PUBLICO AQUI NA INTEGRA O MEU DISCURSO
Caros Colegas e
amigos,
Um dos privilégios
da aposentação, muitas vezes referido, é o de poder dizer o que se pensa sem
arriscar o seu lugar ou a sua promoção.
Esta equipa, que
hoje toma posse adoptou assim o principio da clareza e transparência que John
Stuart Mill resumiu nesta frase: “ Não se podem prevenir nem curar os males da
sociedade, assim como as doenças do corpo, sem falar claramente”.
Este é um dos
nossos compromissos para os próximos três anos.
A Medicina sofreu
grandes transformações no final do seculo XX, com avanços tecnológicos que
permitiram diagnósticos mais precisos, com um indiscutível beneficio para os
doentes, atrevo-me a dizer mesmo custo/benefício. Nunca aderi à ideia feita que
o avanço tecnológico seria o responsável do encarecimento da medicina.
Podemos argumentar
que os progressos poderão até reduzir os custos: por exemplo, os aparelhos de diálise aperfeiçoaram-se necessitando de menos vigilância dos técnicos e de
manutenção; a operação dispendiosa de bypasses coronários deu lugar à dilatação
percutânea, intervenção realizada em ambulatório; a cirurgia laparoscópica
reduziu de uma forma impressionante a duração da hospitalização, etc…etc…,não
esquecendo todos os programas de prevenção implantados no terreno que permitem
uma estabilização dos custos.
O facto é que os
custos na saúde aumentam em flecha. Será devido ao aumento dos salários dos
médicos e dos outros trabalhadores da saúde? Certamente não, porque eles, salvo
raríssimas excepções, têm vindo a diminuir os seus proveitos nos últimos dez a quinze anos.
Um sector que contribuiu
para o aumento dos custos foi a plêiade de gestores espalhados pelos hospitais
e centros de saúde que ironicamente foi concebido para fazer diminuir as
despesas.
A tutela e as
diversas formas de gestão têm tido poucos resultados porque, como já referi em
vários artigos publicados na revista da Ordem, as reformas necessárias da saúde
têm o centro num binómio tão velho como a MEDICINA: A relação Médico-Doente. Sem
a participação activa destes dois actores nada resultará.
No nosso programa de
candidatura afirmámos que um dos reversos da medalha dos avanços tecnológicos
foi o aparecimento de inúmeras especialidades e subespecialidades, só na nossa
Ordem existem mais de 40, o que levou à fragmentação dos conhecimentos e que tem
originado o aumento dos custos médicos, com duplicação de exames, entre outros,
e em nada melhorou o tratamento dos doentes.
Estamos na época
pós-industrial e os nossos hospitais continuam como as grandes instituições
fabris do passado que actualmente com a revolução informática estão a ser substituídas
por pequenas empresas em rede.
Assim, torna-se
imperioso equacionar uma nova organização do trabalho médico em equipas
multidisciplinares e de transdisciplinaridade, como entendeu Piaget, e uma nova
governação hospitalar e enterrar para sempre as ideias organizacionais de
Taylor.
Infelizmente, hoje
assistimos a um retrocesso das ciências humanas o que levou os médicos a
prosseguirem numa visão alopática afastando-se da visão holística da medicina
centrada no doente e nas suas necessidades e não na doença.
A economia suplantou todas as ciências sociais
mas sem grande sucesso. Imaginem se a Medicina negasse hoje todos os
conhecimentos transmitidos pelos nossos Mestres, realizasse experiências
humanas, se enganasse e depois pedisse simplesmente desculpa.
Já foi dito que
isto de economistas há para todos os gostos, e eu também tenho os meus
preferidos que não são como devem imaginar os da escola de Chicago.
Daniel Cohen,
economista e autor do livro o Homo economicus, no essencial diz que o
capitalismo se apoia sobre duas instituições com lógicas muito diferentes: os
mercados e as empresas, os primeiros para organizar a competição, e os segundos
a cooperação. A rotura que o capitalismo financeiro introduziu desde os anos 80
foi de impor uma lógica de mercado nas empresas. Os prémios, os bónus, muitas
vezes individualizados, criaram uma nova relação de trabalho. A consequência foi
que a competição progride e a cooperação recua. Eu direi: o individualismo e o
isolamento instalam-se nas nossas sociedades.
Cito Cohen quando
se refere ao que ele considera os grandes pólos da sociedade pós-industrial, a
educação e a saúde, diz: - “ Quando se
experimenta dar incentivos financeiros aos professores e aos médicos, por
exemplo em função dos seus resultados, depressa caminhamos para catástrofes
pedagógicas ou sanitárias”.
A Ordem dos Médicos
como parte integrante do SNS e do sistema de saúde deve ter um papel
fundamental em todo o planeamento e desenvolvimento da política de saúde.
Entretanto, o
momento sócio-político que vivemos impõe-nos a urgência de pôr em equação os
problemas actuais da classe médica e esclarecê-los tanto quanto possível no espírito de todos e, em especial de certos médicos com responsabilidade governamental, porquanto adoptam opiniões bastante inadequadas aos novos tempos, factores importantes da desagregação profissional facultando aos especuladores o maior aviltamento da classe.
O nosso compromisso
é com os nossos colegas, com o Presidente da Ordem, com os Conselhos Regionais
e com as distritais para cumprir o programa de ação proposto e votado para o
triénio 2014 -2016. A nossa atitude irá ser de frontalidade, clareza e
transparência. Para isso as reuniões do maior Conselho Regional do país, o Sul,
serão abertas e publicitaremos as suas decisões.
Vamos trabalhar
· na defesa do Serviço Nacional de Saúde
constitucional, obra dos médicos portugueses, um dos sistemas menos
dispendiosos e o mais efectivo garante da equidade, identificando e intervindo
nos múltiplos factores determinantes da má saúde e da doença.
· Na garantia da qualidade da medicina praticada no nosso país.
· Na formação médica pós-graduada
e formação contínua em colaboração estreita com os colégios da especialidade.
Sem desprezar a formação pré-graduada, em colaboração íntima com os directores das Faculdades de Medicina para a melhoria do ensino e a introdução de áreas
das ciências humanas, preparando o jovem para a prática clínica e a melhoria do
contacto com os doentes.
A
célebre frase atribuída a Abel Salazar de “que quem só sabe medicina nem
medicina sabe” foi teorizada oficialmente por dois investigadores da New School of Social Research de Nova Iorque, Commer-Kidd e Castano, que em
artigo publicado na revista Science
mostraram os resultados da sua investigação em psicologia experimental, onde chegaram
à conclusão que os leitores de obras de ficção têm maior capacidade de
compreender os estados mentais de outrem, melhorando assim a relação
médico-doente. Não quero com isto propor aos estudantes de medicina que a par
da Anatomia leiam os sete volumes de Proust, “Em busca do Tempo Perdido”. Mas a Ordem tem aqui um papel
fundamental.
· Comprometemo-nos na
defesa das carreiras médicas como um dos suportes da qualidade, da efectividade
e da eficiência da prestação dos cuidados médicos e a garantia da realização
profissional.
· A Defesa da Medicina
Liberal, a chamada medicina de consultório, dignificando a sua missão de
assistência à comunidade.
Não posso finalizar
a minha intervenção, sem dizer algumas palavras sobre a metodologia utilizada
na revisão dos estatutos da Ordem. O que aconteceu foi o exemplo daquilo que não se deve fazer, se o objectivo for
aproximar os médicos da Ordem.
Como já escrevi
detalhadamente no boletim da Ordem, foi nomeada pelo Bastonário uma comissão para
a revisão dos estatutos constituída por 15 médicos, à qual tive a honra de
presidir.
A nossa proposta de
estatutos representou mais de mil horas de trabalho voluntário e foi entregue
ao Sr. Bastonário em tempo útil, Fevereiro de 2012. A metodologia que
pensávamos seguir era a sua apresentação e discussão em todas as secções
distritais afim de uma maior participação activa dos médicos.
Para espanto nosso,
passado um ano, em Fevereiro de 2013, foi entregue ao Senhor Ministro da Saúde
uma proposta de estatutos saída da CNE sem se quer ter sido dado um esclarecimento
a esta comissão.
Desta forma não
podemos desejar a vinda de novos estatutos que tanto nós como quase a totalidade
dos médicos desconhece na totalidade o seu conteúdo.
Situações como esta
afastam os médicos da Ordem e contribuem para o aumento da abstenção e o
desinteresse cresça no seio dos médicos.
Sei que a vontade
do Bastonário é abrir as portas da Ordem a todos os médicos no sentido de uma
democracia participativa. Pode contar com a nossa equipa!
Connosco pode estar
certo que nenhum médico ficará à porta da sede da Ordem e que iremos criar
várias comissões de trabalho para estudar os vários temas que se colocam hoje
aos médicos e à saúde.
Agradeço toda a
colaboração prestada pelo Prof. Dr. Pereira Coelho e pelo
Dr. Iglésias na passagem das pastas do Conselho Regional do Sul.
Aos funcionários da
Ordem, peço a vossa ajuda para levar à prática o nosso programa para o próximo
triénio, na defesa da causa da medicina e da saúde dos portugueses.
Termino
com uma frase de Cícero, proferida no ano 42 a.c. : - “ Uma nação pode
sobreviver aos idiotas e até aos gananciosos, mas não pode sobreviver à traição
gerada dentro de si mesma.”
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