Li e fiquei espantado pelo arrazoado com que o Sr. Raposo nos
brindou no Expresso “on line”, no dia 10 de Julho, com o artigo:-“ a greve dos
médicos é uma comédia”. Acho que já tinha escrito outro belo texto sobre os
enfermeiros.
Perguntamos: - o que é que o senhor terá contra os técnicos
de saúde?
Oh Sr. Raposo, estamos de facto em 2012, em pleno seculo XXI
e não queremos o regresso ao passado. Para afirmar que esta é uma classe privilegiada
é preciso conhecer um pouco da sua história. Na década de cinquenta, os médicos
começaram a ter consciência da sua situação. Assim numa Assembleia realizada em
Lisboa, em 30 de Janeiro de 1953, é apresentada uma moção sobre a grave crise
que a classe atravessa e é proposta a constituição duma Comissão de Estudo da
situação da profissão. À Ordem chegavam, cada vez em maior número, pedidos de
apoio económico para associados e familiares em situações graves. (cf. As
Carreira Medicas em Portugal: Evocação e Defesa, ed de 2007, Sindicato dos Médicos
da Zona Sul/FNAM)
Perante a incerteza do seu futuro profissional os jovens
médicos da altura reunidos no chamado “movimento dos novos” com o apoio dos
Bastonários da Ordem dos Médicos, Professores Jorge Horta e Miller Guerra,
apresentaram à classe o relatório das carreiras médicas que foi aprovado por
unanimidade, em Assembleia Regional Extraordinária, realizada em Lisboa, assim
com a eleição de uma comissão para estudar o problema das CARREIRAS MEDICAS.
O relatório sobre as carreiras médicas foi aprovado em A G da
Ordem dos Médicos em junho de 1961, depois de largamente debatido pela classe
médica. O relator foi um dos vultos da Medicina Portuguesa Professor Doutor
Miller Guerra. O movimento médico, como foi chamado na altura e que os
jornalistas, desse tempo, deram larga divulgação (a possível!) levou a que o
chefe do governo Oliveira Salazar nomeasse o primeiro ministro da Saúde (antes
a saúde estava debaixo da tutela do Ministro do Interior) em Portugal, o Prof.
Henrique Martins de Carvalho. Este declarou publicamente “ que foi o maior
contributo que um sector profissional até à altura tinha dado para um problema
Nacional que ao sector dizia respeito”. Bonitas palavras que caíram em saco
roto, pois foi só depois do 25 de Abril com a aprovação pela Assembleia da
República do Serviço Nacional de Saúde que as Carreira Médicas passaram a
existir no nosso país.
É pela defesa da que foi considerada a maior conquista do 25
de Abril, e que o atual governo quer destruir, que os médicos fizeram greve e
compareceram em massa no dia 11 de Junho à frente do ministério da saúde. A
maior greve de batas brancas de sempre.
O seu escrito é um insulto a todos os médicos portugueses e
também a muitos que já faleceram e lutaram toda a sua vida por melhor assistência
médica no nosso país.
O Sr. afirma a dada
altura: - “Um médico seja ele qual for, tenha ele a idade que tiver, é alguém
que está numa posição privilegiada”. Engana-se redondamente a maioria deles em
2012, já nem sequer pertencem à classe média e muitos, devido à eficiência dos
seus ídolos neoliberais têm o emprego ameaçado. Aliás é curioso que quando
esteve em discussão no país o serviço nacional de saúde, os conservadores liberais
alertavam para o perigo da proletarização dos médicos e foram estes anos
depois, os políticos neoliberais, que conduziram à proletarização da classe médica.
O que talvez o senhor não saiba é que as Carreiras Médicas
servem também para manter a dignidade profissional na defesa dos princípios
deontológicos de que não abdicam. Idêntica atitude deveria ter todos os
profissionais que estão ao serviço das populações sejam a cuidar da saúde seja
a esclarecê-los.
Para o senhor o facto do emprego garantido ser só por si um
privilégio, faz lembrar Grotius que defendia a escravatura como segurança de
emprego para o escravo e a sua família e que preconizava, porém, que o negreiro
não exagerasse nem na dureza do trabalho nem na sua crueldade.
Mas isto era no seculo
XVII!
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