sexta-feira, 28 de setembro de 2012

HISTÓRIAS




OS SUIÇOS E A ESQUERDA EM PORTUGAL
 

A grande manifestação do passado dia 15 de Setembro iniciou-se, em Lisboa, na Praça José Fontana, o mesmo José Fontana que no século XIX - juntamente com Antero de Quental e Azedo Gneco - fundou o Partido Socialista em Portugal, como bem lembrou, no Facebook, a minha sobrinha Elsa. 

Fontana, de seu verdadeiro nome Giuseppe Silo Domenico Fontana, nasceu em 1840, em Valle de Muggio, no Ticino, o cantão italiano da Confederação Helvética. Em 1854, veio para Lisboa estabelecer-se como relojoeiro. Que mais poderia ser!
Como operário, era um defensor das classes trabalhadoras e trocou correspondência com Marx e Engels. Contudo, foi Bakunine que o inspirou. Redigiu os estatutos da Associação da Fraternidade Operária, que mais tarde viria a dar origem ao Partido Socialista Português.

Grande amigo de Antero de Quental, foi um dos organizadores das Conferências de Casino e do Centro Promotor dos Melhoramentos da Classe Operária. É reconhecido hoje como um dos fundadores do PS.

Trabalhou como tipógrafo e tradutor na Livraria Bertrand, de que seria mais tarde sócio-gerente. Quem o conheceu descreveu-o como um homem bom, sensível, de inteligência brilhante, sagaz como analista das situações, dotado de uma intuição fora do comum.

Adoeceu com tuberculose e suicidou-se em 2 de setembro de 1876. O seu grande amigo e correligionário Antero de Quental vêm a suicidar-se anos mais tarde. 

No início dos anos 20, encontramos outro suíço na origem da fundação do Partido Comunista Português: Jules Humbert Droz (1891 a 1971).

Originário da parte francófona da Suíça, La Chaux-de-Fonds, no cantão de Neuchatel, aderiu ao comunismo depois de ter sido pastor protestante e membro do Partido Socialista Suíço. Levou parte dos militantes do PSS a aderir à III Internacional, fundando o Partido Comunista Suíço, em Março de 1921.

Partiu para Moscovo em 1919, sendo nomeado secretário da Internacional Comunista. Neste cargo, foi encarregue de trabalhar com os Partidos Comunistas dos países latinos, colaborando com o italiano Palmiro Togliati, o francês Maurice Thorez e o português Carlos Rates.

Droz esteve presente, como delegado da III Internacional, no congresso do Partido Comunista Português.

No seu discurso, perante o congresso, disse: “Ele (o PCP) lutará, estreitamente unido às outras secções da Internacional, até ao dia em que se consiga fazer em Portugal uma república soviética, que entrará na grande família dos Estados Unidos Soviéticos do Mundo”.

Jules Humbert Droz conheceu Lenine nos primeiros anos da revolução russa e negou a existência do marxismo-leninismo, afirmando que nem Marx nem Lenine tinham querido criar um sistema, uma linha de conduta definitiva para a classe operária.

Em 1931, Estaline retira-lhe as funções de secretário da Internacional por defender o seu amigo Bukarine (caído em desgraça na União Soviética). Numa entrevista a um jornalista comentou que Estaline lhe gritou: “Vai para o diabo!”

Foi reabilitado nas suas funções, em 1935, quando a estratégia da Frente Popular foi abalizada pelo VII Congresso da Internacional Comunista. 

De regresso à Suíça, foi secretário-geral do PCSuíço e membro do Conselho Nacional Suíço, em 1938 e 1939, como deputado do Cantão de Zurique. Sofreu a ira de Estaline que o expulsou em 1942. Foi preso sob a acusação de ter recrutado voluntários para as Brigadas Internacionais durante a Guerra de Espanha. Aderiu mais tarde ao Partido Socialista Suíço, pertencendo à sua direção de 1959 a 1965. 

Como jornalista, Droz foi editor de política estrangeira do jornal La Sentinelle. Manifestou a sua hostilidade à política colonial de Guy Mollet na Argélia. As suas análises do mundo soviético eram particularmente acutilantes (destalinização, relatório de Krutchev, insurreição de Budapeste, primavera de Praga).
Numa carta datada de 5 de janeiro de 1969 escreveu: «a degeneração da Revolução Russa foi a maior deceção da minha vida de militante».

Existe em La Chaux-de-Fonds uma fundação com o seu nome, onde se pode consultar todo o espólio que deixou após a sua morte.

Por que é que vamos encontrar nos fins do século XIX e princípios do século XX, dois revolucionários que, de uma ou outra maneira, ficaram ligados aos movimentos operários em Portugal, oriundos de um país hoje considerado burguês e capitalista? 

Quando José Fontana nasceu, no isolado Vale de Muggio, perto da fronteira italiana, a Suíça ainda não era República Federal, encontrava-se no rescaldo das lutas religiosas e das invasões napoleónicas que lá, como em toda a Europa, espalhou os ideais da Revolução Francesa.

Cem anos antes nasceu, em Genebra, Jean-Jacques Rousseau e o seu pensamento influenciou certamente não só a França como toda a Suíça, que ele percorreu muitas vezes fugido da polícia pelas suas ideias revolucionárias, entre elas a Democracia Direta, ainda praticada em alguns cantões da Confederação Helvética.
Mais tarde, Benjamin Constant foi outro pensador suíço que influenciou os regimes parlamentares saídos das lutas liberais em Portugal e no Brasil.

A Suíça não descobriu só o relógio de cuco, como dizia Orson Wells, mas foi um país percursor dos direitos do Homem na Europa.

A República Federal foi constituída em 1848 e com a traição de Napoleão às ideias republicanas, este povo ficou isolado, não se submetendo ao Império.

Aí foram obrigados a iniciar uma revolução industrial, mas com um rosto mais humano que nos outros países.

Em Zurique são publicadas as Leis do Trabalho, em 1815, em que se estipula que o horário de trabalho não pode exceder as 12 horas e nunca se deve iniciar antes das 5 da manhã.

As crianças com menos de 10 anos estavam proibidas de trabalhar e no cantão de Turgau nenhuma criança podia mesmo trabalhar. Em 1877, o horário de trabalho passa para as 11 horas, o trabalho só é permitido a partir dos 14 anos e proibido à noite e aos domingos.

Em Portugal, no ano de 1974, ainda se praticava a exploração do trabalho infantil e noturno! 

Outra grande influência dos espíritos abertos na Suíça foi seguramente o facto de este país ter sido desde longa data um país de asilo.

Bakunine refugiou-se em Lugano, capital do Ticino, fugido de Itália. Participou no congresso anarquista, de 1872, em Saint Imier, vila no vale com o mesmo nome, no Jura (cantão de Berne). Veio a morrer no Hospital de Berna em 1876. Saint Imier recebeu este ano o Encontro Internacional do Anarquismo.  

Quando vivi na Suíça assisti a várias manifestações separatistas  deste cantão francófono do cantão de Berna (alemão).

Tive um colega que concorreu a umas eleições federais pelo Jura, sob a sigla de um partido com o nome - “Parti sans laisser d'adresse”. Este termo usa-se também no carimbo que se põe nas cartas quando as pessoas mudam de residência. Quase que foi eleito! Esta história tem tanto de anedótica como de anarquista.
Lenine esteve na Suíça por longos períodos e praticamente deixou o seu rasto por muitas cidades como Zurique, Berna, Genebra, Lausana, etc..
Em Zurique e em Genebra não existe botequim onde a sua presença não esteja assinalada, dando ideia que o revolucionário russo passava a vida a conspirar em cafés…
Sabe-se também que viveu escondido em Lausana na mesma altura em que Mussolini estava lá emigrado, ainda era socialista e muito prestigiado na enorme colónia emigrante italiana, mas segundo consta, nunca se teriam encontrado.
O célebre cirurgião alemão Sauerbruch, pai da cirurgia torácica, relatou nas suas memórias que quando trabalhava em Zurique lhe pediram para observar um jovem refugiado russo: era Lenine, mas parece que tinha uma simples dor de dentes.
Podemos dizer com segurança que os refugiados enriquecem sempre culturalmente os países de acolhimento.

 

 

 

 

 

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