VACINAÇÃO OBRIGATÓRIA ?
O recente surto
de sarampo no nosso país, que se iniciou no Porto e que foi detectado como
primeiro transmissor um cidadão estrangeiro, veio levantar de novo, a velha
polémica da vacinação obrigatória.
O sarampo é
uma doença altamente infecciosa que pode ter complicações graves, necessitando
muitas vezes de hospitalização. Tem como consequência, um absentismo escolar de
cerca de 10 dias com um custo elevado para os serviços de saúde e para a
sociedade no seu conjunto.
Graças ao
alto índice de vacinação, em Portugal há mais de 20 anos que não se detectava
um caso de sarampo. Isto não acontecia em muitos países, nomeadamente da Europa.
A Itália,
por exemplo, faz parte dos 18 Estados europeus onde a transmissão endémica não
foi interrompida* de 2008 a 2012, 14 375 casos foram declarados, atingindo
pessoas de todas as idades. Lácio,
região central da Itália, registou 295 casos (20,5%) dos quais 27% atingiram
crianças com menos de 14 anos. Neste período, a taxa de cobertura vacinal aos 2
anos era de 84,5%. Entre os 248 doentes que recorreram às urgências do hospital
pediátrico de Lácio, 113 (45,6%) foram hospitalizados.
Apesar dos
esforços dos serviços de saúde de todos os países que seguem as recomendações
da OMS, os maus resultados devem-se ao crescimento do movimento anti vacinas que
se tem espalhado por vários países e continentes.
O movimento
anti vacinas não é novo. Contudo, seria mais compreensível no início do século
XX. As medidas corretas de saúde pública tomadas ao longo dos séculos foram muitas
vezes impostas às populações, recorrendo não poucas vezes às forças da ordem (isolamento
dos casos de lepra, etc..).
Lembremos
como a primeira vacina isolada, a antivariólica, nem sempre foi bem aceite.
Mas, foi devido a ela e à teimosia dos profissionais de saúde pública que se
conseguiu erradicar do planeta esta terrível doença.
A sua
obrigatoriedade, no Brasil, ficou conhecida como a revolta da vacina**
Vejamos: entre os dias 10 e 18 de Novembro de 1904,
a cidade do Rio de Janeiro viveu o que a imprensa chamou de "a mais
terrível das revoltas populares da República". O cenário era desolador -
bondes tombados, trilhos arrancados, calçamentos destruídos - tudo feito por
uma massa de 3000 revoltosos. A causa foi a lei que tornava obrigatória a vacina
contra a Varíola. E a personagem principal, foi o jovem médico sanitarista
Oswaldo Cruz.
No meio do conflito, com saldo de 30
mortos, 110 feridos, cerca de 1000 detidos e centenas de deportados, aconteceu
um golpe de Estado… A revolta foi sufocada e a cidade, remodelada… O Rio de
Janeiro perderia o título de " túmulo dos estrangeiros"… A
futura "Cidade Maravilhosa" era, então, pestilenta. A situação era
tão crítica que durante o verão, os diplomatas estrangeiros, se refugiavam em
Petrópolis, para se livrar do contágio. Em 1895, ao atracar no Rio, o
contratorpedeiro italiano Lombardia perdeu 234 de seus 337 tripulantes pela
febre amarela.
Apesar de todos os incidentes, foi
com a mesma firmeza que Oswaldo Cruz bancou a campanha contra a Varíola. Na
noite de 14 para 15 de Novembro, enviou a mulher e os filhos para a casa do
amigo Sales Guerra e seguiu, ele mesmo, para a casa do cientista Carlos Chagas,
que mais tarde descobrira a causa do mal de Chagas.
(Cássio
Leite Vieira - https://super.abril.com.br/historia/oswaldo- cruz-e-a-varíola-a-revolta-da-vacina) **
Entre nós, a
causa próxima da revolta da Maria da Fonte deveu-se à proibição, pelo ministro
Costa Cabral, de enterrar os mortos nas igrejas. Uma medida correta de saúde
pública.
Porém, em
pleno seculo XXI, a contestação às medidas de saúde pública são mais
sofisticadas e apresentam argumentos pseudocientíficos (taxa de mercúrio, etc..).
O substrato
apresentado para a não obrigatoriedade da vacinação é apenas filosófico - a
liberdade de escolha e a relação médico doente. O médico deve esforçar-se por
explicar ao seu interlocutor os benefícios da vacinação para ele e para a
comunidade.
A
obrigatoriedade de cumprir o plano nacional de vacinações não pressupõe que
este seja feito apenas por decreto e em nada retira o papel importantíssimo das
equipas de saúde de proximidade no esclarecimento das populações. Mas o que
fazer quando uma minoria de pais recusa a vacinação dos seus filhos e por outro
lado exige a sua frequência escolar.
Na defesa da obrigatoriedade da
vacinação está o facto de que a liberdade individual não se pode sobrepor ao
interesse da colectividade
Por isso
defendo que a obrigatoriedade da vacinação para crianças e profissionais de
saúde seria uma medida correta, na certeza de que não levaria a uma nova
revolta da Vacina.
*Ciofi degli Atti M e Coll. : Measles cases in
children requiring hospital acess in na academic pediatric hospital in Italy,
2008-2013. Pediatric Infect.
Dis J.,2017;36:844-848
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