quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

CURIOSIDADES DA MEDICINA 1 ( Escorbuto)




CURIOSIDADES DA MEDICINA 1

(ESCORBUTO)


No século XV, aquando da epopeia dos descobrimentos, a epidemia do escorbuto foi patente entre os marinheiros das Caravelas, era então conhecida como o “Mal de Angola”, por ser nestas paragens, que começavam os homens a adoecer durante as incursões marítimas.

Pereceram dois terços da expedição de Vasco da Gama durante a descoberta do caminho marítimo para a Índia e quatro quintos das tripulações de Fernão de Magalhães na sua viagem de circum-navegação.

Calcula-se que nos séculos XVII e XIX morreram desta doença, também chamada “ peste do mar” ou “ peste dos navios”, mais de um milhão de marinheiros. A epidemia alastrava e a Medicina continuava a desconhecer a causa da doença, que era considerada contagiosa, e o tratamento consistia na prescrição de ácido sulfúrico diluído, mostarda, sangue de cobaia, etc.….

Só em 1927 se isolou a Vitamina C e se conheceu a etiologia do escorbuto, um deficit nutricional de frutas e legumes.

Parece que já Vasco da Gama (1469 – 1524) se tinha apercebido que a ingestão de citrinos parecia curar esta doença, mas as suas observações não foram sequer tomadas em conta pelos Lentes das Escolas Medicas, que ontem como hoje são avessos a aceitar opiniões de leigos, e assim as suas observações caíram, durante séculos no esquecimento.

Também o explorador francês, Jacques Cartier (1491 – 1557), quando da viagem de exploração do rio Saint Lawrence ou São Lourenço que liga os grandes lagos, no Canadá ao Oceano Atlântico, ia perdendo parte da sua tripulação se não fosse a actuação dos índios ameríndios que trataram os marinheiros com infusões de cedro (planta rica em Vitamina C).

O relato deste facto também não calou firme nos Professores de Medicina da época.

Uma das lições da história do escorbuto é que não é necessário conhecer a causa da doença para tratá-la com êxito, assim aconteceu com a perícia do escocês James Lind (1716 – 1795), médico num navio de guerra inglês HMS Salisbury, que mostrou que as laranjas e os limões eram uma cura eficaz para o escorbuto.

No tempo de Lind os citrinos já faziam parte de uma longa lista de remédios preventivos do escorbuto, contudo não era o que recomendavam as autoridades médicas da época: - o “Real Colégio de Medicina” aconselhava gargarejos com ácido sulfúrico diluído e a Armada Britânica preconizava o uso do vinagre.

O grande mérito deste médico escocês, não foi prescrever os citrinos no seu receituário, mas pela primeira vez na história da medicina ter comprovado a eficácia do seu remédio por intermédio de um verdadeiro ensaio clínico:

Escolheu 12 marinheiros com escorbuto e dividiu-os em seis grupos de dois; tratou uns com sidra, outros com ácido sulfúrico, outros ainda com vinagre, água do mar, nós moscada e o ultimo grupo com duas laranjas e um limão, mantendo o resto da dieta igual para todos.

No fim do ensaio, concluiu que as frutas eram o melhor tratamento, realizando o primeiro ensaio clínico da História da Medicina. Deve-se, portanto, a este médico escocês a forma de avaliação eficaz das intervenções médicas.

Hoje, a Biblioteca James Lind (www.jameslindlibrary.org) é um dos sítios de referência na Internet para mostrar os ensaios da medicina baseada na evidência e estimular o pensamento crítico.

Alguns ensinamentos podem ser retirados desta história

1. A falta de humildade das autoridades médicas (Universidades). Ainda hoje uma terapêutica instituída por um clínico que trabalhe fora dos grandes centros hospitalares e diferente da ensinada pelos Mestres, não é aceite com facilidade.

2. O ensaio clínico continua a ser o grande campo de investigação da biomedicina

3. A maior colaboração entre as universidades, os hospitais e os clínicos de ambulatório.

… para que não volte a ser necessário 1 milhão de mortos e mais de 400 anos para que uma terapêutica seja aceite.

domingo, 20 de dezembro de 2009

O MUNDO CÃO


MUNDO CÃO


A ETICA NA CIENCIA

A gripe A/H1N1 tinha obrigatoriamente que estar presente neste blog, ou ele não fosse escrito por um médico.

Não vou falar sobre a vacinação, ou as mutações do vírus, visto não ser especialista em saúde pública, infecciologia ou virologia. Os cibernautas têm sido bombardeados com as notícias da gripe A/ H1N1, muitas vezes contraditórias. Muitos de vós receberam certamente as afirmações alertando para os perigos das vacinas da gripe A e dos tratamentos pelos antivírus, veiculados, primeiro, por uma ex-ministra da Finlândia, que ao que dizem enlouqueceu e, depois, por uma médica-monja em clausura num Mosteiro perto de Barcelona, com a produção dum extenso vídeo de 50 minutos. O meu amigo, Prof. João Vasconcelos Costa, no seu site, http://jvcosta.planetaclix.pt/, deu-se ao trabalho de pesquisar na internet e descobrir que a monja era na realidade médica, mas não tinha nenhum doutoramento em saúde pública e poucos trabalhos científicos publicados.

Os media alarmaram, até ao limite, as populações de muitos países, anunciando a nova peste negra, quais cavaleiros do Apocalipse. Tudo começou na pequena vila mexicana, La Glória, com a infecção pelo vírus do pequeno Edgar Hernandez que assim saiu do anonimato e passeia-se hoje na Internet. Este pueblo mexicano do Estado de Vera Cruz é uma das zonas do mundo que concentra o maior número de porcos em criação concentrados em explorações na sua maioria pertencentes ao cidadão americano Smithfield. Por isso chamou-se no inicio, erradamente, gripe porcina.

O site http://voltairenet.org/ (réseau de presse non-alignée) tem merecido, ultimamente, a minha atenção.
 A 17 de Dezembro publicou um artigo assinado pelo jornalista americano F. William Engdahi, com o titulo OMS le “ pape de la grippe A “ accusé de corruption que passo a comentar.

Albert Osterhaus professor de virologia na universidade Erasmus de Roterdão na Holanda, principal conselheiro da OMS e da União Europeia sobre a estratégia a seguir face à pandemia da gripe A, mais conhecido pelo Dr. Flu, está a ser inquirido pelo Parlamento Holandês por conflitos de interesses e corrupção. Este senhor já tinha provocado todo o alarmismo da gripe das aves afirmando que a gripe era transmitida das aves para os humanos. A sua influência nos órgãos de decisão da OMS foi responsável pelos gastos dos ministérios de saúde europeus e o encaixe de 100 milhões de euros pela Roche.
Na investigação holandesa o "Dr. Gripe" é acusado também de ligações financeiras com outros grandes da indústria farmacêutica GlaxoSmithKline, Aventis e Baxter.

Este individuo está na origem dos alarmes lançados em todas as pseudo - pandemias virais, desde o virus responsável pelas  misteriosas mortes imputadas ao SRAS (sindroma respiratório agudo severo), até, à Gripe Aviária (H5N1), com a aparição dos primeiros casos em Hong Kong, onde a actual directora da OMS Margaret Chan começou a sua carreira como responsável da saúde pública do territorio.
Como todos sabem esta ultima pandemia nunca existiu e o pânico lançado provocou  a morte de muitas aves, com consequencias económicas graves.

O jornalista William Engdahi , neste artigo, acusa também outro consultor da OMS, o Dr. Frederick Hayden, especial estratega, que em Julho deste ano, propôs a vacinação de toda a população mundial com duas doses da vacina da gripe A/H1N1.

Hayden está acusado pela comissão parlamentar Holandesa de ter recebido dinheiro da Roche, RW Johnson, SmithKline Beecham e Glaxo Wellcome.

Muitos outros técnicos da OMS e até a própria directora, Drª Chang, são acusados de receberem dinheiro da Industria Farmacêutica.

No mundo global em que vivemos onde a ética desapareceu e o sucesso está ligado ao enriquecimento mesmo que seja ilícito, gente como esta aparece.

O jornalista levanta um problema, que merece reflexão: -“ Nestes últimos 10 anos, a OMS desenvolve as chamadas parcerias público/privadas, com o fim de aumentar os fundos postos à sua disposição. Mas, mais do que receber fundos provenientes unicamente dos governos dos países membros das Nações Unidas, como estava previsto no inicio, a OMS recebe actualmente da parte das empresas privadas cerca do dobro do orçamento habitualmente dado pela ONU sob a forma de bolsas e de ajudas financeiras” (trad- livre do francês)

Quem são as empresas privadas? Claro, os grandes laboratórios.

Aqui na nossa terra também se falou e fala muito das parcerias públicas/privadas para a saúde. Dá que pensar…

O que mais me espanta é que exceptuando os media holandeses ( e vamos estar com atenção para ver o que acontece a estes senhores), e alguns jornais russos, dinamarqueses e suecos houve apenas uma pequena noticia na prestigiada revista Science, na sua edição de 16 de Outubro de 2009, mais ninguém disse nada.

Por isso agradeço aos jornalistas independentes esta informação ao grande público.

Em Portugal tem sido o silêncio absoluto, apesar da noticia ser bombastica, os nossos media fizeram o seu papel colaborando no alarmismo e no pânico criado nas populações.

Directores de órgãos de informação e jornalistas são também acusados de receberem dinheiro para a divulgação das noticias da pandemia pela comissão de inquerito do parlamneto holandês.

As pessoas agora perguntam-se o que fazer?

Só poso ajudar citando o site médico, dos grupos Cochrane, uma organização de cientistas independentes, que analisam exaustivamente todos os estudos realizados, neste caso da gripe A, numa perspectiva da medicina baseada na evidência.

• A melhor defesa é as medidas de higiene, já sobejamente divulgadas

• Se estiver doente fique em casa, como faziam os nossos avós

• Os antivírais parecem reduzir a doença de 1 dia e devem ser dados nas primeiras 48 horas, para serem eficazes. Devem ser administrados em doentes susceptivéis de desenvolver problemas respiratórios e nunca utilizados como prevenção.

• A vacina é segura e deve ser administrada numa dose aos doentes de risco

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

ACTO MEDICO

A LEI DO ACTO MEDICO SERÁ NECESSÁRIA?



Cant’eu não posso entender
Estes Físicos, senhor
…………………………….
………………………………
«Pardeos, em grande embaraço»
«Vejo eu estes Doutores»
(«Farsa dos Físicos» de Gil Vicente)

A definição do perfil profissional do médico e a sua inclusão na lei do “Acordo Colectivo de Trabalho da carreira especial médica” (Clausula 3ª do capitulo II) é um passo importante para o regulamento desta profissão.

Os sindicatos têm assim o mérito de colocar novamente na agenda política o debate sobre a Lei do Acto Médico.

O conceito de acto médico é sem dúvida muito mais amplo e, portanto, diferente do escrito no articulado acima referenciado.

O prestígio crescente da profissão médica durante o século XIX foi lento e penosamente conseguido. O «medical act» inglês data de 1858 e somente em 1884 os médicos e cirurgiões britânicos se uniram para efectuar os exames em conjunto aos candidatos a médicos, concedendo-lhes, então, um diploma em que se colocavam ao mesmo nível ambas as especialidade.

Nessa época, acreditava-se que com o progresso espectacular da Ciência, a Medicina ir-se-ia impor à bruxaria e ao charlatanismo.

Puro engano. No inicio do século XXI, há um número cada vez maior de pessoas em todo o Mundo que recorre às terapêuticas alternativas, que se definem como tendo uma visão holística do ser humano, ao contrário da visão orgânica da Medicina clássica ou Biomedicina.

A Lei do Acto Médico, ao ser publicada, em nada iria impedir o número cada vez maior de portugueses que recorreriam a terapias alternativas praticadas por religiões afro-brasileiras, vindas com a emigração, para curarem as suas dores e sofrimentos que a Medicina (Biomedicina) não trata. Só em Portugal, já existem mais de 40 terreiros onde se pratica o Ubanda, além dos curandeiros estabelecidos e vindos principalmente da Guiné, e isto sem contar com os bruxos nacionais.

Este fenómeno devia merecer a nossa atenção. Os estudiosos destes factos alertam para a necessidade de uma mudança de atitude por parte da Biomedicina. Todos nós fomos formados no modelo “one disease one pill” que funciona num número restrito de pacientes.

Calcula-se que mais de metade dos doentes que recorre às consultas de Medicina não fica satisfeito, e representa já hoje um peso para o orçamento da saúde, dado que consulta em média sete clínicos diferentes, por ano, para as mesmas queixas.

São estes doentes numerosos, insatisfeitos e infelizes, que estão englobados na patologia do “mal-estar” e que não correspondem a um modelo fisiopatológico, nem nosológico adequado e, mais cedo ou mais tarde, recorrem à medicina alternativa.

Assim, a meu ver, a Lei do Acto Médico corresponde a uma necessidade de uma classe que está em perda de poder em relação aos seus parceiros: enfermeiros, psicólogos, biólogos, farmacêuticos, fisioterapeutas, todos com licenciaturas de escolas idóneas.

Esta lei poderia servir também para controlar a entrada no mercado das outras medicinas ou terapias alternativas, como a acupunctura, osteopatia, homeopatia, reflexologia, etc. …

Em Portugal, a Ordem dos Médicos reconhece a acupunctura como especialidade, a par da cirurgia geral ou da pediatria.

A acupunctura é, por definição, uma terapia utilizada pela medicina chinesa, com uma base filosófica diferente da Biomedicna (convencional), que aplica processos específicos de diagnóstico e terapêuticas próprias. Finalmente, e o mais importante, baseia-se num estudo do corpo humano muito diferente da Anatomia do Testut ou do Rouvière.

Não venham pois dizer que só os formados pelas nossas Faculdades de Medicina podem praticar a acupunctura correctamente!

Aqui direi, como Gil Vicente na Farsa dos Físicos, “Cant’eu não posso entender estes físicos senhor».

Li, num jornal regional, uma longa entrevista com um osteopata. No decorrer do texto, o osteopata declarava não ser médico, nem doutor, mas poder utilizar os termos Dr. E. D.O., ou seja Diplomado em Osteopatia! Mais adiante esclarecia que é diplomado, num curso de três anos, pelo Instituto de Medicina Tradicional (!?), e que possuía uma pós-graduação em Osteopatia pela Universidade Lusíada, mais “um ano”, acrescentando ainda que praticou ortopedia pediátrica no Hospital dos Capuchos.

Defendo que todas as profissões devem ter regulamentos que assegurem juridicamente os seus deveres e os seus direitos e que deve haver uma entidade reguladora actuante e atenta para o bem da saúde pública. Leis não faltam neste país de doutores…

A profissão médica, em todo o Mundo, é uma profissão antiga, sólida e a melhor estruturada. Conta com códigos e agora com o perfil em lei, estando a pratica quotidiana mais do que regulamentada.

Deste modo, temo que a Lei do Acto Médico, além do termo incorrecto, seja provocatória para as demais profissões da saúde.

Como médico oponho-me a que farmacêuticos prescrevam medicamentos. Estou também totalmente contra a decisão da “Consejeria de Salud” de la Junta de Andaluzia que permite às enfermeiras indicarem até 96 fármacos, seguirem o tratamento farmacológico prescrito pelo médico de família a doentes crónicos, com a justificação que estão mais perto destes, assim como participarem na realização das pequenas cirurgias de ambulatório nos centros de saúde.

A Lei do Acto Médico não deve ser aprovada de ânimo leve e acarreta inúmeros problemas sociológicos, jurídicos e políticos que devemos estar atentos.

Este artigo tem como objectivo alertar para este problema, que não é pacífico.

Eu digo, como Aristóteles, a dúvida é o princípio da sabedoria.

A Direcção da Ordem dos Médicos devia promover um grande debate sobre estes temas, ouvindo as mais diversas sensibilidades existentes na família médica.
Artigo publicado na semana médica Outubro de 2009

A QUALIDADE DA DEMOCRACIA

Este artigo saiu na semana médica e está publicado no blog do MAOM movimento alternativo à Ordem dos Medicos

A Qualidade da Democracia


O extenso editorial “O Preço da Nossa Liberdade”, saído no boletim da Ordem dos Médicos1 e assinado pelo actual presidente, mostra, além de muita presunção, o desrespeito para com os colegas que têm opiniões diferentes das dele.
A aceitação da crítica, a humildade e o respeito para com os outros é fundamental em Democracia.

No texto, o presidente vangloria-se de promover reuniões por todo o país, que finalizariam na chamada Assembleia-geral de Médicos, não deliberativa, a que alguém da mesa apelidou de brainstorming.

Contudo, os actuais Estatutos da Ordem não prevêem a existência desse órgão supremo do exercício da Democracia e, por esta razão, na reunião havida não se prepararam consensos nem se ouviram os médicos.

A obsessão em falar de Assembleia-geral de Médicos faz parte de uma prática de manipulação linguística que, de insistente que é, acaba por criar em qualquer indivíduo bem-intencionado um mundo mental deturpado.

Assim um “brainstorming” passa a chamar-se assembleia-geral, o oportunismo chama-se pragmatismo, o pobre chama-se carenciado ou pessoa de escassos recursos, a Ditadura chama-se II República, etc.…

Há cerca de dois séculos que procuramos melhorar a Democracia.
O nosso dever cívico, como cidadãos e médicos, é continuar a aperfeiçoá-la, alertando para os perigos de adulteramento, quer na sociedade em que vivemos quer nas associações a que pertencemos.

A definição de democracia, segundo Sir Henri Maine2, é uma forma particular de governo em que os governantes são simples agentes e mandatários dos governados e neste caso a censura é um direito, a origem da autoridade reside nos governados que a dão ou a retiram como julgam mais útil.

A crise da democracia é de carácter qualitativo e, já no século XIX, pensadores como Bemjamin Constant, em França, no fim do seu discurso no Athénée Royale de Paris em 1819, exortou os cidadãos a exercerem uma “ vigilância activa e constante” sobre os seus representantes e avisou: “O risco da moderna liberdade é que, absorvidos no gozo da nossa independência privada e na prossecução dos nossos interesses particulares, renunciemos com demasiada facilidade ao nosso direito de participação no poder político”.

Em Portugal, Magalhães Lima, no seu estudo sobre “A Democracia3”, publicado em 1888, escrevia, a propósito de eleições e democracia representativa: “(…) A história das eleições é conhecida. É sabido o que significa o alargamento do sufrágio como meio de alcançar uma justa distribuição do poder político. Há uma verdadeira capitalização política como a capitalização económica; desta resulta o agiota, daquela o empresário político, o nosso influente. A nação mais democrática do mundo, ou pelo menos apontada como tal, os Estados Unidos, é o melhor exemplo da significação que tem o direito de votar; ali o voto é uma mercancia como o algodão ou os cereais, o poder é para quem mais souber capitalizar (…)”.

Mais adiante, Magalhães Lima reflecte sobre a representatividade dos eleitos afirmando: “(…) O mandatário eleito pelos seus concidadãos por maioria de votos, sobre uma questão de princípios, não representa nem a minoria, nem todas as nuances da maioria; nada garante que ele compreenda ou não atraiçoará a vontade dos seus eleitores (…)”.

Outro dos perigos que ensombrava e ensombra a natureza da Democracia é a corrupção.

No seu estudo, Magalhães Lima diz: “A corrupção é o maior cancro dos governos populares; e, se não lhes é peculiar, encontra n’elles um terreno tão adequado que tem sido levantada às honras de systema politico”(…).” Erige-se a corrupção em systema politico, na descrença de todo o sentimento nobre e de todo o móbil d’acção que não seja um sórdido e insaciável egoísmo. Tão baixo desceu o nível moral das sociedades contemporâneas! 4 (…)”.

Para a melhoria da qualidade da Democracia, não devemos deixar que a única tarefa dos cidadãos ou dos membros de uma associação, seja ela profissional ou outra, se limite a ir às urnas de quando em quando, mesmo que regularmente, para eleger o governo e o processo de decisão seja confiado aos seus representantes.

Apenas para citar algo mais recente, recomendo a leitura de “The Economist” que, no Democracy Índex Mundial, relativo a 2008, revela que a democracia portuguesa está a perder qualidade, colocando-a agora no 25º lugar da tabela mundial. Segundo o articulista, o que poderá ter feito baixar esta avaliação da participação política foi a abstenção superior a 50% no referendo à despenalização do aborto.

Se analisarmos os actuais estatutos da Ordem dos Médicos, à luz da democracia representativa, constatamos que as minorias não têm voz activa nem participam nas suas deliberações. O comportamento da sua Direcção, como se pôde ver com a aprovação do Código Deontológico e da proposta de Carreiras Médicas, em que afastou os médicos do debate e das decisões, só contribuiu para o enorme desinteresse e alheamento da classe. O resultado é um aumento significativo da abstenção nos actos eleitorais, o que revela uma perda de qualidade democrática.

Está na moda, nos países desenvolvidos, a retórica do empowerment, que aponta para a necessidade de ouvir as pessoas e envolvê-las nos processos decisórios.
Fala-se muito na participação dos cidadãos, mas se esta participação não assume formas sólidas e minimamente organizadas, todos os grandes apelos ao empowerment não passarão de uma brincadeira.
As atitudes do Bastonário e do Presidente do Conselho Regional do Sul ao pressionarem membros da anterior Direcção do Colégio da Especialidade de Pediatria para este rever a sua decisão de não atribuição de idoneidade ao Serviço de Pediatria de Beja, são sinais evidentes de deficit democrático. Estas atitudes foram corroboradas pelo CNE, que resolveu atribuir a idoneidade formativa para Pediatria I ao referido serviço, ignorando o parecer técnico da Direcção do respectivo Colégio, o que originou a sua demissão.
A sobranceria e desrespeito por um parecer técnico de uma Direcção de um Colégio da Especialidade, escudando-se no seu poder decisório, desprestigia os Colégios e leva também ao desinteresse da maioria esmagadora da classe médica, que está patente na fraca participação nas votações para a eleição destes órgãos.
Os Colégios da Especialidade são a razão de ser da Ordem dos Médicos e as suas direcções eleitas devem ser o garante da qualidade técnico - científica dos serviços hospitalares, quer públicos quer privados, e uma das suas funções é a avaliação de idoneidade e capacidade formativas dos mesmos.

A eleição das Direcções dos Colégios pelos seus pares foi um acréscimo para a qualidade da Democracia na Ordem. Não deixemos que se regresse a um passado ainda recente. Não deixemos que voltem a ser nomeadas.

Bibliografia

1. P.Nunes , Boletim da Ordem dos Médicos, Ano 25 – Nº 103, Julho/ Agosto 2009

2. H.S.Maine, Essais sur le gouvernement populaire, E.Thorin, 1887

3. J.M.Lima, A Democracia, Estudo sobre o Governo Representativo, Tip. Silva Teixeira. Porto 1888

4. P.Ginsborg, A Democracia que não há, ed. Teorema, Agosto 2008

5. A.Costa, Fundamentos para uma Demissão, Acta Ped. Port.,Vol.40, Janeiro/Fevereiro 2009

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

PR'Ó ANO EM PORTUGAL

A festa do fim do ano de 1973 reuniu em Lausana: Mário Soares, Maria Barroso, Manuel Alfredo Tito de Morais, Maria Emília, além da família anfitriã Teresa, Jaime e os seus filhos Carlos e Rita.


À época, Mário Soares e Tito de Morais eram dirigentes socialistas no exílio que tinham assinado, dias antes, provavelmente em Paris, um manifesto com a Direcção do PC, que apontava no caminho de uma unidade de esquerda tipo Frente Popular. O Partido Socialista Português já tinha sido constituído, em Abril desse ano, na cidade alemã de Bad Munstereifel.

Como em todas as passagens de ano era obrigatório: a abertura da garrafa de espumante, as passas e o bolo. Os votos e os desejos tinham os olhos postos no regresso a Portugal e no derrube da Ditadura. As ilusões da “ primavera Marcelista” tinham chegado ao fim.

“Para o ano em Portugal”, voto repetido ao longo de tantos anos de exílio, tornou-se uma realidade.

É hoje, com saudades, que relembro esse dia e muitos outros mais passados no exílio e depois em Portugal, no convívio com o meu sogro, Manuel Alfredo Tito de Morais.

Recebido em sua casa, sempre como filho, também sempre o considerei como um segundo Pai, e é difícil falar, com imparcialidade, de um Pai.

Apesar de eu ter militado num Partido diferente do dele; recebi o seu exemplo como a herança que nos deixou a mim e à minha família, de verticalidade, honestidade, de lutador incansável pela Justiça, de defensor dos mais fracos.

Tito de Morais, nascido em berço de ouro, recebeu, como muitos naquela época, os ideais da República: Liberdade, Igualdade e Fraternidade, como primeira refeição.

Atrevo-me a dizer que foi sempre um socialista de esquerda, certamente mais influenciado pelos ideais da revolução francesa do que da revolução bolchevique, mas não era um social-democrata.

Na política ficou como o grande obreiro do partido socialista, o militante por excelência, o que punha o Partido e o combate em primeiro lugar, muitas vezes em detrimento do convívio familiar de que tanto gostava.

Nos tempos que correm distingo como um dos principais traços do seu carácter, a honestidade e diria mesmo o desinteresse completo pelo dinheiro e os bens supérfluos desta sociedade de consumo.

Pertencia àqueles homens que apesar de desempenharem altos cargos de Estado, viajavam de comboio em 2ª classe, porque não existia 3ª, que preferiam um restaurante popular, onde se comesse o bom “cozido à portuguesa”, em vez de um “requintado” que estivesse na moda.

Para o PS e para toda a esquerda portuguesa, ele deve ser o exemplo a seguir, de estar na política servindo o país, como o fez durante toda a sua longa vida.

Comemorações do Centenário de Tito de Morais



Na proxima mensagem irei editar o texto sobre o meu sogro que publiquei no blog criado para o efeito.http://titomorais.blogs.sapo.pt

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

ABILIO MENDES


Abilio Teixeira Mendes, alferes miliciano médico em Angola. Que saudades...
Voltarei a escrever mais, para que não seja esquecido.

O MEU IRMÃO ABÍLIO

A 14 de Dezembro de 1939 nasceu o meu querido e saudoso irmão Abílio. Se fosse vivo faria hoje 79 anos. A vida pregou-nos, a mim, à minha família e aos amigos, uma partida e retirou-o cedo do nosso convívio. Faleceu meses antes de perfazer cinquenta anos.

Desde muito novo entrou na luta antifascista, primeiro no movimento estudantil, como destacado dirigente, e depois na luta política e sindical, tendo sido fundador e membro da Direcção do Sindicato Medico e tendo estado nas origens do Partido Socialista e mais tarde na formação da UEDS

Abílio possuía uma inteligência e uma cultura invulgar, em tudo o que se metia destacava-se. Quando frequentava o 3º ano de Medicina, resolveu fazer uma incursão no Teatro e inscreveu-se no Conservatório Nacional, o seu espírito rebelde e a sua verve acutilante levou à sua expulsão ao fim de um ano pelo então Director Ivo Cruz. Perdeu-se um excelente actor e ganhou-se um excelente Medico e Pediatra.

Dirigente na altura das greves estudantis de 1962, já quintanista de medicina foi, de novo, expulso da faculdade de medicina de Lisboa, tendo terminado o curso no Porto.

Foi mobilizado para guerra em Angola em 1965, terra onde criou muitos amigos e à qual ficou ligado para sempre. Os dois livros que escreveu "Henda Xala" e "Coisas de África - Arquive-se"  foram a expressão escrita da vivência da guerra e de Angola.

Exerceu numerosos cargos, escreveu inúmeros artigos em jornais e revistas cientificas mas, nesta pequena efeméride, quero lembrar o irmão e o Homem solidário, que não podia ver um amigo mal que logo corria em seu socorro.

Já passaram vinte e nove anos e o Abílio continua vivo entre nós.

domingo, 13 de dezembro de 2009

O CAMINHO DE SALOMÃO

A razão da escolha deste título para o meu blog deve-se ao livro de Saramago “A viagem do elefante”. O que para quem não conheça não tem nada a ver com a figura bíblica que nem sequer há indícios arqueológicos que tenha existido e que ficou celebre pela sua sentença.
Salomão foi o nome dado a um elefante oferecido pelo rei D. João III e por sua mulher Catarina da Áustria ao arquiduque Maximiliano.
Este animal fez uma longa viagem de Lisboa até Viena de Áustria e o seu trajecto em Portugal foi, segundo Saramago, de Lisboa a Figueira de Castelo Rodrigo.
Quando tive que abandonar o meu país por motivos de perseguição política, em 1965, fiz também este trajecto, apenas com um pequeno desvio pelo Porto. Resumindo, o lugar da fronteira, em que dei o salto, foi Figueira de Castelo Rodrigo. Na época um pequeno lugar com algumas casas e uma praça central, que hoje se chama largo 25 de Abril.
Noutros posts contarei a minha odisseia sobre a passagem da fronteira de Portugal com Espanha e a viagem atribulada até Lausanne, sem comparação com as atribulações que o elefante enfrentou até Viena de Áustria.

Ao contrário dele o meu futuro foi mais feliz….

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009