domingo, 18 de abril de 2010

CANTINA

Recepção aos caloiros de Medicina
Eu a discursar na Cantina 1963


O CONVIVIO OU A CANTINA VELHA

DIA DO ESTUDANTE 24 DE MARÇO, novo jantar de comemoração, 38 anos passados da greve de 1962.
Este ano o jantar foi na Cantina velha, como disse o meu amigo Artur Pinto, até a Cantina está velha.

Como sempre nestes encontros de memória, que durante muito tempo detestei e agora com a idade a avançar vou aderindo, revi muitos amigos nas brumas da memória, há anos.

Momentos de recordações, lembrei-me da inauguração da Cantina, ou melhor do Convívio, e para refrescar as lembranças nada melhor que recorrer a uma informação dada por um bufo à PIDE nessa noite de inauguração. Para onde fossemos havia sempre um bufo, que vendia as suas informações à Policia por dez reis de mel coado, que miséria!

Hoje em dia espalha-se a ideia que a PIDE era uma polícia muito eficiente, a minha opinião nunca mudou, que esta como outras policiais políticas sempre funcionou à custa dos informadores.

Mas vamos ao que interessa, a tal informação histórica: INFORMAÇÃO Nº 26/63, datada de 29-1-63 e com um visto de 31-1-63.

“… No passado sábado, dia 26, desloquei-me ao “Convívio” da Cidade Universitária, para assistir ao Baile dos Alunos de Medicina e Direito, o qual teve início cerca das 23h00. (Os bufos também dançam)

À entrada fui surpreendido por dois indivíduos, segundo julgo estudantes, que distribuíam o “Comunicado nº 15“, sem qualquer receio de serem vistos. Tal distribuição continuou enquanto se dançava e em pleno recinto.” (IMAGINE-SE!)

Em seguida o relatório refere-se ás manifestações estudantis «… gritando em coro efe,erre e FRa….Hurra!...» Aí o Reitor interrompe e continua o relato assim: «….Meus Senhores! Cumpre-me interromper, para vos dizer que autorizei a realização desta festa………porque me prometeram que a única finalidade…era divertirem-se…….Pois bem verifico que isto não é mais uma festa mas sim uma reunião com uma única finalidade: “Actividades subversivas”…»

(Já adivinharam quem era o Reitor, exacto o PAULO CUNHA)

Mas a eloquência do Bufo, vai melhorando com o decorrer do texto: «…Estas afirmações foram recebidas com assobios e frases indignas de indivíduos com cultura geral, como o são JORGE SAMPAIO LUCENA, JOSÉ MARIA SANTOS, ALBERTO TEIXEIRA, etc.» O primeiro nome, é uma mistura entre Jorge Sampaio e Manuel Lucena, o Alberto Teixeira, está anotado a tinta, na margem do papel Teixeira Ribeiro e o José Maria Santos não consigo identificar.

O Magnifico Reitor continua a falar dizendo que conseguiu com o Ministro da Educação libertar três estudantes dos quatro presos, «…o outro MEDEIROS FERREIRA, continuou, visto não estar preso apenas como dirigente associativo mas sim por actividades contra a segurança do Estado, o que já estava provado pelas Autoridades competentes»

Vejam os mais novos a naturalidade com que um Reitor afirma, segundo palavra de bufo, que o Medeiros Ferreira não estava preso apenas como dirigente associativo, como se fosse o mais normal, mesmo naquela época, andar por aí a prender dirigentes associativos.

O relatório continua transcrevendo o discurso do Paulo Cunha: «…”Há dias, acompanhado por um professor universitário argentino, entrei no Bar do “Convívio”; os estudantes não só não cumprimentaram, como nem sequer se levantaram, demonstrando assim, perante um desconhecido, a falta de educação e respeito pelo Reitor, o que não é digno de estudantes.”
Tudo isto que o Reitor estava a apontar-lhes, era recebido com assobios e urros, perante milhares de pessoas.»

O bufo depois de comunicar que os dirigentes associativos pediram para usar da palavra ao que o Reitor acedeu, escreve: «um deles, segundo me parece o ABÍLIO TEIXEIRA MENDES*, quintanista de Medicina, não só desmentiu em público o seu Reitor como disse ainda que concordava em absoluto com a abertura do Museu (prometido por Paulo Cunha) e que, para isso, ele próprio iria colaborar na sua qualidade de aluno, mas que, nunca era de esquecer a colocação ali do Decreto-Lei 44.632. Nesta altura o Reitor interrompeu, tendo este aluno terminado o seu discurso, que eu considero “sujo e indigno”, dizendo que a Universidade dependia deles e que, para a vida académica, eram necessárias duas coisas: a autonomia e a autodeterminação…….
…Falou ainda o estudante JORGE SAMPAIO LUCENA (e o bufo insiste, mas temos que o desculpar pois o Jorge ainda não tinha sido eleito Presidente da República), do 5º ano de Direito, que não só tornou a desmentir o Reitor como, depois deste o ter interrompido, disse que um dos princípios da democracia era que não se interrompia qualquer orador quando proferia o seu discurso. Disse ainda que concordava em absoluto com a ideia do Reitor esclarecer o público por intermédio da Imprensa pois eles tanto o têm tentado mas a “suja Censura” sempre o tem evitado.»

O relatório do informador termina aqui, com a pressa de mostrar serviço, não ficou para o baile, nem para a eleição da Miss Caloira.

Assim, não pôde informar que o Reitor – Palhaço não resistiu ao convite da Miss Caloira de Medicina e veio dançar, comer e beber para o meio dos estudantes em festa.

O que levou alguns de nós, mais radicais, a propor o seu rapto, o que nunca sucedeu.

Os “soixantards“ meus amigos devem lembrar-se que terminámos todos a cantar o “hino da Cantina”:
“ Passa a Benard**,/ Passa e a barretaça vai enfiar/ A rapaziada come / fica com fome tem de pagar/ e se a malta faz barulho por ter entulho à refeição/o Reitor não acha graça e ameaça fechar a Associação.
Uma cantina para estudantes/ isso era bom mas era dantes/ agora a malta se quer comer/ tem de pagar, sem refilar e a Benard a encher.”
(Música da marcha do Bairro Alto, vencedora em 62 das marchas populares, e letra de JL Boaventura e A. Mendes)

Tenho que admitir que à parte alguns erros o relatório retratou a realidade daquele dia.

O Reitor tinha prometido aos dirigentes associativos da Universidade Clássica, Medicina, Direito e Letras, a abertura do Convívio e de um Museu. Os dirigentes devem ter exigido a libertação dos colegas presos entre os quais Medeiros Ferreira.

Foi decidido, portanto, nesse ano realizar em conjunto o Baile de recepção aos caloiros de Medicina e Direito e era com este tipo de manifestações que se trazia muitos estudantes à luta contra a Ditadura; por isso o ódio que tinham a todas as formas de movimentos associativos.

Se a memória não me falha foi em 1963 que na inauguração do ano lectivo esteve presente o Presidente da República, Américo Tomás. Um grupo de estudantes, entre os quais eu, numa atitude quixotesca, virou as costas ao presidente, o que valeu uma tarde passada na António Maria Cardoso, onde conheci o Chefe Rego e o Sub-inspector Passo, os dois seguramente vieram a auferir, mais tarde, pensões de reforma por serviços prestados à Nação.

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*nesta data o Abílio estava no Porto, por ter sido expulso da Universidade de Lisboa por participação na greve de 1962

**A pastelaria Benard era a concessionária da Cantina, contra a vontade das Associações de estudantes da Universidade Clássica que se tinha proposto fazer a sua gestão

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Centro de Saude de Lisboa

  A História do Centro de Saúde de Lisboa está descrita neste artigo, da minha autoria, publicado na Acta Pediátrica Portuguesa. Por ter sido uma experiência relevante, que foi apagada dos arquivos da DGSaúde, aconselho vivamente a sua leitura.
http://www.spp.pt/Userfiles/File/App/Artigos/17/20100115185619_Hist%20Medicina_Mendes%20JT_40(4).pdf