Este é um
dos grafitis mais citados no cinquentenário da revolta de Maio de 68, em
França. A frase, Sous les pavés, la
plage, é referida como de autor
desconhecido, em inúmeros sites referentes à revolta iniciada em Paris.
Ao ler o
jornal digital jim.fr, como
habitualmente, verifiquei que tal não era o caso, e luz era feita num artigo muito
interessante de Aurélie Haroche. Daí ter sido logo minha intenção compartilhar
convosco as descobertas feitas neste texto.
A autora
inicia o artigo com uma reflexão sobre as celebrações do cinquentenário de Maio
de 1968, dizendo: "em França foram muito tímidas".
Talvez porque
a revolta de Maio, pela sua irreverência, não se possa fechar numa data
evocativa ou porque aqueles que estão no cume da pirâmide, não estejam à
vontade com a apologia de greves e revoluções.
Entre nós,
também, os momentos de contestação e de rebeldia estudantis, greves de 62 e 69,
ficam-se por comemorações tímidas na esperança de serem esquecidas nas brumas
da memória. E este ano foi um bom exemplo disso. Até fomos comemorar a greve de
1962 à Casa do Alentejo, quando a tradição era na Cantina "Velha" da
Universidade.
Lá como cá,
a grande maioria dos jovens não ficou indiferente à revolta e às manifestações
contra um regime retrógrado e opressor e muitos dos atores destes movimentos
estão hoje longe do que eram, em outros ciclos, defendendo outros ideais.
Lá como cá,
estas celebrações e convívios fazem-nos conhecer os verdadeiros protagonistas
de certos acontecimentos.
E no jim.fr, a revelação da verdadeira
identidade do autor do slogan " Sous
les pavés, la plage" aconteceu. Chamava-se Bernard Cousin.
Infelizmente,
o criativo morreu, a 13 de Abril, em Montrésor, antes das festividades, ou as
suas promessas, tivessem começado.
Bernard Cousin
não era um nome conhecido entre os dirigentes de Maio de 68, nem um militante
político, definia-se como "le bourgeois catholique" quando falava da
sua juventude.
Estudante de
medicina e jovem publicitário, trabalhava com Bernard Fritsch, fundador d'Internote Service, que usava o nome de
Killian. "Era um nome celta que
tinha escolhido, pró-situacionista, parisiense e eu fiquei com o meu nome
Bernard dado pelos meus pais em 1943, católico, burguês e provinciano. Foi uma
das magias de 68, ter proporcionado que gentes tão diferentes pudessem
encontrar-se e falar”, declarou, há dez anos, ao jornal Libération.
Em fins de
Maio, os dois amigos pensam num slogan que resuma o estado de efervescência da
juventude e da sociedade, naquele momento.
O futuro Dr.
Cousin propõe " Il y a des herbes
sous les pavés", mas Killian não gosta. A dimensão naturista da erva
não o convence e teme que se possa assimilar muito rapidamente ao haschich.
Então,
continuam a pensar nas dezenas de pedras da calçada levantadas, e a água
deitada nos passeios para afogar as granadas dos CRS (polícia de choque) e a
imagem da areia aparece. Esta imagem faz-lhes lembrar o paraíso, os sonhos de
criança. Bernard vai escrevê-la em vermelho, no dia seguinte, com a indispensável
vírgula à qual o futuro médico fazia questão. Inspirava-lhe, dizia ele, um
certo swing, "Sous les pavés, la plage".
O slogan
será grafitado milhares de vezes nos muros de Paris, com a boa caligrafia de
Killian. Bernard guardou um bilhete com a frase nos seus arquivos e mostrou aos
seus filhos, enquanto outros, como Jean-Edern Hallier, tentaram arrogar-se a
paternidade da frase e outros ainda a ridicularizaram, sugerindo que ela
significava que depois da revolta, os estudantes iam para a praia.
Para
Bernard, a interpretação deste slogan é mais profunda: "A pedra da calçada representa as nossas
construções, as estradas, o plano de circulação e o que se edifica à volta, se
se arranca é porque não compreendemos a sua instalação, a sua utilidade, o
planeamento, talvez este seja incompreensível, eu não julgo, eu constato. A praia é muito mais antiga, está
debaixo e está antes da rua. É bem possível que antes de subir sobre a duna para
explorar o vasto mundo tenhamos vivido alguns milhões de anos como mamíferos anfíbios.
A felicidade completa da criança chapinhando à beira mar, a nossa evocação na
tarde em que criámos este grafiti, pode ter sido o nosso paraíso perdido, isso
explicaria muitas coisas do corpo humano e do seu comportamento", escrevia
no Libération.
Bernard
Cousin, depois das pedras da calçada, não foi à praia, mas teve numerosas
experiências: enfermeiro no l'Hôtel Dieu,
fotógrafo de casamentos, empregado e finalmente médico em Montrésor. O que não
o impediu de prosseguir as suas paixões políticas (foi primeiro adjunto do
Presidente da Câmara, entre 1983 e 1995, encarregado dos assuntos ligados ao
ordenamento do território) e artísticas (expôs regularmente as suas fotos e
desenhos). Amava igualmente passeios de moto, numa sensação de liberdade.
A pequena comunidade de Montrésor não o recorda
como um agitador de Maio de 68, mas como o clínico geral, um verdadeiro "médecin de campagne" , dizem os
seus filhos.
Além da sua devoção
aos doentes interessa-se pela inovação, inscreve nos Estados Unidos a patente
de um novo esfigmomanómetro e interessa-se pela despistagem precoce da diabete.
Era a sua personalidade inquieta.
Fundou, a
seguir a Maio de 1968, um clube cuja especificidade era de dispor de uma
oficina de mecânica, projeto em que tentou integrar Killian. Mas desesperado
pelo fim da "revolução", o jovem suicidou-se atirando-se para a linha
numa estação de metro.
Se a
desilusão foi forte para alguns sonhadores, os acontecimentos de Maio de 68 não
foram sem consequências. Em medicina, nomeadamente, em que os estudantes se
mobilizaram em força depois de algumas hesitações, a revolta contribuiu para o
fim do mandarinato (le grand patron) e a tomada de consciência dos limites de
certos professores. Mas é igualmente em medicina que se observa as mais fortes
bolsas de "resistência" devido ao " contra revolucionarismo".
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