sexta-feira, 14 de julho de 2017






Carta Aberta ao Primeiro-Ministro António Costa

A razão de os signatários se dirigirem directamente ao Primeiro-Ministro decorre da análise que fazem da actual situação no sector da saúde, a qual, quase a meio do mandato do governo, permanece sem sinais de mudança que alterem a natureza do modelo de política de saúde, promovendo a saúde dos portugueses e reabilitando e requalificando o Serviço Nacional de Saúde.
As várias greves dos profissionais de saúde – médicos, enfermeiros, técnicos de diagnóstico -, em que se verificou tanto uma grande adesão desses profissionais como uma considerável compreensão por parte da população, representam sinais que devem ser entendidos e interpretados como manifestações críticas da situação que se está a viver no sector.
O diagnóstico que melhor caracteriza a saúde da população é dado pelos seguintes indicadores-chave. (1) com 70% de esperança de vida saudável, os portugueses tinham o mais baixo valor dos países do sul da Europa – Espanha, França, Itália e Grécia; (2) com 32% de esperança de vida saudável aos 65 anos, os portugueses ficam bastante aquém dos valores daqueles países; (3) no grupo etário 16-64 anos só 58% da população considerava que a sua saúde era boa ou muito boa, quando na Grécia ou em Espanha é superior a 80%; (4) no grupo com mais de 64 anos aquela percepção é de 12%, sendo em Espanha e França superior a 40%; (5) mais de 50% da população tem excesso de peso; (6) em 2016 verificou-se o maior excesso de mortalidade da década, correspondente a 4 632 óbitos.

Nos setenta e sete hospitais da rede pública, cerca de 800 000 utentes aguardam com excesso de espera uma primeira consulta hospitalar, correspondendo a 30% das primeiras consultas realizadas em 2016. Esse excesso varia entre 2 -> 800 dias. Mais de oitocentos mil portugueses não têm médico de família atribuído. Entre 2014 e 2016 verificou-se um aumento de 529 000 urgências. Em seis anos (2009-2015) a despesa pública da saúde diminuiu quase dois mil e quinhentos milhões de euros, tendo passado de 6,9% para 5,8% do PIB.

Esta situação é já bastante preocupante. Continua a insistir-se num modelo de política de saúde exclusivamente orientado para o tratamento da doença e centrado nas instituições de saúde. Quando a regra é ser-se saudável e a excepção é estar-se doente, a quase totalidade dos recursos são canalizados para a excepção, embora a promoção e a protecção da saúde sejam as condições que mais contribuem para melhorar o bem-estar das pessoas e das comunidades, e a estratégia que torna os sistemas de saúde sustentáveis.

Mas mesmo quando se trata da prestação de cuidados na doença, o acesso mantém-se como o maior obstáculo aos serviços de saúde no momento em que são necessários, com as consequências daí decorrentes para a saúde dos doentes. Os tempos de espera inadmissíveis são disso a melhor evidência e a afluências às urgências o pior sintoma da disfunção que reina no sector.

O sistema público de saúde carece do financiamento ajustado à sua missão: promover a saúde, prevenir e tratar a doença. Sem essa condição não só o SNS vê reduzido um dos seus principais valores, a cobertura universal, como as respostas que vai dando são canalizadas quase exclusivamente, e já em condições precárias, para o tratamento da doença.

Os signatários desta Carta têm uma longa história de serviço público no Serviço Nacional de Saúde. A maior parte deles contribuiu para que ele se implantasse nos primeiros anos da sua criação, foram seus profissionais desde então e bateram-se por diversas vezes contra os ataques que lhe foram movidos. Não estão, por isso, dispostos a assistirem ao seu progressivo definhamento. Se, como é defendido, o SNS representa um dos mais relevantes serviços que a democracia tem prestado aos portugueses, então há que proceder á mudança que se impõe da política de saúde. Passados 38 anos da sua criação, o SNS não pode ficar imóvel e alheio aos desafios que lhe são colocados. Nesta exigência estamos acompanhados pelos mais prestigiadas autoridades na matéria, como Ilona Kickbusch, David Gleicher e Hans Kluge da OMS, Nigel Crisp, coordenador da Plataforma Gulbenkian Health in Portugal e Tonio Borg, comissário da UE para a saúde

Por isso nos dirigimos a si, senhor Primeiro-Ministro, na expectativa de que seja sensível a esta necessidade inadiável e tome as decisões que a situação descrita exige. Entendemos e reconhecemos que as medidas a tomar, dada a sua natureza, não produzem efeitos imediatos. É no médio e longo prazo que os resultados se tornam demonstrativos da razão que assiste às soluções para as quais estamos disponíveis a dar o nosso contributo. Mas é imperativo que se comece já.

Lisboa,

Aguinaldo Cabral, Alberto Mendonça Neves, Almerindo Rego (Presidente do Sindicato dos Técnicos Superiores de Diagnóstico e Terapêutica), Ana Abel, Anita Vilar, António Manuel Faria-Vaz, Armando Brito de Sá, Augusto Goulão, Carlos Leça da Veiga, Carlos Vasconcelos, Cipriano Justo, Deolinda Barata, Fernando Gomes (ex-Presidente do Conselho Regional do Centro da Ordem dos Médicos), Francisco Crespo, Francisco Paiva, Guadalupe Simões (Vice-Presidente do Sindicatos dos Enfermeiros), Henrique Delgado Martins, Isabel do Carmo,  Jaime Correia de Sousa, Jaime Mendes (ex-Presidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos), João Álvaro Correia da Cunha, João Cravino,  João Proença, Jorge Espírito Santo, Jorge Seabra, José Aranda da Silva (ex-Bastonário da Ordem dos Farmacêuticos), José Carlos Martins (Presidente do Sindicato dos Enfermeiros), José Frade, José Manuel Boavida, Manuel Sá Marques (1º Presidente do Sindicato Médico da Zona Sul),  Maria Augusta de Sousa (ex-Bastonária da Ordem dos Enfermeiros), Maria Gorete Pereira, Maria João Andrade, Maria Manuel Deveza, Mariana Neto, Mário Jorge Neves (Presidente da Federação Nacional dos Médicos), Nídia Zózimo, Paulo Fidalgo, Patrícia Alves, Pedro Miguéis, Rui de Oliveira ( ex-Presidente do Conselho Regional do Sul), Sérgio Esperança (ex-Presidente do Sindicato dos Médicos da Zona Centro), Sofia Crisóstomo, Teresa Gago





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