ESTAVA TUDO DITO
Na minha adolescência residi num bairro elegante dos arredores de Lisboa, cujos moradores na sua grande maioria, eram gente abastada da alta burguesia.
Mesmo em frente da minha casa havia um palacete onde vivia um senhor de ar muito importante, que segundo se dizia, era director de um Banco. Com ele viviam a mulher e dois filhos, assim como um grande numero de serviçais, " machos" e fêmeas", de que se destacavam por menos vulgares, um preto e uma "nurse" de nacionalidade alemã.
Os senhores, marido e mulher, entravam e saíam do palacete sempre com imponência, agitando-se a transmitirem recados de última hora à criadagem que os envolvia em submissos salamaleques. Um belo automóvel, "espadalhão" sempre a luzir e um motorista fardado a preceito esperavam-os na rua junto ao portão.
No pequeno percurso que ia da porta principal do palacete até ao carro, os senhores primavam por não ligarem a nada nem a ninguém que os rodeava, evitando claramente lançarem um simples golpe de vista pela vizinhança.
Eu e a minha avó éramos espectadores fiéis e atentos de todo aquele aparato. Corríamos à janela para assistir às chegadas e às partidas dos grandes senhores, gozando o espectáculo, apreciando-o intimamente, mas sem trocarmos nunca uma única palavra sobre o que víamos. Verdade, verdade que dentro de nós sentíamos vontade de dizer qualquer coisa, de esboçar um comentário, mas o certo é que nada saía, permanecendo sempre mudos, estarrecidos.
Até que um belo dia, postos mais uma vez perante a cena, a minha avó desabafou e virando-se para mim, disse-me:
- OS MERDAS!
Estava dito, o que devia ser dito.
Lino Teixeira
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