Contos da Emigração
(escrita em
género de novela…)
O Jerónimo, conheci-o em Lausanne e rapidamente ficámos
amigos.
Oriundo de Matosinhos saiu a salto de Portugal, ainda muito
novo, atravessou a nado o rio Minho e a pé os Pirenéus, onde muitos portugueses
se perderam abandonados pelos passadores.
Pouco tempo ficou em Paris, onde a vida nos bidonvilles não
lhe agradou.
Chegou a Lausanne no início dos anos sessenta. Como? Não sei,
nunca lhe perguntei, nem ele me contou.
Quando precisei de um carpinteiro, indicaram-me o Jerónimo.
Estava inscrito no consulado com esta profissão.
A representação de Portugal em Lausanne era feita, à época,
por um cônsul honorário de nacionalidade suíça e durante alguns anos muitos
portugueses fugidos do país obtinham aí passaporte, alegando que lhe tinham
roubado os papéis.
Jerónimo era forte, moreno e de estatura mediana, alegre e
folgazão, e guardava uma pronúncia forte do norte.
Como muitos emigrantes, fugiu da fome que grassava em
Portugal, sem nenhuma preparação profissional ou instrução. Jerónimo era
analfabeto.
Mas tinha aquela característica do povo português, referida
por muitos filósofos e pensadores, o desenrascanço*.
Lembro-me do nosso primeiro contacto. Telefonei-lhe (era o tempo dos telefones fixos. Telefonávamos para Portugal de cabines públicas, onde segurávamos uma
moeda com uma pastilha elástica e um fio longo e assim que atendiam do outro
lado puxávamos a moeda. Mais um desenrascanço…) e perguntei-lhe onde
queria que nos encontrássemos e como o iria conhecer. Ele respondeu
prontamente: "Na estação de metro*, em Ouchy, e estarei com uma mama de
fora". Claro que mal desci na estação reconheci-o imediatamente, não
precisou de mostrar um peito fora da camisa. Era facílimo identificar aquele
português brincalhão no meio dos sorumbáticos suíços.
*dicionário Priberam: Capacidade de
solucionar problemas ou resolver dificuldades rapidamente e sem grandes meios
** em 1965, o metro em
Lausanne era um transporte de superfície que só tinha uma linha que ligava a
praça central da cidade, Saint François, ao lago do Leman. Os habitantes da
cidade chamavam-lhe Ficelle (o fio).
(Continua ...)
.
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