quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

DISCURSO DE TOMADA DE POSSE DE PRESIDENTE DO CONSELHO REGIONAL DO SUL

DIA 7 DE JANEIRO TOMARAM POSSE OS ÓRGÃOS REGIONAIS ELEITOS, EM 12 DE DEZEMBRO DE 2013, DO CONSELHO REGIONAL DO SUL DA ORDEM DOS MÉDICOS 
PUBLICO AQUI NA INTEGRA O MEU DISCURSO



Caros Colegas e amigos,

Um dos privilégios da aposentação, muitas vezes referido, é o de poder dizer o que se pensa sem arriscar o seu lugar ou a sua promoção.

Esta equipa, que hoje toma posse adoptou assim o principio da clareza e transparência que John Stuart Mill resumiu nesta frase: “ Não se podem prevenir nem curar os males da sociedade, assim como as doenças do corpo, sem falar claramente”.   
Este é um dos nossos compromissos para os próximos três anos.

A Medicina sofreu grandes transformações no final do seculo XX, com avanços tecnológicos que permitiram diagnósticos mais precisos, com um indiscutível beneficio para os doentes, atrevo-me a dizer mesmo custo/benefício. Nunca aderi à ideia feita que o avanço tecnológico seria o responsável do encarecimento da medicina.

Podemos argumentar que os progressos poderão até reduzir os custos: por exemplo, os aparelhos de diálise aperfeiçoaram-se necessitando de menos vigilância dos técnicos e de manutenção; a operação dispendiosa de bypasses coronários deu lugar à dilatação percutânea, intervenção realizada em ambulatório; a cirurgia laparoscópica reduziu de uma forma impressionante a duração da hospitalização, etc…etc…,não esquecendo todos os programas de prevenção implantados no terreno que permitem uma estabilização dos custos.

O facto é que os custos na saúde aumentam em flecha. Será devido ao aumento dos salários dos médicos e dos outros trabalhadores da saúde? Certamente não, porque eles, salvo raríssimas excepções, têm vindo a diminuir os seus proveitos nos últimos dez a quinze anos.

Um sector que contribuiu para o aumento dos custos foi a plêiade de gestores espalhados pelos hospitais e centros de saúde que ironicamente foi concebido para fazer diminuir as despesas.

A tutela e as diversas formas de gestão têm tido poucos resultados porque, como já referi em vários artigos publicados na revista da Ordem, as reformas necessárias da saúde têm o centro num binómio tão velho como a MEDICINA: A relação Médico-Doente. Sem a participação activa destes dois actores nada resultará.

No nosso programa de candidatura afirmámos que um dos reversos da medalha dos avanços tecnológicos foi o aparecimento de inúmeras especialidades e subespecialidades, só na nossa Ordem existem mais de 40, o que levou à fragmentação dos conhecimentos e que tem originado o aumento dos custos médicos, com duplicação de exames, entre outros, e em nada melhorou o tratamento dos doentes.

Estamos na época pós-industrial e os nossos hospitais continuam como as grandes instituições fabris do passado que actualmente com a revolução informática estão a ser substituídas por pequenas empresas em rede. 

Assim, torna-se imperioso equacionar uma nova organização do trabalho médico em equipas multidisciplinares e de transdisciplinaridade, como entendeu Piaget, e uma nova governação hospitalar e enterrar para sempre as ideias organizacionais de Taylor. 

Infelizmente, hoje assistimos a um retrocesso das ciências humanas o que levou os médicos a prosseguirem numa visão alopática afastando-se da visão holística da medicina centrada no doente e nas suas necessidades e não na doença.

A economia suplantou todas as ciências sociais mas sem grande sucesso. Imaginem se a Medicina negasse hoje todos os conhecimentos transmitidos pelos nossos Mestres, realizasse experiências humanas, se enganasse e depois pedisse simplesmente desculpa.

Já foi dito que isto de economistas há para todos os gostos, e eu também tenho os meus preferidos que não são como devem imaginar os da escola de Chicago.

Daniel Cohen, economista e autor do livro o Homo economicus, no essencial diz que o capitalismo se apoia sobre duas instituições com lógicas muito diferentes: os mercados e as empresas, os primeiros para organizar a competição, e os segundos a cooperação. A rotura que o capitalismo financeiro introduziu desde os anos 80 foi de impor uma lógica de mercado nas empresas. Os prémios, os bónus, muitas vezes individualizados, criaram uma nova relação de trabalho. A consequência foi que a competição progride e a cooperação recua. Eu direi: o individualismo e o isolamento instalam-se nas nossas sociedades.

Cito Cohen quando se refere ao que ele considera os grandes pólos da sociedade pós-industrial, a educação e a saúde, diz: - “ Quando se experimenta dar incentivos financeiros aos professores e aos médicos, por exemplo em função dos seus resultados, depressa caminhamos para catástrofes pedagógicas ou sanitárias”.

A Ordem dos Médicos como parte integrante do SNS e do sistema de saúde deve ter um papel fundamental em todo o planeamento e desenvolvimento da política de saúde.

Entretanto, o momento sócio-político que vivemos impõe-nos a urgência de pôr em equação os problemas actuais da classe médica e esclarecê-los tanto quanto possível no espírito de todos e, em especial de certos médicos com responsabilidade governamental, porquanto adoptam opiniões bastante inadequadas aos novos tempos, factores importantes da desagregação profissional facultando aos especuladores o maior aviltamento da classe.

O nosso compromisso é com os nossos colegas, com o Presidente da Ordem, com os Conselhos Regionais e com as distritais para cumprir o programa de ação proposto e votado para o triénio 2014 -2016. A nossa atitude irá ser de frontalidade, clareza e transparência. Para isso as reuniões do maior Conselho Regional do país, o Sul, serão abertas e publicitaremos as suas decisões.

Vamos trabalhar
·       na defesa do Serviço Nacional de Saúde constitucional, obra dos médicos portugueses, um dos sistemas menos dispendiosos e o mais efectivo garante da equidade, identificando e intervindo nos múltiplos factores determinantes da má saúde e da doença.
·        Na garantia da qualidade da medicina praticada no nosso país.
·       Na formação médica pós-graduada e formação contínua em colaboração estreita com os colégios da especialidade. Sem desprezar a formação pré-graduada, em colaboração íntima com os directores das Faculdades de Medicina para a melhoria do ensino e a introdução de áreas das ciências humanas, preparando o jovem para a prática clínica e a melhoria do contacto com os doentes.

A célebre frase atribuída a Abel Salazar de “que quem só sabe medicina nem medicina sabe” foi teorizada oficialmente por dois investigadores da New School of Social Research de Nova Iorque, Commer-Kidd e Castano, que em artigo publicado na revista Science mostraram os resultados da sua investigação em psicologia experimental, onde chegaram à conclusão que os leitores de obras de ficção têm maior capacidade de compreender os estados mentais de outrem, melhorando assim a relação médico-doente. Não quero com isto propor aos estudantes de medicina que a par da Anatomia leiam os sete volumes de Proust, “Em busca do Tempo Perdido”. Mas a Ordem tem aqui um papel fundamental.

·       Comprometemo-nos na defesa das carreiras médicas como um dos suportes da qualidade, da efectividade e da eficiência da prestação dos cuidados médicos e a garantia da realização profissional.

·       A Defesa da Medicina Liberal, a chamada medicina de consultório, dignificando a sua missão de assistência à comunidade.

Não posso finalizar a minha intervenção, sem dizer algumas palavras sobre a metodologia utilizada na revisão dos estatutos da Ordem. O que aconteceu foi o exemplo daquilo que não se deve fazer, se o objectivo for aproximar os médicos da Ordem.

Como já escrevi detalhadamente no boletim da Ordem, foi nomeada pelo Bastonário uma comissão para a revisão dos estatutos constituída por 15 médicos, à qual tive a honra de presidir. 

A nossa proposta de estatutos representou mais de mil horas de trabalho voluntário e foi entregue ao Sr. Bastonário em tempo útil, Fevereiro de 2012. A metodologia que pensávamos seguir era a sua apresentação e discussão em todas as secções distritais afim de uma maior participação activa dos médicos.

Para espanto nosso, passado um ano, em Fevereiro de 2013, foi entregue ao Senhor Ministro da Saúde uma proposta de estatutos saída da CNE sem se quer ter sido dado um esclarecimento a esta comissão.

Desta forma não podemos desejar a vinda de novos estatutos que tanto nós como quase a totalidade dos médicos desconhece na totalidade o seu conteúdo.

Situações como esta afastam os médicos da Ordem e contribuem para o aumento da abstenção e o desinteresse cresça no seio dos médicos.

Sei que a vontade do Bastonário é abrir as portas da Ordem a todos os médicos no sentido de uma democracia participativa. Pode contar com a nossa equipa!

Connosco pode estar certo que nenhum médico ficará à porta da sede da Ordem e que iremos criar várias comissões de trabalho para estudar os vários temas que se colocam hoje aos médicos e à saúde.

Agradeço toda a colaboração prestada pelo Prof. Dr. Pereira Coelho e pelo Dr. Iglésias na passagem das pastas do Conselho Regional do Sul.

Aos funcionários da Ordem, peço a vossa ajuda para levar à prática o nosso programa para o próximo triénio, na defesa da causa da medicina e da saúde dos portugueses.

Termino com uma frase de Cícero, proferida no ano 42 a.c. : - “ Uma nação pode sobreviver aos idiotas e até aos gananciosos, mas não pode sobreviver à traição gerada dentro de si mesma.”