sexta-feira, 3 de março de 2023

A DESIGUALDADE

 

A DESIGUALDADE PERSISTE


Anne d’Alègre (1565-1619), filha do Marquês d’Alègre e esposa do Conde de Laval foi portadora da primeira prótese dental conhecida até à época.

Descobertas recentes quando o seu corpo foi exumado no castelo de Laval, onde estava enterrado, foi sujeito em 1992 à realização de análises com a utilização de tecnologias modernas, nomeadamente com um scanner 3D de última geração, realizada por um Instituto francês de investigações arqueológicas e publicado no Journal of Archeological Science a 24 de janeiro último.

O interesse do estudo do esqueleto despertou o interesse da comunidade científica por mostrar a primeira prótese dentária da história, datada de há 450 anos.

A condessa tinha efetivamente perdido um dos incisivos superiores esquerdo (dente 21). O que convenhamos lhe prejudicava o sorriso e seria provavelmente motivo de chacota na corte de Henrique IV, onde o facto de ser protestante já lhe dificultava a sua presença.

Ambroise Paré cirurgião do Rei e contemporâneo de Anne d’Alègre dizia «se um doente era desdentado, a sua palavra era depravada»

O engenho dos “cirurgiões” da época e o dinheiro do conde conseguiram a realização desta prótese.  A prótese foi feita com marfim extraído de um dente de elefante e não de hipopótamo como se chegou a pensar e foi fixado com fios de ouro (material nobre e o mais bem suportado na boca) e por uma ligadura de contenção nos pré-molares. 

 Esta operação deve ter sido muito dispendiosa e só a bolsa do conde Laval a poderia pagar o que certamente não aconteceria com o comum dos mortais.

Segundo a autora principal deste trabalho a colocação desta prótese levou à instabilidade dos dentes vizinhos o que mesmo assim não impediu que a Condessa tivesse realizado três casamentos além de outras aventuras.

Passados tantos anos, após a Revolução Francesa, a Comuna de Paris, a revolução russa de 17 e o 25 de Abril, a prótese dentária e mais recentemente os implantes, devido ao seu preço continuam a ser uma marca de estatuto social. 



O acesso à saúde apesar de todas as grandes conquistas sociais e tecnológicas continua a ser um fator de desigualdade social e basta para isso vermos as reportagens televisivas com um número de desdentados o que não dá razão a Ambroise Paré, porque nem sempre as suas palavras são depravadas.

E senhores governantes, não pensem que é abrindo mais escolas de medicina dentária, já existem oito, que melhoramos a vida dos nossos desdentados, contribuímos sim para o fluxo migratório dos nossos jovens dentistas.



Não façam o mesmo erro com as escolas de Medicina porque também não é formando mais médicos que cobrimos as necessidades da nossa população.

ANNE D'ALÈGRE



sexta-feira, 3 de junho de 2022

 




PASSEATA POR TERRAS DO NORTE

 

Um passeio repousante por terras minhotas e transmontanas levou-nos até um sitio paradisíaco situado entre a serra do Gerês e a serra da Cabreira.

O DOBAU Village pequeno hotel com todo o conforto onde tivemos uma recepção afetuosa, como é apanágio das gentes destas terras.

Não vou prolongar-me nas  virtudes da hotelaria e fico-me por esta vista deslumbrante sobre o rio Cávado (ver foto).

Mas, a curiosidade que foi tema de conversa dos passeantes recaiu sobre o nome da Village, DOBAU, houve mesmo quem alvitrasse que se tratava de uma cadeia de hotéis argentinos.

Para esclarecer este enigma, resolvemos abordar o gerente ou dono do hotel que era um jovem muito afável e simpático.

Assim foi. O gerente-dono esclareceu-nos: - Tinha herdado da sua avó um terreno de 6 hectares naquela soberba encosta e resolveram construir este hotel e mais umas casas (villages), piscina, um parque infantil, uma cerca com póneis, galinhas, cabras, outros animais domésticos e dois observatórios astronómicos.

E o nome? Perguntámos nós. O nome é simples e não foi preciso grande engenho, o terreno da avó era conhecido pelo "o do Vau" e na pronuncia do Norte os vês são pronunciados bês, ficou a chamar-se DOBAU.

 

 

terça-feira, 22 de setembro de 2020

 





Cantaste a Tempo

 

Era uma vez um homem que tinha sido internado num hospital psiquiátrico porque pensava ser um galo.

Depois de uma longa permanência, estava perante o seu psiquiatra que lhe iria dar alta, como curado.

Perante as respostas, com nexo, que o doente dava ao médico, ou seja,que iria trabalhar e mais tarde casar e constituir família, o clínico já disposto a dar-lhe alta do hospital fez  uma última pergunta:

 Já pensou onde irá morar?

Ao que ele respondeu:- Estou a pensar comprar uma moradia com quintal e com um galinheiro ao fundo, onde eu entro para cantar -Có Córó Có Có

Perante isso, o psiquiatra disse : Cantaste a Tempo!

Esta história muito antiga vem-me sempre à memória quando leio loas ao Serviço Nacional de Saúde, mas a meio do texto, lá está: - …O sistema nacional de saúde….

E digo para os meus botões, como o psiquiatra desta história:- Cantaste a Tempo

sexta-feira, 14 de agosto de 2020

MARY MALLON

 

MARY MALON

A maior quarentena da história ou os portadores sãos

 

A particularidade do SARS-CoV-2 consiste no facto das pessoas assintomáticas que contraíram o vírus poderem ser contagiosas. Segundo o estado da arte, ainda não se sabe porque é que há assintomáticos que contagiam várias pessoas e outros que não têm, felizmente, essa capacidade.

A história da medicina fala-nos de um caso raro e curioso, que nada tem a ver com um vírus, mas com uma bactéria, a Salmonela Typhi.

Corria o início dos anos 80, do século XIX, prosseguia na Irlanda a emigração para os Estados Unidos, em consequência da grande fome, que ficou conhecida como a guerra da batata*, em que a causa próxima foi uma doença provocada por um espécie de fungo que contaminou grande parte da produção deste tubérculo.

A Irlanda, país rural, vivia à custa desta monocultura que era obrigada a exportar grandes quantidades para o Reino Unido, ficando dependente deste como uma verdadeira colónia do British Empire.

O período da grande fome na Irlanda (1845-1849) acarretou a morte a um milhão de pessoas e, apesar deste drama, a ajuda inglesa foi nula.

A administração dos Whig**, durante o governo de Lord John Russel, mantem a sua crença que o mercado proveria os alimentos necessários, mas ao mesmo tempo ignorando as exportações de alimentos para a Inglaterra. E ainda há quem diga que não se deve diabolizar o mercado.

No ano de 1883, Mary Mallon, ainda adolescente, parte num navio para os Estados Unidos com centenas de emigrantes irlandeses, fugindo da fome e atraída pelo american dreams.

Chega à ilha de Ellis*** e como o posto de exame dos imigrantes só começou a funcionar em 1892 - o que de pouco serviria pois era assintomática - começou logo a trabalhar em Nova Iorque como empregada doméstica, exercendo a função de cozinheira entre 1900  e 1907. Trabalhou em sete casas diferentes e, neste período, apareceram cerca de 30 pessoas com a Salmonela Typhi sem explicação plausível, pois a febre tifoide está associada a baixos níveis socioeconómicos, principalmente em regiões com precárias condições de saneamento básico e higiene pessoal. 

Mary só trabalhava em casas da alta burguesia nova-iorquina, onde as condições de higiene não levantavam suspeitas. Contudo, houve um caso fatal de uma lavadeira que trabalhava na mesma casa em que ela trabalhava, em Manhattan. As autoridades de saúde começaram a atribuir o surto a água ou comida contaminada. O pânico começou a instalar-se em Nova Iorque e Long Island com a propagação do surto de febre tifoide.

Boa cozinheira, Mary trabalhou em muitas casas ricas, tendo infectado cerca de 53 membros da alta sociedade. Mais parecia uma vingança de emigrante! Trabalhou ainda na pequena cidade de Mamaronek e logo começaram a aparecer os primeiros casos de febre tifoide.

A jovem segue para Manhattan para trabalhar na casa de um banqueiro de nome Charles Warren, mas como a epidemia se alastrava, este aluga uma casa em Long Island e leva consigo a cozinheira. Começam de imediato a aparecer pessoas com sintomas.

O banqueiro, preocupado, contrata um epidemiologista, George Soper, que após uma investigação minuciosa, comparável aos melhores detectives, descobre a origem dos surtos: Mary Mallon, a cozinheira.

Desconfiada, reação lógica de uma emigrante, recusou fazer testes e atacou com um garfo o pobre Soper. Dificilmente foi dominada pela Policia da qual se defendeu com murros e pontapés. Mary sentia-se perseguida ilegalmente.

Testando positivo, é presa, e confessa desconhecer que tinha de lavar as mãos para cozinhar.  A importância de lavar as mãos!!

Constatada a situação, foi isolada pelas autoridades sanitárias num hospital situado na ilha de North Broter, no Riverside,(foto2) tendo tido alta após três anos, com a condição de não voltar a manipular alimentos.

Entretanto, em 1915, Mary muda de nome e volta para o fogão, reiniciando a difusão da doença em mais 25 pessoas.

Por conta disso, Mary foi confinada numa "quarentena" que durou o resto da sua vida. Faleceu em 1938, aos 69 anos, vítima de pneumonia.

 Mary Mallon trabalhou em múltiplas casas, com o seu nome e com identidades falsas mais tarde, não se conhecendo a quantidade de vítimas que fez. Algumas fontes apontam para 50 pessoas, mas nos registos de Soper os infectados chegam a 122.

A autópsia revelou que ela continuava uma potencial irradiadora da febre tifoide. Este caso tornou-se famoso em Nova Iorque, com grande destaque nos média, chegando mesmo a sua vida a ser editada em banda desenhada na Marvel comics,(foto 1) aparecendo como uma personagem fictícia: Mary Typfoid, Bloody Mary e mais recentemente Mutante Zero.

*https://pt.wikipedia.org/wiki/Grande_fome_de_1845%E2%80%931849_na_Irlanda

**O Whig Party era o partido que reunia as tendências liberais no Reino Unido, e contrapunha-se ao Tory Party, de linha conservadora. Mais tarde deu origem aos partidos Trabalhista e Liberal.

*** A ilha de Ellis foi a partir de 1892 a entrada de emigrantes chegados à baia de Houston onde ficavam de quarentena aguardando exame médico. No local, hoje existe um museu com o registo de todos os emigrantes chegados por navio.

sábado, 25 de julho de 2020

AR E LUZ




AR e LUZ




Assim como de uma só semente se pode fazer uma grande floresta, também de um só germe se pode fazer uma grande epidemia - John Tyndall

 

As imagens televisivas, em tempos de pandemia, de funcionários a desinfetarem ruas, casas, praias, além da montagem de dispositivos (1) para pulverizarem todo o corpo dos funcionários  à entrada dos locais de trabalho, levou-me a ir ao fundo do meu baú das memórias retirar um livro de 1896: "A Desinfecção Pública em Lisboa, por Guilherme José Ennes, director do Posto de Desinfecção e Socio da Academia Real das Sciencias”. 

Assistia-se, nestes finais do seculo XIX, ao amanhecer da moderna medicina com figuras como Pasteur, Koch, Lister e Roux.

O relatório de G.J. Ennes sobre a desinfeção pública de Lisboa, apresentado a João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, então ministro e secretário de estado dos Negócios do Reino, que ficou conhecido na história por João Franco, é uma obra com 231 páginas que descreve minuciosa e pormenorizadamente toda a estratégia e táctica adotada, terminando com um anexo com os mapas de despesa desde 2 de Maio de 1894 a 30 de Junho de 1895, que faz inveja a muitos relatórios do nosso tempo.

A sua leitura, apesar de se terem passados 124 anos, é de todo o interesse neste contexto da pandemia que nos assola.

O livro/relatório começa com uma carta extensa a João Franco explicando a necessidade da criação de um posto e unidades móveis de desinfeção na cidade de Lisboa e do Porto para combater uma epidemia de cólera.

Guilherme Enes inicia assim a carta: "O enorme movimento scientífico, que teve por ponto de partida os trabalhos de Pasteur, e que a todos nos empuxou para a ideia e para a comprehensão dos infinitamente pequenos, avocou as attenções geraes para esta nova sciencia da desinfecção que, como não podia deixar de ser, se tornou um modo certo de augmentar as nossas forças therapeuticas".

Não sei se João Franco teria algum conhecimento de saúde pública ou das querelas existentes entre a medicina velha e a medicina nova, o facto é que autorizou a construção do Posto de Desinfeção Pública de Lisboa e a prática de desinfeções ao domicílio.

Antes, porém, G.J.Enes escreve: " Em 1892 o cholera que lavrava no meio dia da França, e que invadira a Hespanha pelo norte, manifestando-se alguns casos na Byscaia, obrigou a adoptarem-se medidas extraordinárias de saúde pública contra a ameaça de uma possivel invasão".

"Organizara-se a defeza da fronteira nos pontos interessados pelos caminhos de ferro (2) , estabelecendo-se o serviço de desinfecção pelo vapor humido sob pressão, e pensou-se em augmentar os meios de defesa em Lisboa e no Porto, ordenando e systematisando  aquelle serviço e munindo igualmente as duas cidades com os aparelhos Geneste e Herscher , como instrumentos poderosos para se conseguir a efficacia do trabalho no caso de se realizar a invasão presumida". (3)

Como a epidemia parecia estar controlada no país vizinho houve mais tempo para a construção do Posto de Desinfeção de Lisboa.

Depois de uma saga, ainda habitual nos nossos tempos, de sucessivas recusas a ceder um terreno para a construção do dito Posto, desde a Câmara, o Instituto Industrial e a cerca do convento de Santa Joana, o problema só foi desbloqueado quando João Franco assume a chefia do governo (4). Altura em que determinou a posse da propriedade do terreno do extinto convento das Francesinhas. 

"Estava, pois, vencida a principal difficuldade, atacada em 14 de outubro de 1892, isto é, consumidos duzentos cincoenta e cinco dias em um negocio tão util, tão simples e, apparentemente, de tão facil resolução; e sabe Deus quanto mais o seriam, se não fôra o ministro actual havel-o tomado a peito, tratando-o pessoalmente."

Como eu reconheço este nosso país !!

A construção do Posto obedeceu aos seguintes critérios, assim descritos:"(…) assentar em bases duradoiras e adaptar a desinfecção official a um typo singelo, economico e efficaz, a precisão de submetter a inconstância e instabilidade da opinião pública n'estas materias para não regatear o preço da desinfecção (…) como não regateia o dos serviços dos incendios, pois que o fogo destroe-lhe os haveres, e as doenças contagiosas destroem-lhe a familia".  Ao mesmo tempo o responsável pela desinfeção em Lisboa tinha que educar todo o pessoal e particularmente os desinfectores porque as epidemias não esperam.

O relatório refere, com toda a justeza, o auxílio valiosíssimo do engenheiro do Posto, António Jorge Freire, e retrata a visão de um trabalho de equipa, com esta citação: "E, se é uso dizer-se que em construções sanitárias o medico é a cabeça (…) e o engenheiro o braço(…) a verdade manda dizer que não foi assim no caso presente, e que a expressiva phrase franceza: deux têtes dans le même bonnet, é a que melhor se aplica" (6)

O edifício foi construído num recinto fechado e isolado das habitações particulares. Situado "no centro de gravidade da população de Lisboa e confinado com o bairro populoso e pobre da Esperança (…) um logar no centro de população densa em taes condições era tudo quanto podia desejar-se para o estabelecimento de um Posto de desinfecção publica (…). E convencido estamos de que, em nenhuma cidade da Europa, (…) se encontram estes em condições iguais".

Para a redução de custos, problema constante do nosso país, o que estava previsto no plano geral para três edifícios foi restringido a um edifício (depósito de desinfetantes e arrecadação, cocheira, administração, residência do empregado, cavalariça).  

Conseguiu-se uma separação entre zona limpa e suja, assim como desligada das habitações próximas. Cito: "Os principios gerais a que deviam subordinar-se todas as obras eram: casas amplas, cheias de luz, ventilação cruzada e circulação constante de ar. Ar e luz! Eis os dois poderosíssimos agentes microbicidas que queriamos ter sempre à nossa disposição, na lucta diaria contra os elementos morbigenos".

Relativamente à descrição do fardamento do desinfectador (nova profissão criada), - ver desenho - realço um pormenor, a protecção respiratória, que não figura no desenho, era uma máscara de esgrima, forrada com uma fina camada de algodão que se queimava sempre depois das operações de desinfeção.

Foi uma invenção lusa com a vantagem sobre o respirador alemão de cobrir toda a face e cabeça. O arquétipo da nossa atual e profusamente fabricada  viseira de proteção.

Todo este processo de desinfeção no Posto ou no domicilio estava suportado por uma "boa lei de desinfecção obrigatória, popular e viavel, porque põe em coalisão interesses scientificos e sociais, e habitos arreigados, não é um problema fácil” e a nossa  "(…) é reconhecidamente a melhor lei de desinfecção obrigatoria que existe na Europa".

Ainda hoje se continua a colocar o problema das liberdades individuais com que na altura se confrontava a saúde pública. Dou a palavra ao Dr Chautemps, conselheiro municipal de Paris, que a propósito do isolamento dos doentes contagiosos, que o relator desta obra cita: "Si libéral que nous soyons, il est une liberté pour laquelle nous avons ne nous sentir aucune tendresse, c'est la liberté de répandre la mort autour de soi”.

"No periodo a que se refere este trabalho, desinfectaram-se no Posto 154.395 peças de roupa e 1.563 artigos funerarios, e praticaram-se 866 desinfecções domiciliaries”. A doença só se repetiu apenas num  caso, e nenhum empregado ou familiar contraiu a doença.

Depois de vários considerandos sobre os produtos existentes para desinfeção, para os quais o pessoal do Posto estava preparado, que iam desde o miolo de pão, aplicado em casa ricas cujas paredes eram forradas a papel, ou em outra "guarnição rica" -  operação morosa e muito delicada  - até à creolina.

Com o miolo de pão húmido, sem estar muito duro ou mole, procedia-se à fricção, reunindo por meio de vassoura húmida e sem levantar poeira as migalhas que caíam no chão, e queimando-as no fim da operação.

O professor Ziemssens viu uma vez serem precisos 15 dias para desinfetar uma sala grande. Assim, rapidamente, substituiu a vassoura por uma esponja fina, contrariando a opinião dos seus colegas alemães.(6)

Voltando ao nosso burgo, aqui optou-se pela desinfeção sulfurosa por ser um processo económico e prático, segundo o nosso relator. Para tal tinha de se criar uma câmara sulfurosa (soufrière) numa casa, coisa bem simples  segundo a opinião de G.J. Enes.(7)

"Uma casa qualquer, sem janellas, calafetada de modo que o seu ambiente não possa comunicar com o ar exterior, com uma porta só que una completamente, e com uma abertura  ou chaminé de tiragem no tecto que se possa cerrar hermeticamente, quando convenha, e abrir a seu tempo para despejo de gaz, está logo convertida n'uma excellente soufrière".

Segundo uma lei de 28 de abril de 1894, era obrigatória a desinfecção nas seguintes doenças contagiosas:

Cholera e doenças choleriformes, febre amarella, peste, variola e varioloide, escarlatina, febre miliar, diphteria (croup e angina diphterica), febre typhoide, typho exanthematico, dysenteria epidemica, infecção puerperal (quando não seja exigido o segredo por motivo de gravidez) e por último Tuberculose.

“(…) porque o passado não está todo inevitavelmente morto, (...) porque o progresso é uma evolução e não deve ser revolução (…)".  G.J. Enes. Conceito que foi e ainda é muitas vezes esquecido.

Quase 50 anos depois, com o aparecimento das vacinas e antibióticos, os médicos pensaram, com uma certa dose de sobranceria, que o combate aos infinitamente pequenos estava ganho. Os antibióticos matavam todos os micróbios e as vacinas proteger-nos-iam de todos os vírus. A resistência aos antibióticos começou a surgir, devido ao abuso desta arma terapêutica e quando das epidemias da SIDA, Ébola, Zika, Dengue e agora o SARS-CoV-2. Ficámos desarmados, não existiam vacinas

Tivemos e temos de reaprender hábitos e atitudes que as nossas mães e avós nos ensinaram e que a maioria tinha esquecido ou não tinha transmitido às gerações mais novas. Lavar as mãos de maneira eficaz antes de comer ou depois de ir à casa de banho são hábitos que, infelizmente, nem sequer na escola se está a ensinar. Tossir e espirrar protegendo com a prega do cotovelo. Basta andar pelas ruas da cidade e sentir quantas vezes nos tossem em cima ou cospem para o chão. Ar e Luz são fundamentais no arejamento das casas. Mas só quem não fez domicílios acredita que é um hábito da nossa gente. Mais difícil ainda é combater o medo atávico das correntes de ar!

Temos de mudar de paradigma perante o sucesso da biomedicina, temos de contrapor a sociopsicomedicina, a saúde pública e a ecologia.

Hoje fala-se da microbiota, ou seja o equilíbrio que nós temos com todas as bactérias que coabitam connosco, existentes na nossa pele, boca e intestinos. Somos indivíduos simbióticos.

Temos de viver em equilíbrio com o nosso ecossistema e é por isso que a desinfecção, ou melhor, a esterilização das ruas, transportes, praias ou as fumigações de desinfectantes à entrada dos serviços podem causar o aparecimento de mais bactérias,  vírus e fungos novos. Temos de respeitar os ecossistemas.

Quem nos mandou meter com os morcegos!

No estado actual, os conselhos continuam a ser o lavar bem as mãos (o Posto de Desinfeção tinha um chuveiro e uma banheira para os desinfetadores usarem no fim do dia depois de despirem os seus fatos de proteção), desinfetar os puxadores das portas e casa de banho, usar máscaras em ambiente fechado e respeitar o distanciamento social.

Se depois desta pandemia ficarmos mais solidários (preocupados com os outros) e mantivermos regras de higiene pessoal no local de trabalho e dentro de  casa será já um grande ganho.

 

________________________

(1) Antisséptico/desinfectante de acção rápida e eficaz contra bactérias, fungos e vírus, cujo ingrediente activo é um amónio quaternário de 2ª geração - DIDECYLDIMONIUM CHLORIDE.

 (2) "(…) as entradas do país, por Elvas, ramal de Cáceres, Castelo de Vide, Vilar Formoso, Barca de Alva e Valença (…)" .

 (3)Ontem como hoje, utilizaram-se expressões como defesa e invasão, sugerindo um estado de guerra.

(4) João Franco já manifestava tendências autoritárias, proclama mais tarde a ditadura, em 1907.

(5)Mudanças do tempo: hoje o médico poucas palavras tem a dizer nas obras sanitárias 

(6)Talvez a sala de um nobre da corte de Guilherme II.

(7)Posto ficou muito mais barato que os construídos em Berlim e Londres.


 

****** O respirador alemão era feito de um pedaço de esponja fixa em cujas extremidades se pegava uma tira de caoutchouc.











 


sábado, 18 de abril de 2020

Geolocalização







Geolocalização Móvel Medos e Perigos

O medo atávico do contágio tentou desde tempos imemoriais identificar os doentes sobretudo nos tempos de epidemias. Assim foi na Idade Média, com a peste, em que os doentes eram obrigados a movimentarem-se com um sino amarrado ao tornozelo para avisar as outras pessoas.   Hoje, em pleno século XXI, com os meios de comunicação que chegam a milhares de pessoas, com imagens televisivas assustadoras de enterros em massa e de hospitais cheios de doentes em corredores e hospitais de campanha, como se de uma guerra mundial se tratasse e a agravar esta situação o desconhecimento científico do novo vírus e das suas formas de contágio leva a um pânico generalizado e compreensível.
Esta pandemia pôs na ordem do dia a questão ética se se deve denunciar as pessoas infectadas pelo COVID. Autarcas querem possuir esses dados referentes aos seus munícipes, chegando a dizer: "andam umas bombas relógio à solta que deviam estar em casa (…) portanto o estado de emergência devia ampliar as condições – só que as entidades são obtusas para entregar os dados individuais dos positivos (…) eu entrego os dados em envelope fechado à Polícia Municipal (…)”.
(Antena 1, 11.04.20).
Na Idade Média colocava-se um sino, hoje com a tecnologia avançada made in China coloca-se um chip.
A aplicação no telemóvel para identificar os infetados com o novo coronavirus começou na China e foi seguida pela Coreia do Sul e Singapura. Há anos que os informáticos chineses tinham à sua disposição  centenas de milhões de caras para treinar os seus computadores no reconhecimento facial, o que se tornou muito útil para resolver problemas diários como compras no supermercado, transportes, entrar nos prédios, pagar as contas nos restaurantes ou ainda retirar dinheiro do banco. Basta fazer um scanner no código de barras  e mostrar a sua cara na caixa. Aí, uma câmara inteligente reconhece-a e valida as suas compras. Daí a usar uma aplicação no telemóvel para identificar e seguir os COVID positivos  é uma brincadeira de crianças.
O medo está a levar países europeus (Itália e Espanha) a fazer contratos com start-ups chinesas e coreanas para identificarem e seguirem os seus concidadãos portadores do novo coronavírus, o que permite a qualquer um identificar se está próximo de um infetado, se existe alguém na sua rua ou no seu prédio com o vírus. O reverso da medalha consiste no saber se esta aplicação irá servir para vigiar os cidadãos a fim de criar uma sociedade de controle, verdadeiro Big Brother, que ultrapassa toda a imaginação de Aldous Huxley ou de George Orwell.
A memória é curta, mas todos este países assinaram em 1948 a Declaração Universal dos Direitos Humanos que diz no seu artigo 12, cito: "Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a protecção da lei".
Este conceito abre as portas a outros direitos online e offline, como o direito à não discriminação
A Liberdade é o bem mais precioso que os povos conquistaram e o nossa foi alcançada há 46 anos.
A História ensinou-nos que nada justifica a interrupção da Liberdade, seja para satisfazer a fome, combater a desigualdade ou, como agora, ter mais segurança
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Lisboa,17 de Abril de 2020
Jaime Teixeira Mendes
Cirurgião Pediatra

CRISE SANITÁRIA CRISE ECONOMICA



 CRISE SANITÁRIA CRISE ECONÓMICA




Retomo a escrita neste blogue um mês depois de ter sido declarada, pela OMS, a pandemia de um novo coronavirus altamente contagioso que se iniciou em Whuan, na China
Em Portugal como em quase toda a Europa para fazer fase a esta pandemia foi declarado um regime de excepção obrigando a um isolamento com distanciação social.
Portanto, estamos eu a Teresa e a Luísa confinados na nossa casa de Casais de Aroeira, situada a 7km de Santarém.
Existe um consenso quase mundial para se tomarem estas medidas de confinamento com consequências desastrosas para o pequeno comercio e sobretudo para milhares de trabalhadores que já sofrem a situação de desempregados.  Contrariando este consenso quase mundial e atacando as decisões da OMS estão os Presidentes dos Estados Unidos da América e do Brasil- Donald Trump e Jair Bolsonaro.

Vou postar aqui o comunicado que a Associação Médica pelo Direito à Saúde enviou para a imprensa.

COMUNICADO

A Associação de Médicos pelo Direito à Saúde (AMPDS) condena publicamente o Presidente dos Estados Unidos da América, Donald Trump, por suspender a contribuição do país à Organização Mundial da Saúde (OMS).
Ao mesmo tempo apoia a posição do secretário-geral das Nações Unidas, da União Europeia, da União Africana e de diversas nações entre as quais Portugal que consideram não ser o momento para fragilizar a organização.
No momento em que existem mais de dois milhões de casos confirmados no mundo e 133 mil mortes, em 193 países e territórios, Donald Trump acusa a China de “má gestão e ocultação da disseminação” da pandemia do COVID-19 e ordena “a suspensão, por um período entre 60 a 90 dias, do financiamento para a Organização Mundial da Saúde enquanto estiver a ser conduzido um estudo para examinar o papel da OMS na má gestão e ocultação da disseminação do novo coronavírus".
Neste momento os EUA são o país que regista o maior número de mortos por COVID-19, estimado em quase 26 mil mortes, dos mais de 600 mil casos confirmados, 2.200 das quais nas últimas 24 horas, apesar do presidente norte-americano ter minimizado desde o princípio as consequências da pandemia.
O director da revista médica The Lancet,  o médico britânico Richard Horton, classifica a decisão de Trump como  “um crime contra a humanidade” e “uma traição atroz contra a solidariedade global”.
Richard Horton afirma que “todos os cientistas, todos os trabalhadores da área da saúde, todos os cidadãos devem resistir e rebelar-se contra esta traição atroz contra a solidariedade global.”
Deste modo, a AMPDS junta-se a todos os que condena a atitude do presidente dos Estados Unidos que considera um crime humanitário.

O presidente da AMPDS
Jaime Teixeira Mendes

Lisboa, 16 de Abril de 2020