quinta-feira, 14 de dezembro de 2017




Diapositivo retirado da  comunicação que apresentei no VII Congresso da Comunidade Médica de Língua Portuguesa, no Porto em 2016





"Um sistema de saúde cuja ambição é de permitir a todos o acesso aos melhores 

cuidados de saúde deve ser financiado, e suficientemente financiado, pelo Estado 

ou por um sistema de seguros de saúde organizado pelo Estado. O mercado não 

está apto a garantir um equilíbrio de oferta e de procura de oferta médica, porque ele 

produz quer a exclusão, quer o sobre consumo, ou ainda, como mostra o exemplo 

dos Estados Unidos, as duas coisas.”

palavras de Ruth Dreifuss ex Presidente da Confederação Helvética

segunda-feira, 27 de novembro de 2017




Infelizmente este artigo continua muito actual, ainda nada foi mudado





O  ZÉ*

“Onda de frio em Portugal” noticiava a televisão. Isto é que é frio, resmungava o Zé, habituado a temperaturas de 10 graus negativos na sua terra natal e com pouca roupa para o agasalho, aquecendo-se com um copo de aguardente, apesar dos seus dez anos de idade, quando acompanhava o pai no trabalho do campo, mesmo quando no inverno não havia muito que fazer.
“Desculpa de mau pagador para justificar o aumento de mortes, neste mês de Janeiro de 2015, mais mil mortes que no ano anterior, e oito nos serviços de urgência dos hospitais”, dizia entredentes o Zé.
Frio e calor conhecia ele quando teve de ir trabalhar nas minas da Urgeiriça. Comer uma sardinha no pão e sopas de cavalo cansado todos os dias não era vida… Aí deu cabo dos pulmões, porque a saúde pública era coisa dos livros. Um dia, um médico viu-o à radioscopia e disse: Zé procura outro modo de vida antes que a mina dê cabo de ti.
Então chegou o dia de ir às sortes e embarcar para a Guiné para combater os turras.
Veio de lá desfeito. Nunca tinha visto homens morrerem ao seu lado e nunca tinha morto ninguém. Calor não faltava! Quando deu baixa ao hospital militar, ficou a saber que tinha apanhado a sífilis em Lisboa e as sezões em África. Terminado o seu contributo patriótico ficou de novo sem nada. Casou. A Maria teve cinco filhos, alguns, sabe-se lá como nasceram: um veio atravessado e foi o cabo dos trabalhos. O dinheiro era pouco e resolveu emigrar.
Que frio de rachar! Até os ossos lhe doíam nos bidonvilles de Paris e mais tarde nas montanhas da Suíça.
O Zé regressou com algum dinheiro que angariou lá fora, mais uma pequena pensão. Riu e chorou com o 25 de Abril.
Agora queria descansar e ser tratado com dignidade quando está doente e recorre aos hospitais e sobretudo não queria morrer sozinho num corredor de um hospital.
O Serviço Nacional de Saúde, obra dos profissionais de saúde, conseguiu ganhos em saúde como nunca se tinham atingido em Portugal. Basta comparar indicadores como as taxas de mortalidade infantil (77,5%o em 1960 per 2,9%o em 2013) e o aumento da esperança de vida à nascença que agora se situa ligeiramente abaixo da média da OCDE. Contudo, se considerarmos a esperança de vida saudável, isto é sem doenças crónicas, o país encontra-se muito abaixo da média da OCDE.
A Maria e o Zé não querem morrer sozinhos - os filhos estão todos no estrangeiro - no corredor de um hospital.
Temos obrigação, perante os Zés e Marias deste país, de exigir uma política de Saúde correta, com a implementação de uma estratégia que corresponda às necessidades de toda a nossa população, incluindo o milhão e tal de idosos.
Não é de espantar que os nossos e Zés e Marias, agora com 76 anos, sofram de várias doenças, consequência da vida difícil que levaram.
As leis do mercado não funcionam na Saúde. O Estado tem que intervir, e bastante, se quer cumprir o que ficou inscrito na Constituição.
Onde está a rede domiciliária de apoio? Quem a controla? Onde está a rede de cuidados continuados? Porque se reduziu o número de camas hospitalares? Porque só agora deixam os hospitais contratarem diretamente profissionais de saúde (auxiliares, enfermeiros e médicos)?
E o reforço nas urgências, que poderia ser prestado pelos médicos reformados numa situação de emergência, porque é que só agora se vai legislar?
Este ministro, na sua obsessão de cortes nas despesas e nas medidas de austeridade, que ultrapassaram as exigidas pela TróiKa, como o congelamento de salários e a redução das despesas em horas extraordinárias, é o responsável pelo caos nas urgências deste país que não aguentam uma baixa de temperatura térmica e uma “epidemia de gripe”.

O Zé e a Maria exigem: senhor ministro demita-se !

*Artigo Publicado no Público em Janeiro de 2015

terça-feira, 17 de outubro de 2017

In MEMORIAM II

IN MEMORIAM II


ABÍLIO MENDES NO CONSULTÓRIO DA ANTÓNIO AUGUSTO DE AGUIAR

Na aurora (2)

Na primeira parte deste artigo destaquei a importância do desenvolvimento dos sentidos entre eles o tacto.

Passo a transcrever a continuação da primeira parte do artigo publicado no nº 16 de Julho de 1965 do Boletim do Clube do Pessoal da Companhia Nacional de Electricidade ( CNE) actual EDP.
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"...De todas as expressões da criança que atestam a mais rápida maturidade dos seus sentidos, são, sem dúvida, aquelas que se evidenciam na mão que vêm marcar o mais luzido progresso do Homem de amanhã. Nascendo de mãos abertas num oferecimento da sua solidariedade, executa movimentos síncronos, à esquerda e à direita, testemunhos de um equilíbrio potencial dos hemisférios cerebrais. O espectáculo dos trabalhos de iniciação plástica da criança de hoje auguram provavelmente um progresso futuro das capacidades intelectivas no homem de amanhã. E assim veremos quanta responsabilidade cabe à tarefa educativa da primeira infância. Todos os seus gestos indicam um interesse pelo conhecimento táctil. Mais ou menos rápidos e vibrantes, a principio, tornam-se mais rítmicos e ordenados depois. Cada célula que se acende no cérebro associa-se a outras e muitas outras, impondo as limitações justas.

Cabe a cada Mãe estimular ou suavizar os seus movimentos, ajudando a moderar um impetuoso ou a acelerar um pachorrento.  Um cerebrotónico ou um somatónico têm solicitações pedagógicas adequadas.

Ao fim da fase parasitária, à entrada do 2º trimestre, a criança constata que os movimentos dos dedos são impulsionados por uma vontade que se define. Assim, a visão, o tacto e os primeiros gestos condicionados dos deditos vão estruturar uma primeira noção de relevo. E a pouco e pouco o espaço será delineado em trajectórias percorridas repetidamente, sem descanso, no objectivo de quem conquista o desconhecido. A criança dá-nos deste modo o testemunho do seu alcance visual.

É necessário começar também a aguçar o seu gosto pelos alimentos. Comer à colher os seus alimentos ricos em vegetais, é estimular o desenvolvimento de sistemas auto-reguladores da mastigação, insalivação e deglutição. Tudo será feito com o cuidado de quem ensina a tornar vivo o paladar num saboreio constante das refeições mais variadas, agora. Não será um glutão como não será um insípido. De face esguia e olhar vivo, a criança começa a formar a sua mímica, de molde a abandonar a expressão balofa do menino que mama. A saliva crescente nesta idade será gasta na digestão dos alimentos que permanecem algum tempo na boca. A deglutição far-se-à automaticamente pelas goteiras laterais da faringe e o estômago tomará então uma nova forma, menos deitado e de sístoles mais ritmadas. A forma do ventre do menino e a base do seu tórax dependem muito da maneira como são tomadas as suas refeições e do respeito dos intervalos digestivos.

Começa, portanto, a formar-se a independência da criança e eis-nos chegados às primeiras matinadas.



sábado, 14 de outubro de 2017

Nacionalismos

Ver parte da região catalã em França.  Pirenéus Oriental



Nacionalismos
Habla castellano! Habla Castellano! Habla Castellano ! Popoo! Popoo! Popoo! chamada desligada
Estávamos em casa do Torres, colega do meu irmão Abílio no colégio. Eu devia ter uns dez anos e nunca mais me esqueci.
O Torres era um catalão que vivia no Estoril, como os condes de Barcelona1, mas além desta coincidência (?), era o melhor guarda-redes de andebol do Colégio Infante Sagres. Admirava-o pela sua destreza e os voos espetaculares na defesa à baliza apesar da sua forte constituição, que hoje seria mesmo classificada de obesidade.
Um dos seus entretimentos era irritar as meninas do PBX 2 em Espanha (nos anos 50 todos os telefonemas passavam por telefonistas em centrais telefónicas manuais ) quando  telefonava para a sua avó, em Barcelona, e falava em castelhano.

Franco, o ditador, tinha proibido a língua catalã, falada ou escrita, em toda a Espanha. O fascismo tinha saído vencedor e todo o poder ficou centralizado em Madrid, de tal forma que se chegava ao ridículo de que em qualquer ponto de Espanha os marcos na estrada mostrarem sempre a distância a que ficavam da capital.  

No Natal de 1938, as tropas fascistas iniciam o ataque à Catalunha que termina em fevereiro de 1939, com duzentos mil soldados republicanos feitos prisioneiros. São interrogados, separados, e os presumíveis culpados executados. Os outros,  libertados alguns meses depois, virão a ser os párias do regime. O fim da Catalunha foi o começo do grande êxodo, são trezentos mil a fugir para a fronteira. As tropas franquistas encerram a última fronteira. Os vencidos não podem já escolher o exílio.
A 31 de Dezembro de 1939, Franco proclama: "Do que precisamos é de uma Espanha unida, consciente. É preciso liquidar os ódios e as paixões deixadas pela nossa guerra passada". Não conseguiu, com a repressão, prisão e morte nos trinta e seis anos que reinou em Espanha, tal como antes a República Espanhola também não tinha conseguido.

Juan Negrin 3, presidente do governo da Segunda República, disse em plena guerra civil:"Não estou a fazer a guerra contra Franco para que se reviva em Barcelona um separatismo estúpido e medíocre".
O presidente Azaña 4 também se mostrou profundamente pesaroso com o nacionalismo catalão pelas, segundo ele, "escandalosas provas não solidárias e de indiferença, de hostilidade, de chantagem que a politica catalã destes meses deu à República". Momentos de alta tensão viveu-se entre a coligação republicano-socialista que governava Madrid e a Esquerda Republicana, maioritária na Catalunha.
Indalecio Prieto 5 chegou a afirmar que a atitude da ERC, desde a proclamação da República, constituía " um acto de deslealdade" como nunca tinha conhecido em toda a sua vida política". Mesmo no mais aceso da guerra civil espanhola as relações entre Madrid e Barcelona foram más, como mostra a decisão dos comunistas de considerarem fora da lei o (POUM) Partido Operário de Unificação Marxista e a proclamação por Negrin da ilegalidade desta organização. Durante a clandestinidade a esquerda espanhola e o nacionalismo catalão tentaram melhorar as suas relações. Socialistas e independentistas bascos e catalães aspiravam a criar uma "Comunidade Ibérica das Nações". Sol de pouca dura! Todos os povos de Espanha e Portugal sofreram as ditaduras fascistas.

Os governos pós franquistas também não conseguiram resolver este problema dos separatismos catalães e bascos. Rajoy e o PP são os herdeiros diretos do franquismo e na sua estúpida e brutal reação ao referendo catalão (juridicamente ilegal) conseguiram fazer mais adeptos independentistas do que nos 500 anos de luta da Catalunha pela separação de Espanha.

Como declaração de interesses digo que nada me une a uma ou outra parte.
Sou apenas um cidadão português que tem participado nas lutas políticas desde o início dos anos sessenta e penso que os acontecimentos nesta região irão ter repercussões sobre o nosso país. Alguém já disse que quando a Espanha espirra Portugal estremece…
A discussão nestes últimos dias face aos acontecimentos em Barcelona centra-se nas ideias de nacionalismo, legalidade e democracia.
Nacionalismo - Sempre achei que a esquerda convive mal com nacionalismos e pelo contrário luta pela união dos povos, sempre no respeito pelas diferenças.
A comparação da Catalunha com o nosso país é ridícula. Portugal já era independente séculos antes do domínio dos Filipes e a luta pela independência foi uma necessidade da burguesia em ascensão contra a aristocracia conservadora pró-Castela, além de que durou perto de 28 anos.
A legalidade e a democracia - Não sou jurista, mas todos estão de acordo que o referendo na Catalunha é ilegal segundo as leis espanholas, hoje um estado democrático.
Por um lado uma democracia deve respeitar as suas, leis votadas pelos representantes eleitos pelo povo, mas por outro lado a lei não pode ignorar as maiorias, o que parecia não existir, mas que a resposta brutal do governo Rajoy a transformou.
Face ao choque de dois nacionalismos, o catalão e o espanhol cabe aos espanhóis ultrapassar esta crise. Se necessário rever a Constituição e realizar novas eleições.
Por que é que a parte francesa da Catalunha, hoje Pirenéus ocidental, não pede a separação do estado francês e o seu sentir catalão resume-se a puro folclore?
Julgo que é por que a departamentação em França, decidida em 1790, logo após a revolução francesa, foi uma verdadeira regionalização, ao contrário do que sucedeu em Espanha.
Assistimos à exacerbação de todos os nacionalismos quer do lado catalão como do espanhol. Esperemos que o bom senso oriente os governantes e se encontre uma formula que satisfaça ambas as partes.
Quando não se acredita mais no diálogo para resolver dificuldades comuns, só restam os atos e os tristes exemplos que nos tem dado a História.
________________________
(1) Pretendente ao trono de Espanha e exilado no Estoril durante o franquismo
(2) nos anos 50, as centrais telefónicas eram manuais e todos os telefonemas passavam por telefonistas
(3) . Ocupou o lugar de presidente do governo de Espanha de 1937 a 1939 e de Presidente do Governo da República no exílio até 1945
(4)  Segundo e último Presidente efectivo da Segunda República Espanhola
+++++Socialista e Ministro da Segunda República Espanhola



sábado, 30 de setembro de 2017




Atenção, desliguem o telemóvel!

Duas notícias aparentemente contraditórias apareceram esta semana nos media.
A primeira notícia referia que a venda da pílula contraceptiva, assim como o número de interrupções da gravidez, em Portugal,  tinham-se reduzido  no último ano; a segunda que a natalidade diminui  este ano*, depois de um ligeiro aumento em 2015 e 2016.

Não se pode deixar de considerar esses dados muito preocupantes para o equilíbrio demográfico do país, com todos os problemas económicos que irão acarretar no futuro.
Quando estava na direção do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos fui, juntamente com o Bastonário e colegas dos colégios de especialidade de neonatologia, à Comissão Parlamentar de Saúde alertar os deputados para a gravidade da situação, sem serem ainda conhecidos estes últimos dados estatísticos.

A minha opinião, contrária à de alguns colegas, foi no sentido de que se derem condições económicas aos jovens um novo baby boom poderá surgir, como aconteceu na Europa no pós-Segunda  Guerra. Claro que quando me refiro a condições económicas, não falo de um prémio de 100 euros por nascimento,  nem à oferta de fraldas e outros produtos .
No entanto, hoje penso que talvez tenha sido radical esta minha afirmação; mas estávamos em plena crise da troika.

Como médico, creio nos trabalhos científicos que apontam como causa uma diminuição de espermatozoides no homem que vive nos países mais industrializados.
Milhares de trabalhos científicos aparecem diariamente na net focando este e outros problemas e o difícil é fazer a sua triagem.

Para vossa alerta e informação vou falar-vos de um estudo norte-americano, publicado em 2014, no Central European Journal of Urology.
Esse estudo mostrou, entre outras coisas, que os homens que guardam muito tempo o telemóvel nos bolsos ou nas mãos têm problemas de ereção.
A investigação debruçou-se sobre num universo de 30 indivíduos do sexo masculino, 20 dos quais já tinham tido problemas de ereção nos últimos seis meses e os outros 10 nunca tinham tido.
Nos dois grupos, a idade, peso, altura, hábitos tabágicos e níveis de testosterona eram semelhantes. Os que tinham disfunção eréctil deixavam o telemóvel ligado (luz acesa) no bolso, em média quatro horas por dia, e os outros menos de duas horas.
Este estudo mostra que o tempo total de exposição ao telemóvel é mais importante que uma duração curta da exposição intensa durante a chamada telefónica
.
Não custa nada desliguem o telemóvel!
   
*Nascem menos 5 bebés por dia.


segunda-feira, 25 de setembro de 2017


IN MEMORIAM  Abílio Mendes

O meu pai Abílio Mendes foi sem dúvida um pediatra e um pedagogo muito à frente do seu tempo
.
O fascismo conseguiu impedi-lo de trabalhar nos hospitais públicos e em todos eles - Santa Marta, Dona Estefânia e Santa Maria - exerceu sempre, sem remuneração, a sua profissão como assistente voluntário.

A sua vocação de pedagogo concretizou no consultório e nas consultas da Companhia Nacional de Electricidade, mais tarde EDP. Como gostava de dizer, quando não aceitou o lugar de deputado, pelo Partido Socialista,  para a Assembleia Constituinte,:- "propago melhor o ideal socialista, ensinando aos  pais das crianças puericultura e pediatria".

Abílio Mendes foi essencialmente um pedagogo e um precursor da nova pediatria dando especial importância ao desenvolvimento da criança, ensinando as mães, " a primeira pedagoga do mundo social",como era hábito dizer, a educar os seus filhos num ambiente afectivo.

Lembro-me que dizia aos pais que não estivessem preocupados com o aumento de peso dos filhos, como ainda hoje assistimos num autentico ranking de percentis, mas sim com o desenvolvimento cognitivo. Vale mais educar que engordar!

Muitas das suas ideias são hoje confirmadas pelo estudos das neuro ciências.

Vejamos a importância que dava ao tacto, quando escrevia no boletim da EDP,do natal de 1964 :- "..os dedos vão iniciar o registo de impressões através dos lábios, ....Prender as mãos que se lambuzam freneticamente é amputar temporariamente os membros e amputar nunca! Estas mãozinhas  que guardam na polpa dos dedos impressões multiformes nunca seriam castigadas pelos seus progenitores ou pelos carrascos sem que o homem sentisse a mais infamante culpa: mutilar a fonte de energia mais prodigiosa. Essas mãos, tornadas adultas, traduzirão do cérebro humano a espiritualização maravilhosa da matéria. De Fideas a Miguel Ângelo, de Bach a Beethoven, de Copérnico a Einstein, o mundo contempla a mais prodigiosa obra da mão que nasceu vazia com a consciência do Ser na aurora da Vida."

Contrariava o hábito de calçarem luvas aos bebes para não se arranharem na cara e de segurarem as mãos durante as refeições para não sujarem a mesa.

Recentes descobertas em neuro-pediatria afirmam que nos devemos fixar sobre o jogo de mãos do recém-nascido em vez da cara e do olhar. Os investigadores concluíram quando observaram o comportamento de crianças cegas em que os pais sofriam por não poderem comunicar. Os cientistas incitaram os pais a lerem nas mãos e não no facies do seu filho.Os sinais de interesse que esperávamos encontrar nos olhos estão presentes e lisiveis quando dissociamos os olhos das mãos.
A tendência é fixar-se  na face e olhar dos bebés




No centro clínico da EDP com a enfermeira Edite Cardoso Pires

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Breves 2


Esta foi uma semana de assinaturas.


Já está!! Após inúmeras reuniões a AMPDS- Associação Médica Pelo Direito à Saúde já tem reconhecimento jurídico.

Agora vamos ao trabalho. Esta associação tem como um dos objectivos promover debates e acções na defesa do direito constitucional à saúde.

O direito à saúde para todos os cidadãos passa inevitavelmente pela defesa do Serviço Nacional de Saúde Constitucional universal e gratuito.


Breves


Festa do Livro em Belém dia 21 de Setembro de 2017

É o segundo ano em que se realiza esta iniciativa da Presidência da República - Festa do Livro nos Jardins de Belém-
A cultura entra no palácio não só com a música, a pintura e a escultura mas também com os livros.
Fui apresentar o meu livro CORRESPONDÊNCIA DE ABÍLIO MENDES COM ABEL SALAZAR
Troca epistolar entre o jovem Abílio e o seu Mestre Abel Salazar.

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Morrer e Renascer em Guernica

Foto da parede do meu escritório

MORRER E RENASCER EM GUERNICA

«Decidi acabar rapidamente com a guerra no Norte: os que entregarem as armas terão a vida salva e os seus bens serão salvaguardados. Mas, se a submissão não for imediata, arrasarei toda a Biscaia»
   General Mola




No verão de 1967, estava a Teresa gravidíssima do nosso filho mais velho Carlos Miguel, visitei Praga integrado numa delegação de estudantes portugueses a viver no estrangeiro.

A reunião ia realizar-se em Varsóvia sob os auspícios da União Internacional de Estudantes. Na capital da Polónia reencontraram-se estudantes portugueses no exílio vindos de muitos países: França, Bélgica, Suíça, Itália, Alemanha, Checoslováquia, Hungria, Jugoslávia, Roménia, Polónia, URSS.

Em Praga, além das lembranças obrigatórias para a futura mãe e o bebé que ia nascer, comprei uma cópia da Guernica que ainda hoje, passados 50 anos, se exibe numa parede de minha casa.

Faz 90 anos que Pablo Picasso mostrou esta gigantesca obra de arte na Exposição Universal de Paris (25/5 a 25/11 de 1937).

Meses antes, precisamente na segunda-feira, 26 de Abril de 1937, dia de mercado, a população desta pequena vila basca, com cerca de sete mil habitantes, estava na rua aproveitando os primeiros raios de sol que anunciavam o início da primavera. Em seguida, às cinco da tarde os sinos tocam a rebate e cinco minutos depois….
a legião Condor, elite da Luftwaffe, menina dos olhos de Goering, experimenta um novo método, chamado "tapete de bombas", os aviões eram "Heinkel 111" e "Junker 52".

O bombardeamento durou três horas. As vagas sucediam-se com precisão de vinte em vinte minutos. Todo o centro desta cidade santa* chamada Guernica foi destruído. Mil seiscentos e cinquenta e quatro mortos, oitocentos e nove feridos.

O general alemão Galland, comandante da esquadrilha alemã, dirá mais tarde: «Guernica não era um objectivo militar, foi um lamentável erro». Hoje diria um dano colateral.

A Europa assiste, de balcão em Hendaye, à destruição da República Espanhola, perante a passividade da França, Inglaterra e dos Estados Unidos, apenas a União Soviética trabalha para a derrota do fascismo.
A política de não-intervenção permitiu a vitória do fascismo em Espanha e o reforço belicista da Alemanha e da Itália.

Perante este horror, Pablo Picasso, a viver em Paris, aceita o pedido do governo espanhol de participar na Exposição  Universal de Paris. A decisão estava tomada: seria Guernica. O quadro fará depois a volta por todos os museus do mundo a fim de financiar os republicanos espanhóis. Foi seu desejo que o quadro só seria exposto em Espanha depois do regresso da Democracia. E assim foi.

A força desta obra de um génio da pintura fez com que a guerra não tenha sido esquecida nem a besta nazi-fascista.

Fez com que a verdade tenha vencido mesmo em Espanha e  no Portugal fascistas que intoxicavam o povo com a mentira de que Guernica tinha sido incendiada pelos combatentes bascos e os vermelhos.

Esta campanha durou até aos anos 70, do seculo XX.

Só em 1975, a Alemanha reconhece oficialmente que Guernica tinha sido bombardeada pela aviação alemã. Em 27 de Março de 1997, o então Presidente da República Federal Alemã, Herzog, convidado pelo centro "Gernika Gogoratuz", entrega uma declaração formal assumindo aquele passado.

Símbolo do massacre de populações civis, Guernica não deve ser esquecida. Infelizmente a memória dos homens é curta e estes massacres repercutiram-se no Vietnam e perduram noutros conflitos, como atualmente no Médio Oriente. 

*Cidade santa. Ao longo dos séculos, os reis de Espanha vinham, uma vez por ano, diante do velho carvalho de Guernica (haritz em basco), prestar juramento de respeitar as liberdades dos bascos. Sob o carvalho de Guernica-a-Santa, os anciãos vinham fazer justiça.

Fontes: Marianne, Expresso, Morrer em Madrid

A saúde e o mercado


A saúde e o mercado

Nunca houve tanta preocupação, nem tanta informação, com os alimentos que ingerimos como neste século, mas espantosamente a epidemia da obesidade aumenta em todo o mundo dito desenvolvido.
Claro que as grandes empresas capitalistas aproveitam-se desta justa preocupação para vender os seus produtos, denegrir outros numa concorrência desleal.
Multiplicam-se as dietas "saudáveis " : Sem sal, sem gordura, sem açúcar, sem leite, sem alcool, sem chocolate".
 Vegetarianas com peixe ou sem peixe, com ovos ou sem ovos.
Pululam artigos científicos e pseudo-cientificos, a maioria das vezes a negar aquilo que julgávamos certo. "O chocolate faz bem se for negro, o café combate o Alzheimer, a gordura é necessária, um copo de bom vinho aquece o coração, a água deve ser alcalina, etc..etc..
 Publicitam-se na TV remédios milagrosos para emagrecer e os pobres dos obesos continuam cada vez mais obesos.
Isto vem a propósito de um possível incidente diplomático entre a Itália e a Inglaterra a propósito do prosecco.
Passo a publicidade, mas até há um mês não sabia o que era esta bebida italiana produzida em Veneza. Foi na festa do primeiro aniversário do Matteo que o seu pai ofereceu gentilmente a todos os convidados, adultos bem entendido, uma pequena garrafa de prosecco.
Se na pátria lusa esta bebida não é conhecida já não se passa o mesmo do outro lado do canal da mancha. Parece que um terço da produção de tal néctar é consumido por este povo. Um aviso foi dado pelos responsáveis britânicos pela saúde dentária dos seus compatriotas.
Médicos dentistas socorreram-se da imprensa generalista para alertar que esta bebida tão apreciada pelos súbditos de sua majestade  tinha o risco sério devido à sua acidez, gaseificação  e o seu teor elevado em açúcar na presença do álcool formarem um cocktail nocivo para os dentes. Claro que os jornais apelidaram os consumidores da bebida de um "prosecco smile" pouco sedutor.
A Itália não gostou que lhe estragassem o negócio do espumante veneziano. Responsáveis políticos convidaram a imprensa inglesa a abster-se de tais comentários. Luca Zaia, presidente da região de Veneza, troçou : " A ideia segundo a qual o prosecco tira o sorriso faz me rir"
Os dentistas britânicos ficaram em maus lençóis pois ignoraram a preocupação manifestada há um ano por Boris Johnson antes da votação do Brexit que a Itália não poderia recusar abrir o mercado à Inglaterra com medo de não poder vender o seu prosecco.
Os dentistas sem arrepiarem caminho vieram dizer que era apenas um aviso para o perigo do excesso dessa bebida assim como a soda e outras bebidas gasosas.   


domingo, 6 de agosto de 2017

Pais poderão acompanhar os filhos no Bloco Operatório


Pais poderão acompanhar os filhos no Bloco Operatório
…Mas as crianças, Senhor, porque lhes dás tanta dor?! …
Augusto Gil. Balada da Neve

Despacho n.º 6668/2017, publicado no DR nº 148/2017, serie II de 2017-08-02, ao permitir aos pais acompanharem  os filhos, na indução anestésica e durante o recobro,  veio legalizar aquilo que já se praticava há muitos anos nos serviços de cirurgia pediátrica em Portugal, como na maioria dos países desenvolvidos.
Quando iniciei a minha carreira cirúrgica, nos anos setenta, a entrada das crianças no bloco operatório e mesmo nas salas de tratamento era um verdadeiro drama. Arrancavam-se as crianças ao colo das mães eram anestesiadas aos gritos em choro convulsivo e todas elas acordavam também aos gritos.
Apesar de já existirem nos hospitais comissões de humanização que nada opinavam, eram quase sempre constituídas por médicos e enfermeiras de adultos.
Os direitos da criança hospitalizada e dos pais foi uma conquista alcançada como quase  todas com oposição de grande parte da classe médica e de enfermagem.
Estou a falar dos anos logo a seguir ao 25 de Abril de 1974.
Lembro-me da resistência que houve da parte de enfermeiras chefes em permitirem aos pais da criança doente permanecerem durante a noite nas enfermarias. Foi uma luta que os Pediatras juntamente com os pais das crianças ganharam*
Contudo, conseguir o acompanhamento dos pais até ao bloco operatório foi mais longo e difícil.
Deve-se aos cirurgiões e anestesistas pediatras, os pais poderem ir até ao momento da indução anestésica e ficarem depois no recobro quando a criança acorda.
Foi assim em todos os estabelecimentos de saúde onde trabalhei, depois dos mais velhos se terem aposentado ou convencido.
Foi prática no Hospital de Santa Maria, no IPOFGL e no Hospital Inglês.  Nunca houve nenhuma infecção hospitalar  e o mau comportamento dos pais foi excepção. Aqui tenho de fazer justiça às enfermeir@s que rapidamente aderiram ao novo procedimento tendo sido uma ajuda preciosa.
Segundo as últimas noticias que vi na comunicação social, hoje este procedimento  é norma em todos os serviços de cirurgia pediátrica do país e julgo saber também nos serviços de Otorrinolaringologia.
É evidente, que compete às direcções de serviços arranjarem condições para esclarecerem os pais e as crianças através de sessões explicativas de preferência na véspera seguidas de visita à enfermaria e ao bloco. Aliás, vem expresso no preambulo do despacho:

a)- A formação do pai ou da mãe ou de pessoa que os substitua, através de consultas pré-operatórias a realizar por parte da equipa de saúde, que podem incluir visitas pré-operatórias e vídeos informativos, no caso das intervenções cirúrgicas programadas;

b) A existência de local próprio onde o pai ou a mãe ou pessoa que o substitua possa trocar de roupa e depositar os seus pertences;
c) A prestação adequada de formação sobre o cumprimento de todas as regras relativas ao equipamento de proteção individual e de higiene inerentes à presença em bloco operatório e unidade de recobro;
d) A definição de um circuito em que o pai ou a mãe ou pessoa que o substitua possa movimentar-se, sem colocar em causa a privacidade de outras crianças ou jovens e seus familiares, nem o funcionamento normal do serviço.

Curiosamente foi devido as estes pressupostos que no Hospital de Santa Maria, a Cirurgia Pediátrica, conseguiu não ficar com salas operatórias nas obras realizadas do novo bloco cirúrgico ambulatório, exatamente por não terem sido previstas as determinações citadas  nas alíneas  b e c
Esperemos que no novo hospital a construir em Chelas/ Marvila se cumpra na integra o estipulado na carta do direito da criança hospitalizada**
Há cerca de 20 anos que se iniciou este caminho, por isso espanta-me a atitude de certos médicos, não querendo acreditar que seja a do colégio de anestesiologia da Ordem dos Médicos, que estão contra este despacho.
São estas atitudes que vão de encontra a chalaça que os hospitais são um sítio agradável mas sem os doentes.

* Os médicos norte americanos e europeus vieram do Vietnam impressionados positivamente pela atitude das vietnamitas a não se deixarem separar dos filhos doentes e do seu comportamento nas enfermarias que auxiliavam em muito as poucas enfermeiras existentes. Os exemplos vem de onde menos se espera.

** Carta aprovada por várias associações em 1988, em Leiden.

sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Les Feuilles Mortes_Yves Montand à l´Olympia





Grande cantor e linda canção com versos de Jacques Prévert.

segunda-feira, 31 de julho de 2017

4ª e última parte



A Despedida de Jerónimo



Jerónimo era uma figura querida e conhecida em Ouchy, atrevo-me mesmo a dizer em toda a cidade. Tinha conquistado o coração de toda a comuna de Ouchy, desde os empregados e donos dos inúmeros restaurantes como da própria polícia que, como referi no capítulo anterior, exibia por detrás do balcão um enorme falo representante da nossa louça popular das Caldas.
Um dia aziago, estava eu a estagiar no Hospital Cantonal, no serviço de neurocirurgia do Professor Eric Zander ( 1918-1982), quando entrou o nosso amigo com o diagnóstico de tumor cerebral.
O Professor Zander começava a sua visita à enfermaria às 7 horas, não tivesse ele o posto de tenente coronel do exército suíço. Os seus assistentes chamavam à visita o içar da bandeira.
Para quem não sabe, abro aqui um parêntesis: os suíços cumprem o serviço militar obrigatório  até aos 45 anos, normalmente durante 3 semanas ou mais conforme o tirocínio para  oficiais.
Quase todos os meus professores eram de altas patentes, nunca abaixo de coronel.
Imaginem o meu espanto quando numa sexta-feira vi muitos colegas meus fardados e a guardar as espingardas metralhadoras nos respetivos cacifos.

Mas voltemos ao Jerónimo, foi-lhe diagnosticado um tumor cerebral, ainda na época pré TAC,
localizava-se no lobo frontal  e para os médicos suíços, com o seu pragmatismo, a personalidade desinibida do meu amigo era já um sintoma da sua doença. Nunca acreditei nesta causa-efeito.

A sua alegria de viver e o seu caracter desinibido em nada tinham a ver com a presença de um tumor. O Jerónimo era assim.
Uma vez, mostrou-me um verdadeiro dicionário fonético francês- português que ele ia escrevendo conforme ouvia uma nova palavra. Era uma maravilha e ainda hoje arrependo-me de não ter ficado com uma fotocópia.

Após ser operado e extraído o tumor convidou toda a equipa da neurocirurgia para uma almoçarada em Ouchy. Quando chegámos ao lago e nos aproximámos do seu lugar de aluguer de barcos um cheiro muito meu conhecido, mas desconhecido para os suíços, exalava a quilómetros de distância. O Jerónimo tinha presenteado os suíços com umas ótimas sardinhas assadas.

Durante o almoço, várias foram as excursões de nativos curiosos com aquele odor de um novo perfume que inundava o passeio à beira lago.



Ainda viveu o 25 de Abril de 1974, mas com o meu regresso a Portugal nunca mais vi o Jerónimo. Anos mais tarde fui a Lausana e já não existiam os barcos de recreio Mendes-Rouge e, provavelmente, o das Caldas estará guardado na casa do chefe da polícia aposentado.
Ficam as memórias desse tempo….





















RACE DE CHAUVINS


Ontem fiz uma saída pelo centro da cidade e foi impressionante o número de turistas franceses que encontrei. Parece que no Porto e no Algarve sucede o mesmo.

Assistimos à 4ª invasão, depois das três incursões das tropas napoleónicas, mas em vez dos jovens soldados e oficiais que por cá ficaram e certamente uniram-se em matrimónio a muitas portuguesas,* hoje somos invadidos por sexagenários e neo-precários.

Estas considerações vêm a propósito de um longo artigo publicado na revista Marianne**.
Depois de muitas apreciações sobre o nosso país e características do nosso povo, sob o sub-título "Le Portugais est beau", a revista escreve, com espanto e admiração, que as portuguesas estão mais bonitas.
Não sei o que se passou? Será da alimentação ou da descoberta do depilador elétrico?, diz a jornalista e continua, até já têm uma top model, a Sara Sampaio.
Este é o perigo das generalizações e dos preconceitos. A imagem das portuguesas para os franceses, é das emigrantes dos anos sessenta com estatura mediana baixa, peitos grandes, ancas largas e bigode. Race de Chauvin!!

Claro que perante estas considerações, apetece-me também generalizar e concluir que os franceses não se lavam, por isso desenvolveram a indústria dos perfumes. Nos idos anos sessenta, mais de 60% das habitações em Paris não tinham casa de banho e muitos dos portugueses exilados, oriundos de famílias da burguesia, frequentavam os banhos públicos.

Quem escreve este artigo desconhece, certamente, a beleza das portuguesas descritas por Oscar Wilde que afirmava nunca ter visto olhos tão grandes e húmidos, contrastando, com o olhar baço das britânicas. Nem sequer do nosso Eça quando comenta que a francesa mais bonita de Paris era oriunda de Marco de Canavezes e a paixão de Mariana Alcoforado e do oficial francês Noel Bouton de Chamilly, conde de Saint Léger. ***

Ou também o que escreveu Augusto Walhelen, numa obra acerca dos usos e costumes dos povos: "a bela carnação das portuguesas, os seus grandes olhos negros, os seus dentes brancos e bem alinhados, os seus longos cabelos de ébano e a sua amável vivacidade colocá-las-iam na linha das europeias mais sedutoras, se à graça das francesas unissem a pequenez do pé espanhol”.

O Grande Dicionário Universal do Século XIX, que começou a publicar-se em França em 1866, coloca as mulheres de Guimarães como as mais belas de Portugal: "A cidade de Guimarães está povoada de encantadoras portuguesas, notáveis pela beleza do colo e pela energia das suas paixões amorosas”. E acrescenta: "As inglesas e quase todas as alemãs são frias ou indiferentes ao amor; as portuguesas, as italianas e as espanholas são mais susceptíveis de o sentir que as francesas”.****


*Dizem dever-se ao cruzamento com os franceses a pronúncia dos setubalenses carregando nos rr
** Portugal, la belle vie low cost. (nº 1061, pgs 74,75,76,77)

*** Cartas de amor de uma freira portuguesa
****http://umaszona.blogspot.pt/2007/02/as-portuguesas-vistas-por-estrangeiros.html

quinta-feira, 27 de julho de 2017

Lago de Ouchy




As Vacanças

(Termo que ainda hoje é patognomónico dos emigrantes portugueses em terras francófonas)

A explicação do uso do termo vacanças deve-se a que a grande maioria, se não a totalidade, dos nossos emigrantes nos anos sessenta e setenta, nunca tinha tido férias, e pela primeira vez gozavam o direito a vacances nos países que os acolheram.
Além disso "a féria", para eles, estava associada ao pagamento do trabalho executado. " Hoje recebemos a féria", dizia-se.

Voltemos ao nosso Jerónimo. Mesmo depois de ter o negócio em Ouchy a funcionar em pleno, bem visível na enorme tabuleta, à beira do lago, com os dizeres: "Mendes-Rouge  bateaux et pédalo ", Jerónimo trabalhou muitos anos sem nunca ter ido a Portugal.
O apelido do Jerónimo era Mendes, talvez ainda fossemos primos, pois da Maia a Matosinhos a distância é muito pequena.

Passado algum tempo, Monsieur Mendes et Madame Rouge meteram-se no seu carro e foram a caminho para Portugal. Resolveram atravessar o país de Norte a Sul, com algumas paragens obrigatórias. Uma delas foi nas Caldas, onde compraram um enorme falo, que julgo ainda permanecer na esquadra da polícia marítima de Ouchy, oferta do Jerónimo.
A outra paragem foi no Algarve, onde o nosso amigo resolveu parar numa pastelaria em Vila Real de Santo António e pedir para si e para a sua querida uma torrada.
Não conheço nenhum país que faça torradas como em Portugal, para os lados de França e da Suíça chamam-se toast, mas qualquer semelhança é pura coincidência.
Qual foi o espanto do casal quando viu chegar à mesa seis pratos de torradas. Jerónimo tinha visto em outro lugar uma torrada com seis fatias, como se faz no pão de forma, e por isso tinha pedido seis torradas! Os algarvios malandrecos quiseram gozar com o emigrante "ignorante", mas este deu uma enorme gargalhada e convidou todos os empregados, e provavelmente o patrão, a comerem com eles as seis torradas, oferecendo também os galões.

Este episódio que ele contou ao chegar à Suíça depois das férias, mostrou a lhaneza deste emigrante e a razão por que gostávamos dele e nos riamos com ele.

Continua…


sexta-feira, 21 de julho de 2017

Segunda Parte

OUCHY


Jerónimo instalou-se na zona mais aprazível da cidade de Lausanne, no pequeno porto à beira do lago Leman. Este é um dos maiores lagos suíços que faz fronteira com a França, com as suas estações balneárias de renome, Thonon e Évian-les-Bains, situadas na região da Alta Saboia, território que pertenceu ao governo de Vichy durante a segunda Guerra Mundial.
Muitos foram os resistentes franceses (1940-1945) que passaram por lá e mais tarde, durante a guerra da Argélia (1956-1962), muitos patriotas atravessaram a região fugindo das perseguições policiais.

Em dias de neblina, com as águas do lago agitadas e com a costa francesa escondida pelo nevoeiro, fazia recordar, aos mais nostálgicos, o Atlântico da nossa costa
.
Quando o nosso amigo chegou a este lugar, onde a beleza da natureza está em todo o seu esplendor, havia apenas alguns barcos a pedais para recreio durante o Verão. No Inverno, com a agitação das águas do lago, o porto de recreio estava sempre fechado.

Jerónimo não poderia ficar parado muito tempo. Assim, começou a fabricar redes de pesca como tinha visto fazer, em miúdo, aos pescadores da sua terra natal, e também barcos, como um verdadeiro armador. Garantiu-me que nunca tinha sido pescador, nem armador.
Guardava os materiais num pequeno barracão junto ao lago, propriedade de um velho suíço de quem se tornou amigo.

Jerónimo tornou-se no pioneiro da pesca do lago, prendendo la perche* nas suas redes, que vendia aos restaurantes da zona e que era muito apreciada, acompanhada por um Fendant** fresquinho.

Passado algum tempo, Jerónimo casou com a filha do velho suíço, a Madame Rouge. Certamente um casamento de amor. Presenciei muitas vezes as carícias apaixonadas que trocavam, com a Madame Rouge a chamar-lhe mon querridô e ele a responder mon petit choux.

Todo o casamento é um contrato social e neste ninguém ficou lesado, pois o meu amigo expandiu o negócio construindo mais barcos de recreio e continuando com a pesca mesmo durante o mau tempo.

* A perca é um peixe de água doce, muito saboroso.
**Vinho branco

quinta-feira, 20 de julho de 2017

Contos da Emigração




Contos da Emigração
Primeira Parte
(escrita em género de novela…)

O Jerónimo, conheci-o em Lausanne e rapidamente ficámos amigos.
Oriundo de Matosinhos saiu a salto de Portugal, ainda muito novo, atravessou a nado o rio Minho e a pé os Pirenéus, onde muitos portugueses se perderam abandonados pelos passadores.
Pouco tempo ficou em Paris, onde a vida nos bidonvilles não lhe agradou.
Chegou a Lausanne no início dos anos sessenta. Como? Não sei, nunca lhe perguntei, nem ele me contou.
Quando precisei de um carpinteiro, indicaram-me o Jerónimo. Estava inscrito no consulado com esta profissão.
A representação de Portugal em Lausanne era feita, à época, por um cônsul honorário de nacionalidade suíça e durante alguns anos muitos portugueses fugidos do país obtinham aí passaporte, alegando que lhe tinham roubado os papéis.
Jerónimo era forte, moreno e de estatura mediana, alegre e folgazão, e guardava uma pronúncia forte do norte.
Como muitos emigrantes, fugiu da fome que grassava em Portugal, sem nenhuma preparação profissional ou instrução. Jerónimo era analfabeto.
Mas tinha aquela característica do povo português, referida por muitos filósofos e pensadores, o desenrascanço*.
Lembro-me do nosso primeiro contacto. Telefonei-lhe (era o tempo dos telefones fixos. Telefonávamos para Portugal de cabines públicas, onde segurávamos uma moeda com uma pastilha elástica e um fio longo e assim que atendiam do outro lado puxávamos a moeda. Mais um desenrascanço…) e perguntei-lhe onde queria que nos encontrássemos e como o iria conhecer. Ele respondeu prontamente: "Na estação de metro*, em Ouchy, e estarei com uma mama de fora". Claro que mal desci na estação reconheci-o imediatamente, não precisou de mostrar um peito fora da camisa. Era facílimo identificar aquele português brincalhão no meio dos sorumbáticos suíços.
*dicionário Priberam: Capacidade de solucionar problemas ou resolver dificuldades rapidamente e sem grandes meios
** em 1965, o metro em Lausanne era um transporte de superfície que só tinha uma linha que ligava a praça central da cidade, Saint François, ao lago do Leman. Os habitantes da cidade chamavam-lhe Ficelle (o fio).
(Continua  ...)
.


sexta-feira, 14 de julho de 2017






Carta Aberta ao Primeiro-Ministro António Costa

A razão de os signatários se dirigirem directamente ao Primeiro-Ministro decorre da análise que fazem da actual situação no sector da saúde, a qual, quase a meio do mandato do governo, permanece sem sinais de mudança que alterem a natureza do modelo de política de saúde, promovendo a saúde dos portugueses e reabilitando e requalificando o Serviço Nacional de Saúde.
As várias greves dos profissionais de saúde – médicos, enfermeiros, técnicos de diagnóstico -, em que se verificou tanto uma grande adesão desses profissionais como uma considerável compreensão por parte da população, representam sinais que devem ser entendidos e interpretados como manifestações críticas da situação que se está a viver no sector.
O diagnóstico que melhor caracteriza a saúde da população é dado pelos seguintes indicadores-chave. (1) com 70% de esperança de vida saudável, os portugueses tinham o mais baixo valor dos países do sul da Europa – Espanha, França, Itália e Grécia; (2) com 32% de esperança de vida saudável aos 65 anos, os portugueses ficam bastante aquém dos valores daqueles países; (3) no grupo etário 16-64 anos só 58% da população considerava que a sua saúde era boa ou muito boa, quando na Grécia ou em Espanha é superior a 80%; (4) no grupo com mais de 64 anos aquela percepção é de 12%, sendo em Espanha e França superior a 40%; (5) mais de 50% da população tem excesso de peso; (6) em 2016 verificou-se o maior excesso de mortalidade da década, correspondente a 4 632 óbitos.

Nos setenta e sete hospitais da rede pública, cerca de 800 000 utentes aguardam com excesso de espera uma primeira consulta hospitalar, correspondendo a 30% das primeiras consultas realizadas em 2016. Esse excesso varia entre 2 -> 800 dias. Mais de oitocentos mil portugueses não têm médico de família atribuído. Entre 2014 e 2016 verificou-se um aumento de 529 000 urgências. Em seis anos (2009-2015) a despesa pública da saúde diminuiu quase dois mil e quinhentos milhões de euros, tendo passado de 6,9% para 5,8% do PIB.

Esta situação é já bastante preocupante. Continua a insistir-se num modelo de política de saúde exclusivamente orientado para o tratamento da doença e centrado nas instituições de saúde. Quando a regra é ser-se saudável e a excepção é estar-se doente, a quase totalidade dos recursos são canalizados para a excepção, embora a promoção e a protecção da saúde sejam as condições que mais contribuem para melhorar o bem-estar das pessoas e das comunidades, e a estratégia que torna os sistemas de saúde sustentáveis.

Mas mesmo quando se trata da prestação de cuidados na doença, o acesso mantém-se como o maior obstáculo aos serviços de saúde no momento em que são necessários, com as consequências daí decorrentes para a saúde dos doentes. Os tempos de espera inadmissíveis são disso a melhor evidência e a afluências às urgências o pior sintoma da disfunção que reina no sector.

O sistema público de saúde carece do financiamento ajustado à sua missão: promover a saúde, prevenir e tratar a doença. Sem essa condição não só o SNS vê reduzido um dos seus principais valores, a cobertura universal, como as respostas que vai dando são canalizadas quase exclusivamente, e já em condições precárias, para o tratamento da doença.

Os signatários desta Carta têm uma longa história de serviço público no Serviço Nacional de Saúde. A maior parte deles contribuiu para que ele se implantasse nos primeiros anos da sua criação, foram seus profissionais desde então e bateram-se por diversas vezes contra os ataques que lhe foram movidos. Não estão, por isso, dispostos a assistirem ao seu progressivo definhamento. Se, como é defendido, o SNS representa um dos mais relevantes serviços que a democracia tem prestado aos portugueses, então há que proceder á mudança que se impõe da política de saúde. Passados 38 anos da sua criação, o SNS não pode ficar imóvel e alheio aos desafios que lhe são colocados. Nesta exigência estamos acompanhados pelos mais prestigiadas autoridades na matéria, como Ilona Kickbusch, David Gleicher e Hans Kluge da OMS, Nigel Crisp, coordenador da Plataforma Gulbenkian Health in Portugal e Tonio Borg, comissário da UE para a saúde

Por isso nos dirigimos a si, senhor Primeiro-Ministro, na expectativa de que seja sensível a esta necessidade inadiável e tome as decisões que a situação descrita exige. Entendemos e reconhecemos que as medidas a tomar, dada a sua natureza, não produzem efeitos imediatos. É no médio e longo prazo que os resultados se tornam demonstrativos da razão que assiste às soluções para as quais estamos disponíveis a dar o nosso contributo. Mas é imperativo que se comece já.

Lisboa,

Aguinaldo Cabral, Alberto Mendonça Neves, Almerindo Rego (Presidente do Sindicato dos Técnicos Superiores de Diagnóstico e Terapêutica), Ana Abel, Anita Vilar, António Manuel Faria-Vaz, Armando Brito de Sá, Augusto Goulão, Carlos Leça da Veiga, Carlos Vasconcelos, Cipriano Justo, Deolinda Barata, Fernando Gomes (ex-Presidente do Conselho Regional do Centro da Ordem dos Médicos), Francisco Crespo, Francisco Paiva, Guadalupe Simões (Vice-Presidente do Sindicatos dos Enfermeiros), Henrique Delgado Martins, Isabel do Carmo,  Jaime Correia de Sousa, Jaime Mendes (ex-Presidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos), João Álvaro Correia da Cunha, João Cravino,  João Proença, Jorge Espírito Santo, Jorge Seabra, José Aranda da Silva (ex-Bastonário da Ordem dos Farmacêuticos), José Carlos Martins (Presidente do Sindicato dos Enfermeiros), José Frade, José Manuel Boavida, Manuel Sá Marques (1º Presidente do Sindicato Médico da Zona Sul),  Maria Augusta de Sousa (ex-Bastonária da Ordem dos Enfermeiros), Maria Gorete Pereira, Maria João Andrade, Maria Manuel Deveza, Mariana Neto, Mário Jorge Neves (Presidente da Federação Nacional dos Médicos), Nídia Zózimo, Paulo Fidalgo, Patrícia Alves, Pedro Miguéis, Rui de Oliveira ( ex-Presidente do Conselho Regional do Sul), Sérgio Esperança (ex-Presidente do Sindicato dos Médicos da Zona Centro), Sofia Crisóstomo, Teresa Gago