Carta
Aberta ao Primeiro-Ministro António Costa
A razão de os signatários se
dirigirem directamente ao Primeiro-Ministro decorre da análise que fazem da
actual situação no sector da saúde, a qual, quase a meio do mandato do governo,
permanece sem sinais de mudança que alterem a natureza do modelo de política de
saúde, promovendo a saúde dos portugueses e reabilitando e requalificando o
Serviço Nacional de Saúde.
As várias greves dos
profissionais de saúde – médicos, enfermeiros, técnicos de diagnóstico -, em
que se verificou tanto uma grande adesão desses profissionais como uma
considerável compreensão por parte da população, representam sinais que devem
ser entendidos e interpretados como manifestações críticas da situação que se
está a viver no sector.
O
diagnóstico que melhor caracteriza a saúde da população é dado pelos seguintes
indicadores-chave. (1) com 70% de esperança de vida saudável, os portugueses
tinham o mais baixo valor dos países do sul da Europa – Espanha, França, Itália
e Grécia; (2) com 32% de esperança de vida saudável aos 65 anos, os portugueses
ficam bastante aquém dos valores daqueles países; (3) no grupo etário 16-64
anos só 58% da população considerava que a sua saúde era boa ou muito boa,
quando na Grécia ou em Espanha é superior a 80%; (4) no grupo com mais de 64
anos aquela percepção é de 12%, sendo em Espanha e França superior a 40%; (5)
mais de 50% da população tem excesso de peso; (6) em 2016 verificou-se o maior
excesso de mortalidade da década, correspondente a 4 632 óbitos.
Nos
setenta e sete hospitais da rede pública, cerca de 800 000 utentes aguardam
com excesso de espera uma primeira consulta hospitalar, correspondendo a 30%
das primeiras consultas realizadas em 2016. Esse excesso varia entre 2 ->
800
dias. Mais de oitocentos mil portugueses não têm médico de família atribuído.
Entre 2014 e 2016 verificou-se um aumento de 529 000 urgências. Em seis
anos (2009-2015) a despesa pública da saúde diminuiu quase dois mil e
quinhentos milhões de euros, tendo passado de 6,9% para 5,8% do PIB.
Esta
situação é já bastante preocupante. Continua a insistir-se num modelo de
política de saúde exclusivamente orientado para o tratamento da doença e
centrado nas instituições de saúde. Quando a regra é ser-se saudável e a
excepção é estar-se doente, a quase totalidade dos recursos são canalizados
para a excepção, embora a promoção e a protecção da saúde sejam as condições que
mais contribuem para melhorar o bem-estar das pessoas e das comunidades, e a
estratégia que torna os sistemas de saúde sustentáveis.
Mas
mesmo quando se trata da prestação de cuidados na doença, o acesso mantém-se
como o maior obstáculo aos serviços de saúde no momento em que são necessários,
com as consequências daí decorrentes para a saúde dos doentes. Os tempos de
espera inadmissíveis são disso a melhor evidência e a afluências às urgências o
pior sintoma da disfunção que reina no sector.
O
sistema público de saúde carece do financiamento ajustado à sua missão:
promover a saúde, prevenir e tratar a doença. Sem essa condição não só o SNS vê
reduzido um dos seus principais valores, a cobertura universal, como as
respostas que vai dando são canalizadas quase exclusivamente, e já em condições
precárias, para o tratamento da doença.
Os
signatários desta Carta têm uma longa história de serviço público no Serviço
Nacional de Saúde. A maior parte deles contribuiu para que ele se implantasse
nos primeiros anos da sua criação, foram seus profissionais desde então e
bateram-se por diversas vezes contra os ataques que lhe foram movidos. Não
estão, por isso, dispostos a assistirem ao seu progressivo definhamento. Se,
como é defendido, o SNS representa um dos mais relevantes serviços que a
democracia tem prestado aos portugueses, então há que proceder á mudança que se
impõe da política de saúde. Passados 38 anos da sua criação, o SNS não pode
ficar imóvel e alheio aos desafios que lhe são colocados. Nesta exigência
estamos acompanhados pelos mais prestigiadas autoridades na matéria, como Ilona Kickbusch,
David Gleicher e Hans Kluge da OMS, Nigel Crisp, coordenador da Plataforma Gulbenkian Health in Portugal e Tonio Borg,
comissário da UE para a saúde
Por
isso nos dirigimos a si, senhor Primeiro-Ministro, na expectativa de que seja
sensível a esta necessidade inadiável e tome as decisões que a situação
descrita exige. Entendemos e reconhecemos que as medidas a tomar, dada a sua
natureza, não produzem efeitos imediatos. É no médio e longo prazo que os
resultados se tornam demonstrativos da razão que assiste às soluções para as
quais estamos disponíveis a dar o nosso contributo. Mas é imperativo que se
comece já.
Lisboa,
Aguinaldo Cabral, Alberto Mendonça
Neves, Almerindo Rego (Presidente do Sindicato dos Técnicos
Superiores de Diagnóstico e Terapêutica),
Ana Abel, Anita Vilar, António Manuel Faria-Vaz, Armando Brito de Sá, Augusto
Goulão, Carlos Leça da Veiga, Carlos Vasconcelos, Cipriano Justo, Deolinda
Barata, Fernando Gomes (ex-Presidente do Conselho Regional do Centro da
Ordem dos Médicos), Francisco Crespo,
Francisco Paiva, Guadalupe Simões (Vice-Presidente do Sindicatos dos
Enfermeiros), Henrique Delgado Martins,
Isabel do Carmo, Jaime Correia de Sousa,
Jaime Mendes (ex-Presidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos
Médicos), João Álvaro Correia da Cunha, João
Cravino, João Proença, Jorge Espírito
Santo, Jorge Seabra, José Aranda da Silva (ex-Bastonário da Ordem dos
Farmacêuticos), José Carlos Martins (Presidente
do Sindicato dos Enfermeiros), José
Frade, José Manuel Boavida, Manuel Sá Marques (1º Presidente do Sindicato
Médico da Zona Sul), Maria Augusta de
Sousa (ex-Bastonária da Ordem dos Enfermeiros), Maria Gorete Pereira, Maria João Andrade, Maria Manuel Deveza,
Mariana Neto, Mário Jorge Neves (Presidente da Federação Nacional dos
Médicos), Nídia Zózimo, Paulo Fidalgo, Patrícia
Alves, Pedro Miguéis, Rui de Oliveira ( ex-Presidente do Conselho Regional do
Sul), Sérgio Esperança (ex-Presidente do Sindicato dos Médicos da Zona
Centro), Sofia Crisóstomo, Teresa Gago
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