4ª e última parte
A Despedida de Jerónimo
Jerónimo era uma figura querida e conhecida em Ouchy,
atrevo-me mesmo a dizer em toda a cidade. Tinha conquistado o coração de toda a
comuna de Ouchy, desde os empregados e donos dos inúmeros restaurantes como da
própria polícia que, como referi no capítulo anterior, exibia por detrás do
balcão um enorme falo representante da nossa louça popular das Caldas.
Um dia aziago, estava eu a estagiar no Hospital Cantonal,
no serviço de neurocirurgia do Professor Eric Zander ( 1918-1982), quando
entrou o nosso amigo com o diagnóstico de tumor cerebral.
O Professor Zander começava a sua visita à enfermaria às
7 horas, não tivesse ele o posto de tenente coronel do exército suíço. Os seus
assistentes chamavam à visita o içar da bandeira.
Para quem não sabe, abro aqui um parêntesis: os suíços
cumprem o serviço militar obrigatório
até aos 45 anos, normalmente durante 3 semanas ou mais conforme o
tirocínio para oficiais.
Quase todos os meus professores eram de altas patentes,
nunca abaixo de coronel.
Imaginem o meu espanto quando numa sexta-feira vi muitos
colegas meus fardados e a guardar as espingardas metralhadoras nos respetivos
cacifos.
Mas voltemos ao Jerónimo, foi-lhe diagnosticado um tumor
cerebral, ainda na época pré TAC,
localizava-se no lobo frontal e para os médicos suíços, com o seu
pragmatismo, a personalidade desinibida do meu amigo era já um sintoma da sua
doença. Nunca acreditei nesta causa-efeito.
A sua alegria de viver e o seu caracter desinibido em nada
tinham a ver com a presença de um tumor. O Jerónimo era assim.
Uma vez, mostrou-me um verdadeiro dicionário fonético
francês- português que ele ia escrevendo conforme ouvia uma nova palavra. Era
uma maravilha e ainda hoje arrependo-me de não ter ficado com uma fotocópia.
Após ser operado e extraído o tumor convidou toda a
equipa da neurocirurgia para uma almoçarada em Ouchy. Quando chegámos ao lago e
nos aproximámos do seu lugar de aluguer de barcos um cheiro muito meu conhecido,
mas desconhecido para os suíços, exalava a quilómetros de distância. O Jerónimo
tinha presenteado os suíços com umas ótimas sardinhas assadas.
Durante o almoço, várias foram as excursões de nativos
curiosos com aquele odor de um novo perfume que inundava o passeio à beira
lago.
Ainda viveu o 25 de Abril de 1974, mas com o meu regresso
a Portugal nunca mais vi o Jerónimo. Anos mais tarde fui a Lausana e já não
existiam os barcos de recreio Mendes-Rouge e, provavelmente, o das Caldas estará
guardado na casa do chefe da polícia aposentado.
Ficam as memórias desse tempo….
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