Pais poderão acompanhar os filhos no
Bloco Operatório
…Mas
as crianças, Senhor, porque lhes dás tanta dor?! …
Augusto
Gil. Balada da Neve
O Despacho n.º 6668/2017, publicado no DR nº
148/2017, serie II de 2017-08-02, ao permitir aos pais acompanharem os filhos, na indução anestésica e durante o
recobro, veio
legalizar aquilo que já se praticava há muitos anos nos serviços de cirurgia
pediátrica em Portugal, como na maioria dos países desenvolvidos.
Quando iniciei a minha carreira cirúrgica, nos anos setenta,
a entrada das crianças no bloco operatório e mesmo nas salas de tratamento era
um verdadeiro drama. Arrancavam-se as crianças ao colo das mães eram
anestesiadas aos gritos em choro convulsivo e todas elas acordavam também aos
gritos.
Apesar de já existirem nos hospitais comissões de humanização que nada
opinavam, eram quase sempre constituídas por médicos e enfermeiras de adultos.
Os direitos da criança hospitalizada e dos pais foi uma
conquista alcançada como quase todas com
oposição de grande parte da classe médica e de enfermagem.
Estou a falar dos anos logo a seguir ao 25 de Abril de 1974.
Lembro-me da resistência que houve da parte de enfermeiras chefes
em permitirem aos pais da criança doente permanecerem durante a noite nas
enfermarias. Foi uma luta que os Pediatras juntamente com os pais das crianças
ganharam*
Contudo, conseguir o acompanhamento dos pais até ao bloco
operatório foi mais longo e difícil.
Deve-se aos cirurgiões e anestesistas pediatras, os pais
poderem ir até ao momento da indução anestésica e ficarem depois no recobro
quando a criança acorda.
Foi assim em todos os estabelecimentos de saúde onde
trabalhei, depois dos mais velhos se terem aposentado ou convencido.
Foi prática no Hospital de Santa Maria, no IPOFGL e no
Hospital Inglês. Nunca houve nenhuma
infecção hospitalar e o mau
comportamento dos pais foi excepção. Aqui tenho de fazer justiça às enfermeir@s
que rapidamente aderiram ao novo procedimento tendo sido uma ajuda preciosa.
Segundo as últimas noticias que vi na comunicação social,
hoje este procedimento é norma em todos
os serviços de cirurgia pediátrica do país e julgo saber também nos serviços de
Otorrinolaringologia.
É evidente, que compete às direcções de serviços arranjarem
condições para esclarecerem os pais e as crianças através de sessões
explicativas de preferência na véspera seguidas de visita à enfermaria e ao
bloco. Aliás, vem expresso no preambulo do despacho:
a)- A formação do
pai ou da mãe ou de pessoa que os substitua, através de consultas
pré-operatórias a realizar por parte da equipa de saúde, que podem incluir
visitas pré-operatórias e vídeos informativos, no caso das intervenções
cirúrgicas programadas;
b) A existência de local próprio onde o pai ou a mãe ou
pessoa que o substitua possa trocar de roupa e depositar os seus pertences;
c) A prestação adequada de formação sobre o cumprimento
de todas as regras relativas ao equipamento de proteção individual e de higiene
inerentes à presença em bloco operatório e unidade de recobro;
d) A definição de um circuito em que o pai ou a mãe ou
pessoa que o substitua possa movimentar-se, sem colocar em causa a privacidade
de outras crianças ou jovens e seus familiares, nem o funcionamento normal do
serviço.
Curiosamente foi devido as estes pressupostos que no Hospital de Santa
Maria, a Cirurgia Pediátrica, conseguiu não ficar com salas operatórias nas
obras realizadas do novo bloco cirúrgico ambulatório, exatamente por não terem
sido previstas as determinações citadas nas
alíneas b e c
Esperemos que no novo hospital a construir em Chelas/ Marvila se cumpra na
integra o estipulado na carta do direito da criança hospitalizada**
Há cerca de 20 anos que se iniciou este caminho, por isso espanta-me a
atitude de certos médicos, não querendo acreditar que seja a do colégio de
anestesiologia da Ordem dos Médicos, que estão contra este despacho.
São estas atitudes que vão de encontra a chalaça que os hospitais são um
sítio agradável mas sem os doentes.
* Os médicos norte americanos e europeus vieram do Vietnam
impressionados positivamente pela atitude das vietnamitas a não se deixarem
separar dos filhos doentes e do seu comportamento nas enfermarias que
auxiliavam em muito as poucas enfermeiras existentes. Os exemplos vem de onde
menos se espera.
** Carta aprovada por várias associações em 1988, em
Leiden.
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