quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

PR'Ó ANO EM PORTUGAL

A festa do fim do ano de 1973 reuniu em Lausana: Mário Soares, Maria Barroso, Manuel Alfredo Tito de Morais, Maria Emília, além da família anfitriã Teresa, Jaime e os seus filhos Carlos e Rita.


À época, Mário Soares e Tito de Morais eram dirigentes socialistas no exílio que tinham assinado, dias antes, provavelmente em Paris, um manifesto com a Direcção do PC, que apontava no caminho de uma unidade de esquerda tipo Frente Popular. O Partido Socialista Português já tinha sido constituído, em Abril desse ano, na cidade alemã de Bad Munstereifel.

Como em todas as passagens de ano era obrigatório: a abertura da garrafa de espumante, as passas e o bolo. Os votos e os desejos tinham os olhos postos no regresso a Portugal e no derrube da Ditadura. As ilusões da “ primavera Marcelista” tinham chegado ao fim.

“Para o ano em Portugal”, voto repetido ao longo de tantos anos de exílio, tornou-se uma realidade.

É hoje, com saudades, que relembro esse dia e muitos outros mais passados no exílio e depois em Portugal, no convívio com o meu sogro, Manuel Alfredo Tito de Morais.

Recebido em sua casa, sempre como filho, também sempre o considerei como um segundo Pai, e é difícil falar, com imparcialidade, de um Pai.

Apesar de eu ter militado num Partido diferente do dele; recebi o seu exemplo como a herança que nos deixou a mim e à minha família, de verticalidade, honestidade, de lutador incansável pela Justiça, de defensor dos mais fracos.

Tito de Morais, nascido em berço de ouro, recebeu, como muitos naquela época, os ideais da República: Liberdade, Igualdade e Fraternidade, como primeira refeição.

Atrevo-me a dizer que foi sempre um socialista de esquerda, certamente mais influenciado pelos ideais da revolução francesa do que da revolução bolchevique, mas não era um social-democrata.

Na política ficou como o grande obreiro do partido socialista, o militante por excelência, o que punha o Partido e o combate em primeiro lugar, muitas vezes em detrimento do convívio familiar de que tanto gostava.

Nos tempos que correm distingo como um dos principais traços do seu carácter, a honestidade e diria mesmo o desinteresse completo pelo dinheiro e os bens supérfluos desta sociedade de consumo.

Pertencia àqueles homens que apesar de desempenharem altos cargos de Estado, viajavam de comboio em 2ª classe, porque não existia 3ª, que preferiam um restaurante popular, onde se comesse o bom “cozido à portuguesa”, em vez de um “requintado” que estivesse na moda.

Para o PS e para toda a esquerda portuguesa, ele deve ser o exemplo a seguir, de estar na política servindo o país, como o fez durante toda a sua longa vida.

2 comentários:

  1. Não sei se o manifesto assinado pelo PS e PCP a que te referes é o que resultou de um encontro em Paris, entre delegações dos dois partidos, em 12 de Setembro de 1973, ou se é um documento posterior àquela reunião que então terá sido preparatória desse documento final.
    Lembro-me muito bem dessa reunião porque participei nela. Lembro a data porque Mário Soares me informou, muito consternado, o que se estava a passar (na madrugada de 11 de Setembro) no Chile, o golpe de Pinochet e o assassinato do presidente. Não sabíamos ainda dos 30 mil mortos às mãos de Pinochet que se seguiriam e da feroz ditadura que travou os primeiros passos do que se esperava (ingenuamente como se viu) vir ser a primeira experiência mundial de uma revolução socialista pacífica e assente em eleições, que elegera presidente o socialista Salvador Allende com base numa aliança entre comunistas e socialistas que não muitos anos antes se confrontavam raivosamente.
    A reunião realizou-se numa escola de uma "mairie" do PCF cujo espaço era cedido para o efeito ao PCP, a Cunhal, na altura a viver em Paris. O local da reunião era secreto atendendo à situação de clandestinidade de Cunhal em Paris, atendendo à presença da PIDE na capital francesa e às ligações desta aos serviços secretos franceses. Em virtude disto Cunhal encarregou-me de me encontrar com Mário Soares num local combinado (se bem me lembro era à saída de uma estação de Metropolitano) às 8h da manhã com senha e contra-senha. Apesar de não nos conhecermos pessoalmente eu reconhecê-lo-ia facilmente mas não ele a mim) para depois seguirmos para a reunião.
    Há coisas de que me lembro perfeitamente mas outras aparentemente mais fáceis de guardar que não consigo recordar, por exemplo qual a composição da reunião. Estava pelo PCP, Cunhal e eu mas pelo PS além de Soares lembro perfeitamente da participação de António Macedo mas não do terceiro membro da delegação do PS. Tito de Morais? Ramos da Costa?
    Há um momento que me ficou gravado impressivamente na memória. Discutia-se o conteúdo do documento que era suposto ser aprovado ali pelos dois partidos e do qual se esperava o maior impacte em Portugal e entre as diferentes forças da oposição, tanto maior quanto se sabia da dificuldade de acordos entre PCP e PS. Cunhal discorria sobre a questão colonial e defendia que no documento ficasse explícito que ambos os partidos “reconheciam o direito à independência total e imediata das colónias portuguesas” onde continuava a guerra desde há 12 anos. Macedo levantou objecções. Era corrente nalgumas “sensibilidades” do PS de então a recusa da admissão da “independência total e imediata” das colónias. Mas Mário Soares interrompeu Macedo e respondeu a Cunhal que o PS estava de acordo e poderia ficar assim no comunicado a aprovar.
    Reparei também como Cunhal já trazia o comunicado quase feito e apenas fez ali à nossa frente alguma s alterações propostas por Mário Soares, dando mostras de grande operacionalidade, evitando assim nova reunião (clandestina) para a redacção do documento, quiçá, eventuais novas propostas de alteração.
    Lembro-me que a manhã não estava radiosa do Sol português, antes mergulhada na atmosfera cinzenta que muitas vezes torna menos fulgurante a mais bela capital do mundo. Mais bela… talvez depois de Lisboa e Nova York ;)

    ResponderEliminar
  2. Agradeço o teu comentário que só veio enriquecer o "post". Penso q o documento foi o que resultou dessa reunião. O meu sogro nessa altura estava proibido de entrar em França, mas isso não era impedimento. Como sabes!! Vou averiguar no espólio do Tito de Morais se o documento aprovado ( do qual existe uma cópia) está assinado por ele

    ResponderEliminar