quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

ACTO MEDICO

A LEI DO ACTO MEDICO SERÁ NECESSÁRIA?



Cant’eu não posso entender
Estes Físicos, senhor
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«Pardeos, em grande embaraço»
«Vejo eu estes Doutores»
(«Farsa dos Físicos» de Gil Vicente)

A definição do perfil profissional do médico e a sua inclusão na lei do “Acordo Colectivo de Trabalho da carreira especial médica” (Clausula 3ª do capitulo II) é um passo importante para o regulamento desta profissão.

Os sindicatos têm assim o mérito de colocar novamente na agenda política o debate sobre a Lei do Acto Médico.

O conceito de acto médico é sem dúvida muito mais amplo e, portanto, diferente do escrito no articulado acima referenciado.

O prestígio crescente da profissão médica durante o século XIX foi lento e penosamente conseguido. O «medical act» inglês data de 1858 e somente em 1884 os médicos e cirurgiões britânicos se uniram para efectuar os exames em conjunto aos candidatos a médicos, concedendo-lhes, então, um diploma em que se colocavam ao mesmo nível ambas as especialidade.

Nessa época, acreditava-se que com o progresso espectacular da Ciência, a Medicina ir-se-ia impor à bruxaria e ao charlatanismo.

Puro engano. No inicio do século XXI, há um número cada vez maior de pessoas em todo o Mundo que recorre às terapêuticas alternativas, que se definem como tendo uma visão holística do ser humano, ao contrário da visão orgânica da Medicina clássica ou Biomedicina.

A Lei do Acto Médico, ao ser publicada, em nada iria impedir o número cada vez maior de portugueses que recorreriam a terapias alternativas praticadas por religiões afro-brasileiras, vindas com a emigração, para curarem as suas dores e sofrimentos que a Medicina (Biomedicina) não trata. Só em Portugal, já existem mais de 40 terreiros onde se pratica o Ubanda, além dos curandeiros estabelecidos e vindos principalmente da Guiné, e isto sem contar com os bruxos nacionais.

Este fenómeno devia merecer a nossa atenção. Os estudiosos destes factos alertam para a necessidade de uma mudança de atitude por parte da Biomedicina. Todos nós fomos formados no modelo “one disease one pill” que funciona num número restrito de pacientes.

Calcula-se que mais de metade dos doentes que recorre às consultas de Medicina não fica satisfeito, e representa já hoje um peso para o orçamento da saúde, dado que consulta em média sete clínicos diferentes, por ano, para as mesmas queixas.

São estes doentes numerosos, insatisfeitos e infelizes, que estão englobados na patologia do “mal-estar” e que não correspondem a um modelo fisiopatológico, nem nosológico adequado e, mais cedo ou mais tarde, recorrem à medicina alternativa.

Assim, a meu ver, a Lei do Acto Médico corresponde a uma necessidade de uma classe que está em perda de poder em relação aos seus parceiros: enfermeiros, psicólogos, biólogos, farmacêuticos, fisioterapeutas, todos com licenciaturas de escolas idóneas.

Esta lei poderia servir também para controlar a entrada no mercado das outras medicinas ou terapias alternativas, como a acupunctura, osteopatia, homeopatia, reflexologia, etc. …

Em Portugal, a Ordem dos Médicos reconhece a acupunctura como especialidade, a par da cirurgia geral ou da pediatria.

A acupunctura é, por definição, uma terapia utilizada pela medicina chinesa, com uma base filosófica diferente da Biomedicna (convencional), que aplica processos específicos de diagnóstico e terapêuticas próprias. Finalmente, e o mais importante, baseia-se num estudo do corpo humano muito diferente da Anatomia do Testut ou do Rouvière.

Não venham pois dizer que só os formados pelas nossas Faculdades de Medicina podem praticar a acupunctura correctamente!

Aqui direi, como Gil Vicente na Farsa dos Físicos, “Cant’eu não posso entender estes físicos senhor».

Li, num jornal regional, uma longa entrevista com um osteopata. No decorrer do texto, o osteopata declarava não ser médico, nem doutor, mas poder utilizar os termos Dr. E. D.O., ou seja Diplomado em Osteopatia! Mais adiante esclarecia que é diplomado, num curso de três anos, pelo Instituto de Medicina Tradicional (!?), e que possuía uma pós-graduação em Osteopatia pela Universidade Lusíada, mais “um ano”, acrescentando ainda que praticou ortopedia pediátrica no Hospital dos Capuchos.

Defendo que todas as profissões devem ter regulamentos que assegurem juridicamente os seus deveres e os seus direitos e que deve haver uma entidade reguladora actuante e atenta para o bem da saúde pública. Leis não faltam neste país de doutores…

A profissão médica, em todo o Mundo, é uma profissão antiga, sólida e a melhor estruturada. Conta com códigos e agora com o perfil em lei, estando a pratica quotidiana mais do que regulamentada.

Deste modo, temo que a Lei do Acto Médico, além do termo incorrecto, seja provocatória para as demais profissões da saúde.

Como médico oponho-me a que farmacêuticos prescrevam medicamentos. Estou também totalmente contra a decisão da “Consejeria de Salud” de la Junta de Andaluzia que permite às enfermeiras indicarem até 96 fármacos, seguirem o tratamento farmacológico prescrito pelo médico de família a doentes crónicos, com a justificação que estão mais perto destes, assim como participarem na realização das pequenas cirurgias de ambulatório nos centros de saúde.

A Lei do Acto Médico não deve ser aprovada de ânimo leve e acarreta inúmeros problemas sociológicos, jurídicos e políticos que devemos estar atentos.

Este artigo tem como objectivo alertar para este problema, que não é pacífico.

Eu digo, como Aristóteles, a dúvida é o princípio da sabedoria.

A Direcção da Ordem dos Médicos devia promover um grande debate sobre estes temas, ouvindo as mais diversas sensibilidades existentes na família médica.
Artigo publicado na semana médica Outubro de 2009

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