quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Escarrador anos 50


O ESCARRADOR OU A ESCARRADELA



Decorria o ano de 1966, cursava então o curso de Medicina na Universidade de Lausana, quando um colega suíço, acabado de chegar de férias de Portugal, entre várias reflexões, perguntou-me: “porque é que os portugueses estavam sempre a cuspir para o chão”.

Alunos de Medicina, acabados de estudar fisiologia, tentamos decifrar a razão deste hábito luso que não era seguido em terras helvéticas.

Qual seria a causa? Hábitos alimentares? tabagismo? Contudo estes hábitos não eram assim tão diferentes. E tanto os suíços como os portugueses também mascaram tabaco no século XIX.

Até hoje, não descobri a razão de tal hábito, tão profundamente arreigado na nossa sociedade, e é verdade que já não o vimos com tanta frequência como na minha infância e adolescência.

Nessa altura era um hábito transversal, como se diz hoje, tanto escarrava o cavador como o professor.

No Colégio, onde aprendi as primeiras letras e não só, este hábito começava logo pelo chauffer da camioneta, o Zé Diogo, que antes de pegar no volante mandava duas valentes escarretas para as mãos.

Todas as manhãs, na primeira aula, o Professor Pimenta abria o lenço em forma de quadro que segurava nas duas pontas superiores e preparava-se para fazer a sua higiene brônquica acertando o produto da expectoração no centro do lenço que depois o dobrava meticulosamente em quatro e metia-o no bolso.

Uma vez a porta da aula abriu-se repentinamente, provocando uma corrente de ar, e a parte inferior do lenço esvoaçou o que fez que aquele líquido viscoso ficasse toda a manhã a escorrer nas grades da janela.

Ainda sou do tempo em que existiam escarradores nos foyers dos cinemas e durante os intervalos os homens utilizavam esses objectos para cuspirem e deitarem as beatas.

A escarradela era própria dos homens, valha-nos isso, as mulheres não cuspiam.
Havia concursos de escarretas e alguns prendados colocavam-nas onde queriam.
Um dentista conhecido contou-me que tinha um cliente que conseguia cuspir deitado na cadeira inclinada do consultório, a chamada cadeira de dentista, e acertava sempre naquele pequeno recipiente de louça, anexo á cadeira, e por onde corre água constantemente. Confessou-me que, espantado com esta habilidade, lhe dizia com mais frequência que o habitual: “Pode cuspir...”
Conta-se que nessa época, anos 50 do século XX, uns burgueses lisboetas queriam homenagear um familiar, grande agrário alentejano, com um jantar em sua casa. O problema é que o homem habituado a viver no monte, tinha o hábito de cuspir para o chão, o que era muito aborrecido. Os donos da casa lá conseguiram comprar um escarrador de loiça da SECLA e colocaram habilmente ao pé da mesa no lugar onde se iria sentar o agrário. Assim foi, mas este incomodado não conseguia cuspir como era seu hábito com o escarrador de loiça ao seu lado. Quase no fim da refeição, não aguentando mais o alentejano disse: “Oh comadre! tire daqui a latinha senão ainda lhe cuspo em cima”.

Parece que não somos o único povo com tal mau hábito, vejo nos filmes que no Oeste Americano também se cuspia e parece que na China é lugar-comum e até deu origem a uma recente campanha de proibição na altura dos jogos olímpicos.
Portugueses cospe-se menos na rua mas ainda se cospe.



Escarrador Chinês

2 comentários:

  1. Jaime, Fartei-me de rir com este post cheio de humor. Lembrei-me que no Metro em Paris estava afixado "Ne pas cracher".

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  2. Como a ti intriga-me esta do cuspir para o chão,lenço...enfim.Quando chegei à Holanda nos anos 60,não havia esse hábito o que me espantava muito, habituada como estava em Portugal.Qual não é o meu espanto que agora na Holanda não se faz outra coisa,incluindo mesmo raparigas novas!!!O que se passa não sei, tantos portugueses já cá não há..Não sei como é aí mas nos jogos de futebol só se vê os jugadores cuspir para o chão;será por isso que a malta também o faz????Caso para estudo ha,ha!

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