Nacionalismos
Habla
castellano! Habla Castellano! Habla Castellano ! Popoo! Popoo! Popoo! chamada
desligada
Estávamos em
casa do Torres, colega do meu irmão Abílio no colégio. Eu devia ter uns dez
anos e nunca mais me esqueci.
O Torres era
um catalão que vivia no Estoril, como os condes de Barcelona1, mas além desta coincidência (?), era o melhor guarda-redes
de andebol do Colégio Infante Sagres. Admirava-o pela sua destreza e os voos
espetaculares na defesa à baliza apesar da sua forte constituição, que hoje
seria mesmo classificada de obesidade.
Um dos seus
entretimentos era irritar as meninas do PBX 2 em
Espanha (nos anos 50 todos os telefonemas passavam por telefonistas em centrais
telefónicas manuais ) quando telefonava
para a sua avó, em Barcelona, e falava em castelhano.
Franco, o
ditador, tinha proibido a língua catalã, falada ou escrita, em toda a Espanha.
O fascismo tinha saído vencedor e todo o poder ficou centralizado em Madrid, de
tal forma que se chegava ao ridículo de que em qualquer ponto de Espanha os
marcos na estrada mostrarem sempre a distância a que ficavam da capital.
No Natal de
1938, as tropas fascistas iniciam o ataque à Catalunha que termina em fevereiro
de 1939, com duzentos mil soldados republicanos feitos prisioneiros. São
interrogados, separados, e os presumíveis culpados executados. Os outros, libertados alguns meses depois, virão a ser os
párias do regime. O fim da Catalunha foi o começo do grande êxodo, são
trezentos mil a fugir para a fronteira. As tropas franquistas encerram a última
fronteira. Os vencidos não podem já escolher o exílio.
A 31 de
Dezembro de 1939, Franco proclama: "Do
que precisamos é de uma Espanha unida, consciente. É preciso liquidar os ódios
e as paixões deixadas pela nossa guerra passada". Não conseguiu, com a
repressão, prisão e morte nos trinta e seis anos que reinou em Espanha, tal
como antes a República Espanhola também não tinha conseguido.
Juan Negrin 3, presidente do governo da Segunda República, disse em plena
guerra civil:"Não estou a fazer a guerra contra Franco para que se reviva
em Barcelona um separatismo estúpido e medíocre".
O presidente
Azaña 4 também se mostrou profundamente
pesaroso com o nacionalismo catalão pelas, segundo ele, "escandalosas
provas não solidárias e de indiferença, de hostilidade, de chantagem que a
politica catalã destes meses deu à República". Momentos de alta tensão
viveu-se entre a coligação republicano-socialista que governava Madrid e a
Esquerda Republicana, maioritária na Catalunha.
Indalecio
Prieto 5 chegou a afirmar que a atitude da
ERC, desde a proclamação da República, constituía " um acto de
deslealdade" como nunca tinha conhecido em toda a sua vida política".
Mesmo no mais aceso da guerra civil espanhola as relações entre Madrid e
Barcelona foram más, como mostra a decisão dos comunistas de considerarem fora
da lei o (POUM) Partido Operário de Unificação Marxista e a proclamação por
Negrin da ilegalidade desta organização. Durante a clandestinidade a esquerda
espanhola e o nacionalismo catalão tentaram melhorar as suas relações.
Socialistas e independentistas bascos e catalães aspiravam a criar uma
"Comunidade Ibérica das Nações". Sol de pouca dura! Todos os povos de Espanha e Portugal
sofreram as ditaduras fascistas.
Os governos
pós franquistas também não conseguiram resolver este problema dos separatismos
catalães e bascos. Rajoy e o PP são os herdeiros diretos do franquismo e na sua
estúpida e brutal reação ao referendo catalão (juridicamente ilegal)
conseguiram fazer mais adeptos independentistas do que nos 500 anos de luta da
Catalunha pela separação de Espanha.
Como
declaração de interesses digo que nada me une a uma ou outra parte.
Sou apenas
um cidadão português que tem participado nas lutas políticas desde o início dos
anos sessenta e penso que os acontecimentos nesta região irão ter repercussões
sobre o nosso país. Alguém já disse que quando a Espanha espirra Portugal
estremece…
A discussão
nestes últimos dias face aos acontecimentos em Barcelona centra-se nas ideias
de nacionalismo, legalidade e democracia.
Nacionalismo - Sempre achei que a esquerda convive
mal com nacionalismos e pelo contrário luta pela união dos povos, sempre no
respeito pelas diferenças.
A comparação
da Catalunha com o nosso país é ridícula. Portugal já era independente séculos
antes do domínio dos Filipes e a luta pela independência foi uma necessidade da
burguesia em ascensão contra a aristocracia conservadora pró-Castela, além de
que durou perto de 28 anos.
A legalidade e a democracia - Não sou jurista, mas todos estão de
acordo que o referendo na Catalunha é ilegal segundo as leis espanholas, hoje
um estado democrático.
Por um lado
uma democracia deve respeitar as suas, leis votadas pelos representantes
eleitos pelo povo, mas por outro lado a lei não pode ignorar as maiorias, o que
parecia não existir, mas que a resposta brutal do governo Rajoy a transformou.
Face ao
choque de dois nacionalismos, o catalão e o espanhol cabe aos espanhóis
ultrapassar esta crise. Se necessário rever a Constituição e realizar novas
eleições.
Por que é
que a parte francesa da Catalunha, hoje Pirenéus ocidental, não pede a
separação do estado francês e o seu sentir catalão resume-se a puro folclore?
Julgo que é
por que a departamentação em França, decidida em 1790, logo após a revolução
francesa, foi uma verdadeira regionalização, ao contrário do que sucedeu em Espanha.
Assistimos à
exacerbação de todos os nacionalismos quer do lado catalão como do espanhol. Esperemos
que o bom senso oriente os governantes e se encontre uma formula que satisfaça
ambas as partes.
Quando não
se acredita mais no diálogo para resolver dificuldades comuns, só restam os
atos e os tristes exemplos que nos tem dado a História.
________________________
(1) Pretendente ao trono de Espanha e exilado no Estoril durante
o franquismo
(2) nos anos 50, as centrais
telefónicas eram manuais e todos os
telefonemas passavam por telefonistas
(3) . Ocupou o lugar de presidente do governo de
Espanha de 1937 a 1939 e de Presidente do Governo da República no exílio até
1945
(4) Segundo e último Presidente efectivo da
Segunda República Espanhola
+++++Socialista e Ministro
da Segunda República Espanhola
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