domingo, 21 de março de 2010

TERRAMOTO

HAITI




Faculdade de Medicina, Lausana, Suíça, verão de 1967, exame de Histologia e Embriologia: “ Entrez Monsieur Mendes, vous êtes portugais n’est ce pas? Dizia M.Bucher, o Professor da disciplina, com o seu típico sotaque suíço alemão. Depois prosseguiu: - No seu país o Ditador é médico, não é? Ah é verdade é formado em Direito, médico é o do país do senhor que o precedeu no exame.

Era o Jean Paul, estudante haitiano, e o Ditador a que o Professor se referia era o não menos sanguinário Papa Doc, François Duvalier, fantoche dos Estados Unidos que governava a ilha desde 1957 e que na década de sessenta exterminou toda a oposição e tornou-se tristemente célebre pelos famosos tontons macoutes (bichos papões) que espalhavam o terror em toda a ilha.

No meu curso, havia três estudantes do Haiti, dois rapazes e uma rapariga, e foi depois deste exame que os conheci melhor. Tínhamos em comum ser oriundos de dois países com ditadores, um com o curso de Medicina e outro com o curso de Direito, mas bem distantes, um nas Caraíbas e outro na Europa.

A história deste país nem sempre foi de desgraças, o Haiti que actualmente, ocupa parte da ilha de São Domingos, a primeira ilha da América onde atracou Cristóvão Colombo na sua viagem ao serviço dos Reis Católicos, regista tempos heróicos no sec. XIX, quando se torna a primeira república negra do Mundo.

País de escravos negros revolta-se em 1803 contra a França, potência colonial, e derrota as tropas de Napoleão Bonaparte ocupadas em guerras na Europa, esta humilhação custou-lhe cara, apesar disso, o Congresso de Viena, em 1815, formaliza a derrota da França e determina a extinção do tráfico de escravos, embora limitada a norte do Equador.

A Espanha invade a ilha em 1871, como consequência esta fica dividida em dois países: o Haiti e a actual República Dominicana. A Inglaterra apodera-se deste estado em 1877, por sua vez os Estados Unidos invadiram três vezes o Haiti: 1914, 1915 e novamente em 1969.

República de escravos livres, assente nos ideais da Revolução Francesa, acolhe Simão Bolívar, como refugiado e ajuda-o, quando foi derrotado pelos espanhóis, na sua luta pela independência.

O governo, deste país entregou-lhe navios, armas e soldados, com uma única condição, de que Bolívar libertasse os escravos em cada país que se tornasse independente do jugo colonial espanhol.

Em 1915 o Haiti é invadido pelos Estados Unidos, consequência da politica baseada na Doutrina Monroe: “ a América para os americanos” que propugnava a supremacia dos EUA sobre todo o continente. Tal política, na prática, traduziu-se na intervenção sistemática nos países da América Latina, tendo sido apelidada por Theodore Roosevelt de “ big stick”.

Os norte-americanos só deixaram este país em 1934, ou melhor só se retiraram quando cobraram as dívidas do City Bank e aboliram o artigo constitucional haitiano, que proibia vender plantações aos estrangeiros e voltaram a invadi-lo em 1969.

Cada invasão significa um novo terramoto com saques, ruínas, destruição e morte. As invasões isoladas não foram suficientes para exterminar o Haiti e nos intervalos o povo foi vítima de duas ditaduras sanguinárias: a do Papa Doc, o médico François Duvalier (1957 a 1971) e a do seu filho Jean Claude Duvalier apelidado de Baby Doc (1971 a 1986)

A população do Haiti são 9 milhões de habitantes, mas as imagens das televisões só nos mostrou o povo sacrificado, os assaltos selvagens aos bens que eram distribuídos pela ajuda internacional, a indiferença aparente perante os mortos, o acumular de cadáveres.

A tradição racista e xenófoba imperou nos media ou este não fosse o país de escravos negros que humilhou a Europa vencendo as tropas de Napoleão, tropas essas que por exemplo, obrigaram a nossa família real a abandonar Portugal e a refugiar-se no Brasil, ou este não fosse o país das religiões africanas do vudu que a Igreja Católica e os “ocidentais” tão hedionda nos apresentaram através de livros e de filmes medíocres.

Onde estavam os médicos haitianos, os professores, os engenheiros e outros profissionais ? Gostaria de os ter visto e ouvido falar do futuro, da reconstrução e da ajuda internacional necessária, do seu país independente desde 1803.

A imprensa internacional mostrou além das imagens violentas e comoventes de sobreviventes debaixo de destroços, de mães em transe aconchegando filhos mortos no seu colo, apresentou também ao Mundo um país, um Estado falido, uma nação desgovernada por completo.

A mensagem passada, à opinião pública, foi a de um país incapaz de se organizar e se governar por si só, em resumo ser Independente.

Que futuro espera este país? Poderá respeitar os velhos ideais da sua história ou estará condenado à subjugação de uma grande potência e acabar como país independente, tornando-se um protectorado de qualquer grande potência.

A esperança nasceu ao ler o texto do Professor de antropologia brasileiro, Omar Ribeiro Thomaz, que estava no Haiti a 12 de Janeiro e a tudo assistiu.

Texto que aconselho a ler. Aí ficamos a saber que a ajuda internacional chegou muito tarde e como ele diz, os membros da ONU ajudavam os membros da ONU e os haitianos ajudavam os haitianos. Os feridos foram assistidos por médicos, enfermeiros e freiras haitianas, seguramente os meus ex colegas estariam lá na primeira ajuda. As estruturas “primitivas” começaram a funcionar, os pequenos comerciantes, os chamados, madanm sara, expuseram nas ruas as suas bancas de víveres e água, sem especulações monetárias. Segundo este antropólogo os supermercados é que ruíram e foram assaltados por gente com fome, ao contrário dos pequenos comerciantes que não foram atacados nem tiveram de se defender com armas, como os soldados da ONU, estas estruturas nunca foram utilizadas pelas organizações de ajuda humanitária.

As imagens televisivas mostraram-nos também um povo crente, educado na influência e confluência das religiões Vudu e Católica, pedindo a graça de Deus. Quando alguém era salvo in extremis, a palavra milagre era pronunciada à exaustão.

A morte de 200 000 pessoas e a destruição total de Port-au-Prince, não foi por vontade de Deus. Há mais de 200 anos, quando em 1755, o terramoto, o fogo e depois o tsunami, destruiu Lisboa e matou cerca de 20 000 pessoas, horrorizou a Europa e perturbou alguns filósofos, na suas crenças religiosas.

Voltaire, no seu célebre poema sobre o desastre de Lisboa interrogava-se: “ Direz – vous “C’est l’effet des éternelles lois/ Qui d’un Dieu libre et bon nécessitent le choix » ?/Direz – vous, en voyant cet amas de victimes:/ «Dieu s’est vengé, leur mort est le prix de leur crime» ?/ Quel crime, quelle faute ont commis ces enfants/Sur le sein maternel écrasés et sanglants ?»

O sociólogo Zygmunt Bauman define esta data, 1755, como a gota de água que mudou toda uma concepção do Mundo fundada na Providência divina.

Tenho a esperança que depois do desastre que matou 200.000 pessoas e destruiu metade do país, os haitianos reconstruam a sua terra livre de tabus e construam uma sociedade livre de ingerências estrangeiras. O povo tem a memória da sua história e, libertado das crenças, pode deixar de ser o país mais pobre do Planeta.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Brassens - Le roi (des cons)

Pas de chance

O CENTENARIO DA REPUBLICA

0 31 DE JANEIRO VISTO POR UM HEROI DA REPUBLICA


No dia 31 de Janeiro de 1891, na cidade do Porto, registou-se um levantamento militar contra as cedências do Governo (e da Coroa) ao ultimato britânico de 1890 por causa do Mapa Cor-de-Rosa, que pretendia ligar, por terra, Angola a Moçambique. Esta é a explicação mais comum da primeira tentativa de implantação da República em Portugal

Neste discurso, proferido numa efeméride da data, já durante a Ditadura, o Almirante Tito de Morais fala de outras causas, além desta, que deu origem à “ Portuguesa “, composta por Lopes de Mendonça e Alfredo Keil, que viria a ser o Hino Nacional.

Como estes documentos são de difícil leitura, passo a transcrever algumas partes do discurso que acho interessante sublinhar:

“ O movimento revolucionário de 31 de Janeiro de 1981 foi um brado da indignação colectiva contra os desmandos dos governos da Monarquia, agravados pela afronta recebida em 11 de Janeiro do ano anterior; traduzindo o anseio da consciência democrática do País pela mudança………………………………..”

“………..Os defensores da Monarquia não quizeram ou não souberam ver no seu verdadeiro significado aquele brado da Nação……………………………………..trataram, sim, de engrandecimento do poder real, enveredando por actos dictatoriais , falta de cumprimento da Lei e falta de respeito da Constituição, publicação de leis de excepção, repressão cada vez mais violenta da liberdade de reunião e da liberdade de Imprensa – com assaltos de policia às redacções dos jornais – e permitindo nova invasão jesuítica que, em breve, dominaria todas as actividades oficiais, verificando-se a resistência dos prelados ao poder civil.”

“……..escândalos era interminável: empréstimos a bancos e a outras instituições particulares, sem disponibilidades que as permitissem mas e cujas administrações alguns ministros não eram estranhos; a administração dos fundos públicos constantemente deficitária; a concessão de Mac – Murde, os “bonds” de Hersent, as cédulas de Burnay, o contracto dos Tabacos, o monopólio dos Fósforos, as jóias de D. Miguel, as questões dos Sanatóios e do açúcar da Madeira, a convenção com o Transvaal sem o “ ad referendum” do Governo, a partilha e venda das colónias tratadas na imprensa estrangeira, e defendidas por ministros, os desfalques elevadíssimos no Credito Predial e na Companhia Vinícola a cujas as administrações pertenciam os políticos mais em evidencia e, a mais importante de todas, a questão dos adiantamentos ilegais à Casa Real. ………………………………………………………………………………….”

O brado do 31 de Janeiro culminou com a Vitoria do 5 de Outubro”

terça-feira, 2 de março de 2010

Chopin Nocturne Op.9 No.2 (Arthur Rubinstein)


Há 200 anos nasceu Chopin.
 Em homenagem à minha mãe coloco este video : Nocturno op.9Nº2 tocado por Arthur Rubinstein.
Esta musica, que ela tão bem tocava, acompanhou toda a minha infância e adolescência.