que ele foi.
Bem pode a Direção Geral de Saúde publicar lindos folhetos sobre o risco de acidentes na terceira idade com pavimentos escorregadios em casa ou na rua ou com as varandas perigosas espalhada em prédios por todo o país que poucos ligam.
Gastam-se milhões de euros a curar o que falha na prevenção. Todos os anos assistimos a mortos, feridos, estropiados por incúria de quem nos governa.
Por mais aviões e água que se gaste a apagar fogos, não resolvemos os incêndios florestais. Por mais obras que se façam sem vistorias competentes e exigência de cumprimento de regulamentos, todos os anos vamos ter edifícios assassinos (ponte de Entre-os-Rios, salas em Vila Nova da Rainha, estádios de futebol, queda de crianças de andares e de idosos em suas casas ou nas ruas e o rol não tem fim). Por mais leis e regulamentos aprovados se não houver fiscalização tudo irá continuar na mesma. O combate à ignorância e à falta de cultura da prevenção, que não é mais que o desrespeito pelos outros, deve começar desde o berço e seguir por toda a vida e, Sr. Presidente, não podemos esquecer que o exemplo vem de cima.
Como já alguém disse, não se pode inventar um povo. O grande problema consiste em interpretá-lo e esclarecê-lo.

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

ADRIANO CORREIA DE OLIVEIRA - CANTAR DE EMIGRAÇÃO






A FUGA DE CEREBROS
"Este parte, aquele parte e todos e todos se vão ...."
Cantar da emigração

Os mais velhos lembram-se, ainda, da magnifica voz de Adriano Correia  de Oliveira que interpretou o Cantar de Emigração com letra de Rosália de Castro e música de José Niza.
A saída massiva de jovens sobretudo do Norte de Portugal e da Galiza, fugidos da fome e da guerra colonial, zonas castigadas pelo êxodo, regiões que ficaram sem homens "que podem cortar teu pão".
Nos anos sessenta Paris era considerada a segunda cidade do país, com maior concentração de portugueses.  
Uma semana antes de passar a fronteira a salto para fugir de ser preso pela PIDE, tinham atravessado de uma vez, por essa fronteira, trinta jovens minhotos que seguiam clandestinamente para trabalhar em França, e em que condições! atravessaram a Espanha e transpuseram os Pirenéus.
 Hoje, volvidos cinquenta anos, com a liberdade conquistada, a descolonização e o desenvolvimento do país. O terceiro D da revolução de Abril, nunca completamente realizado.
Assistimos ao êxodo de jovens com formação universitária que deixam o país outra vez sem mulheres e homens que possam cortar o seu pão.
A fuga de cérebros é uma emigração em massa de indivíduos com aptidões técnicas ou de conhecimentos, normalmente devido a fatores como conflitos étnicos e guerras, falta de oportunidade, riscos à saúde e instabilidade política nestes países. Uma fuga de cérebros é geralmente considerada custosa economicamente, uma vez que os emigrados obtiveram suas formações de maneira patrocinada pelo governo.
A fuga de cérebros pode ser estagnada, através do fornecimento de conhecimento científico para a sociedade para que ela tenha oportunidades de carreira iguais e dando-lhes oportunidades de provar as suas capacidades.  O termo foi usado para descrever a fuga de cientista no pós guerra da Europa para a América do Norte. ( definição dada por Wikipedia)

No nosso país, a saída massiva de técnicos, entre os quais profissionais de saúde médicos e enfermeiros, deve-se às más condições de trabalho, falta de oportunidade destruição de carreiras e baixos salários.
A troika impôs-nos despedimentos e cortes salariais e este governo foi muito para além das medidas impostas o que levou ao aumento nunca visto de desempregados.
O estudo, coordenado por Tiago Reis Marques, ele próprio a trabalhar no King´s College, em Londres e  publicado na Acta Médica Portuguesa, revista cientifica da Ordem dos Médicos chega a resultados preocupantes, que os nossos governantes devem tomá-los em conta e não assobiar para o lado como é costume.
Quatrocentos mil euros é quanto custa ao país formar um médico e cerca de 60% de estudantes, admite emigrar e o numero aumenta para 74% quando se interrogam os internos no ultimo ano da especialidade.
Estes números vem provar o que há muito a Ordem dos Médicos alertava.  O numero de pedidos de atestados para exercer medicina no estrangeiro tem vindo a aumentar, só na região sul os pedidos atingem no primeiro quadrimestre de 2015, uma média mensal de 22 atestados.
Há muito que os médicos perceberam a politica deste governo, formação em massa de médicos indiferenciados para numa lógica puramente economicista da lei da oferta e da procura oferecer baixos salários.
A promessa do Ministro em dar um médico de família a um milhão de portugueses, até ao fim do mandato ficou nisso mesmo, uma Promessa.
A contratação de médicos reformados revelou - se um fracasso porque as verdadeiras causas das reformas antecipadas, degradação dos serviços médicos, não foram compreendidas.
Este período, pré eleitoral faz lembrar outra canção também cantada por Adriano o Sr. Morgado, para quem não conheça cito uma das estrofes Topa um influente, sou um seu criado/ Eleições à porta, seja Deus louvado/ Seja Deus louvado/ Seja Deus louvado.
A fuga dos cérebros não se limita apenas aos médicos e aos enfermeiros onde as agências estrangeiras vêm ao nosso país proceder ao seu recrutamento. 
A porta da emigração estende-se a outros profissionais com habilitações superiores.
O Conselho Nacional das Ordens Profissionais C.N.O.P.,  que representa 16 Ordens Profissionais e mais de 300 mil profissionais redigiu em 9 de Junho de 2015 uma carta dirigida ao Primeiro-Ministro dando conta da remuneração de profissionais qualificados oferecidas pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) consideradas ofensivas da dignidade destes jovens.
Assim, a carta dá conhecimento de um anuncio publicado no jornal Diário de Notícias, em 16 de Abril deste ano:
" Um engenheiro mecânico que aceite um trabalho na zona de Anadia vai ganhar 515 euros mensais ilíquidos. A oferta, publicada no site do IEFP, insere-se no programa Estímulo Emprego, que financia empresas para contratar desempregados......"
A esta noticia, similar a outras, somaram-se referências à subcontratação do Estado a valores que rondam os 4,0 Euros/hora para profissionais qualificados.
E desiludam-se aqueles que pensam que a maioria destes jovens vão retornar ao país, com as péssimas condições de trabalho oferecidas, os nossos concidadãos irão fixar-se noutras regiões e aí, casam, têm filhos e irão contribuir para o desenvolvimento de outros países.
Há países como a Irlanda que também sofreram o êxodo de profissionais qualificados devido às medidas de austeridade impostas pela Troika mas  tentam agora reverter a situação oferecendo salários mais justos. Este é o caminho que os nossos governantes devem seguir.