sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

IN ILLO TEMPORE


IN ILLO TEMPORE


Quando saí do aconchego do lar, para iniciar os meus estudos, os meus pais inscreveram-me no Colégio Infante Sagres por ser um estabelecimento de ensino aonde não seria obrigado a receber aulas de religião e moral e de frequentar a mocidade portuguesa.

Nisso o meu pai fez uma boa escolha, pois eu e os meus irmãos, nunca fomos obrigados a vestir aquela farda esverdeada (tipo feijão verde) com um S de Salazar gravado no cinto. Quanto às aulas de religião e moral ministrada por um padre, o Padre Freitas, senti uma discriminação imprópria de um estado laico. Éramos apenas 3 alunos, na minha classe, que não frequentávamos essas aulas: eu, Salomão Benoliel e um Palma Carlos (pelos nomes percebe-se porquê).

A pressão sobre nós do Padre Freitas era de tal ordem violenta que uma vez o Dr. Manuel João da Palma Carlos entrou de rompante pelo portão do colégio para pedir satisfações ao dito padre pelos comentários que tinha feito ao filho.

In illo tempore, os exames da 3ª e da 4ª classe em estabelecimentos públicos eram obrigatórios. Como o Colégio Infante Sagres pertencia ao ensino privado realizei os exames da 3ª classe algures numa escola em São Sebastião da Pedreira e o da 4ª classe no liceu Camões.

Estas provas de entrada, para o ciclo liceal, eram uma verdadeira tortura para todas as crianças da minha idade, obrigados pela primeira vez a vestir fato e gravata.

As provas decorriam sempre durante o mês de Junho, normalmente em dias de grande calor.

In illo tempore, as esferográficas não existiam, o que nos obrigava a escrever com caneta tinta permanente, uma das prendas obrigatórias nos aniversários ou no Natal para grande desgosto nosso. Agradecíamos sempre com um sorriso amarelo, o estojo com a caneta de tinta-da-china, régua e esquadro que faziam também parte do arsenal obrigatório para o exame.

O mais difícil para mim foi sempre a prova de desenho, quando o esquadro esborratava espalhando a tinta-da-china, ainda não tinham sido inventadas as canetas Rotring, mas para algumas crianças o mais temível era a hipersudação das mãos, desvio fisiológico incontrolável, obrigando-os a limpar o suor regularmente com um lenço branco.

O dia do exame da 4ª classe chegou numa manhã quente daqueles anos em que o mês de Junho sugeria praia e mar e lá me vesti com o fato com calções, camisa branca e gravata a rigor.

O meu pai levou-me no seu carro até ao gradeamento do liceu Camões onde já estavam à nossa espera o professor primário e o director do Colégio.

No exame da 4ª classe, na prova de português, pedia-se para narrar uma história em que a figura principal fosse um cão.

Como citadino a única história que conhecia com cães era aquela, do Bob, que tantas vezes tinha ouvido do meu pai e acabava sempre com as gargalhadas gerais das visitas.

O Bob era um lobo de Alsácia que tinha sido oferecido ao meu pai e vivia numa quinta dos meus avós maternos na Cruz Quebrada.

O meu irmão mais velho tinha acabado de nascer e o cão, como acontece frequentemente com estes animais, vigiava o berço e o bebé e só deixava aproximarem-se os meus pais.

Um dia um amigo lá de casa foi visitá-los e quis ver o rebento da família. Não tendo feito caso dos avisos repetidos do meu pai, resolveu pegar no meu irmão ao colo. Num salto o Bob atacou-o e rasgou-lhe os fundilhos das calças, ao que ele retorquiu: - “ livra que este cão é fascista morde pelas costas”.

Ora aí estava na minha memória a história ideal para um exame de admissão aos liceus.

Quando o meu Professor da 4ª classe, o Professor Pimenta, alentejano e suspeito que também antifascista, viu a redacção, chamou o meu pai, o director do colégio e ainda um Professor do Liceu Camões, que nunca soube o nome, e lá resolveram da melhor forma o assunto.

Só me chamaram para dizer: - “Não sabes que fascista não se escreve com X?” Esse erro, de certeza, não mo tiraram.

Foi assim que entrei nos liceus e manifestei a minha primeira atitude antifascista.

1 comentário:

  1. tiozão!!!

    Altamente esta história!ehehehe

    Incrível o q as crianças tinham q sofrer para passarem de ano!!

    bjs

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