segunda-feira, 31 de julho de 2017

4ª e última parte



A Despedida de Jerónimo



Jerónimo era uma figura querida e conhecida em Ouchy, atrevo-me mesmo a dizer em toda a cidade. Tinha conquistado o coração de toda a comuna de Ouchy, desde os empregados e donos dos inúmeros restaurantes como da própria polícia que, como referi no capítulo anterior, exibia por detrás do balcão um enorme falo representante da nossa louça popular das Caldas.
Um dia aziago, estava eu a estagiar no Hospital Cantonal, no serviço de neurocirurgia do Professor Eric Zander ( 1918-1982), quando entrou o nosso amigo com o diagnóstico de tumor cerebral.
O Professor Zander começava a sua visita à enfermaria às 7 horas, não tivesse ele o posto de tenente coronel do exército suíço. Os seus assistentes chamavam à visita o içar da bandeira.
Para quem não sabe, abro aqui um parêntesis: os suíços cumprem o serviço militar obrigatório  até aos 45 anos, normalmente durante 3 semanas ou mais conforme o tirocínio para  oficiais.
Quase todos os meus professores eram de altas patentes, nunca abaixo de coronel.
Imaginem o meu espanto quando numa sexta-feira vi muitos colegas meus fardados e a guardar as espingardas metralhadoras nos respetivos cacifos.

Mas voltemos ao Jerónimo, foi-lhe diagnosticado um tumor cerebral, ainda na época pré TAC,
localizava-se no lobo frontal  e para os médicos suíços, com o seu pragmatismo, a personalidade desinibida do meu amigo era já um sintoma da sua doença. Nunca acreditei nesta causa-efeito.

A sua alegria de viver e o seu caracter desinibido em nada tinham a ver com a presença de um tumor. O Jerónimo era assim.
Uma vez, mostrou-me um verdadeiro dicionário fonético francês- português que ele ia escrevendo conforme ouvia uma nova palavra. Era uma maravilha e ainda hoje arrependo-me de não ter ficado com uma fotocópia.

Após ser operado e extraído o tumor convidou toda a equipa da neurocirurgia para uma almoçarada em Ouchy. Quando chegámos ao lago e nos aproximámos do seu lugar de aluguer de barcos um cheiro muito meu conhecido, mas desconhecido para os suíços, exalava a quilómetros de distância. O Jerónimo tinha presenteado os suíços com umas ótimas sardinhas assadas.

Durante o almoço, várias foram as excursões de nativos curiosos com aquele odor de um novo perfume que inundava o passeio à beira lago.



Ainda viveu o 25 de Abril de 1974, mas com o meu regresso a Portugal nunca mais vi o Jerónimo. Anos mais tarde fui a Lausana e já não existiam os barcos de recreio Mendes-Rouge e, provavelmente, o das Caldas estará guardado na casa do chefe da polícia aposentado.
Ficam as memórias desse tempo….





Sem comentários:

Enviar um comentário