terça-feira, 17 de outubro de 2017

In MEMORIAM II

IN MEMORIAM II


ABÍLIO MENDES NO CONSULTÓRIO DA ANTÓNIO AUGUSTO DE AGUIAR

Na aurora (2)

Na primeira parte deste artigo destaquei a importância do desenvolvimento dos sentidos entre eles o tacto.

Passo a transcrever a continuação da primeira parte do artigo publicado no nº 16 de Julho de 1965 do Boletim do Clube do Pessoal da Companhia Nacional de Electricidade ( CNE) actual EDP.
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"...De todas as expressões da criança que atestam a mais rápida maturidade dos seus sentidos, são, sem dúvida, aquelas que se evidenciam na mão que vêm marcar o mais luzido progresso do Homem de amanhã. Nascendo de mãos abertas num oferecimento da sua solidariedade, executa movimentos síncronos, à esquerda e à direita, testemunhos de um equilíbrio potencial dos hemisférios cerebrais. O espectáculo dos trabalhos de iniciação plástica da criança de hoje auguram provavelmente um progresso futuro das capacidades intelectivas no homem de amanhã. E assim veremos quanta responsabilidade cabe à tarefa educativa da primeira infância. Todos os seus gestos indicam um interesse pelo conhecimento táctil. Mais ou menos rápidos e vibrantes, a principio, tornam-se mais rítmicos e ordenados depois. Cada célula que se acende no cérebro associa-se a outras e muitas outras, impondo as limitações justas.

Cabe a cada Mãe estimular ou suavizar os seus movimentos, ajudando a moderar um impetuoso ou a acelerar um pachorrento.  Um cerebrotónico ou um somatónico têm solicitações pedagógicas adequadas.

Ao fim da fase parasitária, à entrada do 2º trimestre, a criança constata que os movimentos dos dedos são impulsionados por uma vontade que se define. Assim, a visão, o tacto e os primeiros gestos condicionados dos deditos vão estruturar uma primeira noção de relevo. E a pouco e pouco o espaço será delineado em trajectórias percorridas repetidamente, sem descanso, no objectivo de quem conquista o desconhecido. A criança dá-nos deste modo o testemunho do seu alcance visual.

É necessário começar também a aguçar o seu gosto pelos alimentos. Comer à colher os seus alimentos ricos em vegetais, é estimular o desenvolvimento de sistemas auto-reguladores da mastigação, insalivação e deglutição. Tudo será feito com o cuidado de quem ensina a tornar vivo o paladar num saboreio constante das refeições mais variadas, agora. Não será um glutão como não será um insípido. De face esguia e olhar vivo, a criança começa a formar a sua mímica, de molde a abandonar a expressão balofa do menino que mama. A saliva crescente nesta idade será gasta na digestão dos alimentos que permanecem algum tempo na boca. A deglutição far-se-à automaticamente pelas goteiras laterais da faringe e o estômago tomará então uma nova forma, menos deitado e de sístoles mais ritmadas. A forma do ventre do menino e a base do seu tórax dependem muito da maneira como são tomadas as suas refeições e do respeito dos intervalos digestivos.

Começa, portanto, a formar-se a independência da criança e eis-nos chegados às primeiras matinadas.



sábado, 14 de outubro de 2017

Nacionalismos

Ver parte da região catalã em França.  Pirenéus Oriental



Nacionalismos
Habla castellano! Habla Castellano! Habla Castellano ! Popoo! Popoo! Popoo! chamada desligada
Estávamos em casa do Torres, colega do meu irmão Abílio no colégio. Eu devia ter uns dez anos e nunca mais me esqueci.
O Torres era um catalão que vivia no Estoril, como os condes de Barcelona1, mas além desta coincidência (?), era o melhor guarda-redes de andebol do Colégio Infante Sagres. Admirava-o pela sua destreza e os voos espetaculares na defesa à baliza apesar da sua forte constituição, que hoje seria mesmo classificada de obesidade.
Um dos seus entretimentos era irritar as meninas do PBX 2 em Espanha (nos anos 50 todos os telefonemas passavam por telefonistas em centrais telefónicas manuais ) quando  telefonava para a sua avó, em Barcelona, e falava em castelhano.

Franco, o ditador, tinha proibido a língua catalã, falada ou escrita, em toda a Espanha. O fascismo tinha saído vencedor e todo o poder ficou centralizado em Madrid, de tal forma que se chegava ao ridículo de que em qualquer ponto de Espanha os marcos na estrada mostrarem sempre a distância a que ficavam da capital.  

No Natal de 1938, as tropas fascistas iniciam o ataque à Catalunha que termina em fevereiro de 1939, com duzentos mil soldados republicanos feitos prisioneiros. São interrogados, separados, e os presumíveis culpados executados. Os outros,  libertados alguns meses depois, virão a ser os párias do regime. O fim da Catalunha foi o começo do grande êxodo, são trezentos mil a fugir para a fronteira. As tropas franquistas encerram a última fronteira. Os vencidos não podem já escolher o exílio.
A 31 de Dezembro de 1939, Franco proclama: "Do que precisamos é de uma Espanha unida, consciente. É preciso liquidar os ódios e as paixões deixadas pela nossa guerra passada". Não conseguiu, com a repressão, prisão e morte nos trinta e seis anos que reinou em Espanha, tal como antes a República Espanhola também não tinha conseguido.

Juan Negrin 3, presidente do governo da Segunda República, disse em plena guerra civil:"Não estou a fazer a guerra contra Franco para que se reviva em Barcelona um separatismo estúpido e medíocre".
O presidente Azaña 4 também se mostrou profundamente pesaroso com o nacionalismo catalão pelas, segundo ele, "escandalosas provas não solidárias e de indiferença, de hostilidade, de chantagem que a politica catalã destes meses deu à República". Momentos de alta tensão viveu-se entre a coligação republicano-socialista que governava Madrid e a Esquerda Republicana, maioritária na Catalunha.
Indalecio Prieto 5 chegou a afirmar que a atitude da ERC, desde a proclamação da República, constituía " um acto de deslealdade" como nunca tinha conhecido em toda a sua vida política". Mesmo no mais aceso da guerra civil espanhola as relações entre Madrid e Barcelona foram más, como mostra a decisão dos comunistas de considerarem fora da lei o (POUM) Partido Operário de Unificação Marxista e a proclamação por Negrin da ilegalidade desta organização. Durante a clandestinidade a esquerda espanhola e o nacionalismo catalão tentaram melhorar as suas relações. Socialistas e independentistas bascos e catalães aspiravam a criar uma "Comunidade Ibérica das Nações". Sol de pouca dura! Todos os povos de Espanha e Portugal sofreram as ditaduras fascistas.

Os governos pós franquistas também não conseguiram resolver este problema dos separatismos catalães e bascos. Rajoy e o PP são os herdeiros diretos do franquismo e na sua estúpida e brutal reação ao referendo catalão (juridicamente ilegal) conseguiram fazer mais adeptos independentistas do que nos 500 anos de luta da Catalunha pela separação de Espanha.

Como declaração de interesses digo que nada me une a uma ou outra parte.
Sou apenas um cidadão português que tem participado nas lutas políticas desde o início dos anos sessenta e penso que os acontecimentos nesta região irão ter repercussões sobre o nosso país. Alguém já disse que quando a Espanha espirra Portugal estremece…
A discussão nestes últimos dias face aos acontecimentos em Barcelona centra-se nas ideias de nacionalismo, legalidade e democracia.
Nacionalismo - Sempre achei que a esquerda convive mal com nacionalismos e pelo contrário luta pela união dos povos, sempre no respeito pelas diferenças.
A comparação da Catalunha com o nosso país é ridícula. Portugal já era independente séculos antes do domínio dos Filipes e a luta pela independência foi uma necessidade da burguesia em ascensão contra a aristocracia conservadora pró-Castela, além de que durou perto de 28 anos.
A legalidade e a democracia - Não sou jurista, mas todos estão de acordo que o referendo na Catalunha é ilegal segundo as leis espanholas, hoje um estado democrático.
Por um lado uma democracia deve respeitar as suas, leis votadas pelos representantes eleitos pelo povo, mas por outro lado a lei não pode ignorar as maiorias, o que parecia não existir, mas que a resposta brutal do governo Rajoy a transformou.
Face ao choque de dois nacionalismos, o catalão e o espanhol cabe aos espanhóis ultrapassar esta crise. Se necessário rever a Constituição e realizar novas eleições.
Por que é que a parte francesa da Catalunha, hoje Pirenéus ocidental, não pede a separação do estado francês e o seu sentir catalão resume-se a puro folclore?
Julgo que é por que a departamentação em França, decidida em 1790, logo após a revolução francesa, foi uma verdadeira regionalização, ao contrário do que sucedeu em Espanha.
Assistimos à exacerbação de todos os nacionalismos quer do lado catalão como do espanhol. Esperemos que o bom senso oriente os governantes e se encontre uma formula que satisfaça ambas as partes.
Quando não se acredita mais no diálogo para resolver dificuldades comuns, só restam os atos e os tristes exemplos que nos tem dado a História.
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(1) Pretendente ao trono de Espanha e exilado no Estoril durante o franquismo
(2) nos anos 50, as centrais telefónicas eram manuais e todos os telefonemas passavam por telefonistas
(3) . Ocupou o lugar de presidente do governo de Espanha de 1937 a 1939 e de Presidente do Governo da República no exílio até 1945
(4)  Segundo e último Presidente efectivo da Segunda República Espanhola
+++++Socialista e Ministro da Segunda República Espanhola