quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

COMISSÃO PRÓ ASSOCIAÇÃO DOS LICEUS

 
A COMISSÃO PRÓ ASSOCIAÇÃO DOS LICEUS


A maioria das associações de estudantes universitárias foi encerrada, nos anos cinquenta, por ordem da Ditadura. Exemplo disto foi o encerramento pela PIDE da Associação de Medicina, à época situada no Campo de Santana, com a destruição de todo o seu espólio. O ódio à cultura levava à destruição dos livros, considerados funesta influência da sociedade, o que o regime de Salazar fez sempre na boa tradição, da inquisição e do nazi-fascismo.

O associativismo em Portugal foi desenvolvido durante a primeira República, que neste ano se comemora o primeiro centenário. António Sérgio foi o grande divulgador e impulsionador da educação cívica nos liceus, exortando à participação dos alunos no governo das escolas através dos seus colegas eleitos, numa verdadeira preparação para a vida adulta em Democracia, habituando, como escreveu “as crianças à acção cívica, ao exercício dos futuros direitos de soberania…”

O seu livro “Educação Cívica “, escrito em 1915 e reeditado pela Editorial Inquérito, trinta e nove anos depois e ainda tão actual, dizia:

“ …o hábito escolar de obedecer a uma governação de que o estudante não participa amolda um futuro cidadão que aguentará apaticamente todos os desmandos, todos os abusos, todos os atropelos e traficâncias dos grandes senhores que todo lo mandam, sob políticos autoritários; ficam assim desde o tempo dos estudos determinados os nossos modos de procedimento para com o governo da comunidade….”

Salazar conhecia bem o perigo dos métodos de ensino moderno, por isso à imagem da juventude nazi e fascista italiana cria, por Decreto-Lei n.º 26 611, de 19 de Maio de 1936, a organização nacional Mocidade Portuguesa que pretendia abranger toda a juventude - escolar ou não - e atribuía-se, como fins, estimular o desenvolvimento integral da sua capacidade física, a formação do carácter e a devoção à Pátria, no sentimento da ordem, no gosto da disciplina, no culto dos deveres morais, cívicos e militares.

A ela deveriam pertencer, obrigatoriamente, os jovens dos sete aos catorze anos. Os seus membros encontravam-se divididos por quatro escalões etários: os lusitos (dos 7 aos 10 anos), os infantes (dos 10 aos 14 anos), os vanguardistas (dos 14 aos 17 anos) e os cadetes (dos 17 aos 25 anos). Estava dotada de um hino e fazia a saudação fascista de braço estendido.

A grande maioria dos jovens da minha geração (fim de anos 50 /60) era avessa a esta organização para militar, conhecida entre nós pela “ Bufa”, nome pejorativo que a identificava com um dos sentimentos mais baixos, a delação.

Foi neste ambiente que, em inícios de 1960 tive conhecimento da existência da Comissão Pró Associação dos Liceus, por um panfleto que propagandeava uma sessão de cinema no Instituto Superior Técnico. Na altura, frequentava o Liceu Francês Charles LePierre, que era uma das escolas mais liberais.

Influenciado pelos ideais de António Sérgio e com um irmão que já pertencia à Comissão Pró – Associação de Medicina, aderi rapidamente à ideia de criarmos uma Associação Liceal em Lisboa. O grupo inicial era muito pequeno, mas com jovens cheios de entusiasmo, desejosos de sair da “ paz podre” que era a vida nos liceus, onde qualquer iniciativa cultural era nado – morto.

Alguns deles já escreviam os seus textos no Juvenil do Diário de Lisboa, com a orientação de Costa Dias, outros tinham ligações ao Partido Comunista e eram mais politizados.

No verão de 1960, o Luís Garcia convidou – me para ser candidato à Presidência da Pró Associação, o que aceitei. Fui eleito numa reunião realizada na Associação de Direito, com cerca de vinte e tal estudantes. Durante o ano lectivo 60/61 o movimento cresceu muito, havendo delegados em quase todos os liceus de Lisboa, apesar da proibição imposta pela maioria dos Reitores. O ideal associativo estendeu-se também às escolas comerciais e industriais.

Abrimos uma sede numa sala do bairro S. Miguel, em Lisboa, fizemos inúmeras realizações de convívio, saraus culturais, participamos nas RIAs (reuniões inter - associações) e no Dia do Estudante de 1961, na Faculdade de Ciências, onde pela primeira vez ouvi e vi cantar o Zeca Afonso a balada do Bairro Negro.

Recordo as inúmeras viagens que fiz ao Porto, com o Carlos Mire Dores para incentivar o movimento associativo liceal nesta cidade. Hospedávamo-nos na casa do pai Barrias, que morava perto da sede da PIDE no Porto, e que acolhia todos os estudantes “associativos” que lhe batiam à porta. Lembro-me de alguns dos membros da Pró Associação do Porto: José Mário Branco, Milice, Isabel Alves Costa, etc….

Em Coimbra, onde a tarefa foi atribuida a Ruy D’Espinay, a acção era mais difícil porque os estudantes liceais, apelidados na gíria académica de “bichos”, não podiam, pela praxe, sair à rua durante a noite, o que dificultava as nossas reuniões. Imagine – se como odiávamos a praxe coimbrã!

A ideia de um movimento associativo liceal que afrontava o bastião da Mocidade Portuguesa, visto que já tinham perdido toda a influência nas Universidades - tinha de se impor no convívio com os colegas universitários, que numa sociedade anquilosada e retrógrada não via com bons olhos “os putos” a opinarem.

Fui presidente durante um ano e dirigi a mesa que, em Outubro de 1961, elegeu a nova direcção numa assembleia, muito concorrida, na Associação do Técnico. A esta eleição concorreram duas listas, uma encabeçada pela Teresa Tito Morais e outra pelo Ruben de Carvalho, com o apoio do Saldanha Sanches. Ganhou a primeira com uma votação esmagadora.

Na greve de 62, a pró associação dos liceus tinha o estatuto de observador nas RIAs, o que não impediu a grande agitação feita nos liceus por todo o país e a participação nas manifestações estudantis.

O fascismo odiava todo o movimento associativo quer de trabalhadores quer o de estudantes, por isso as tentativas de ilegalização destes movimentos foram uma constante durante o “ Estado Novo”.

A PIDE tentava sempre assimilar a comissão pró associação dos liceus com o Partido Comunista. Quando fui chamado à polícia, fui acusado de pertencer às comissões pró associações (Medicina também era pró associação). Contudo, o interrogatório focava apenas aspectos e nomes de estudantes liceais.

Na ficha da PIDE de Teresa Tito de Morais está escrito, na primeira observação, que foi denunciada por pertencer à Comissão Pró Associação dos Liceus.

Ontem como hoje, a participação dos alunos no governo das escolas - uma verdadeira educação cívica - é a vacina contra a formação de cidadãos apáticos e que aceitam todos os desmandos. Como dizia António Sérgio: -“ a escola autocrática forma cidadãos passivos que possibilitam a corrupção administrativa”.

A Pró Associação dos Liceus conseguiu os seus objectivos iniciais. Foi uma escola de exercício democrático e de cidadania, apesar da PIDE e das vagas de repressão que se abateram sobre ela. A maioria daqueles que pertenceram à sua organização vieram a ser cidadãos honestos e amantes da liberdade, independentemente dos caminhos que seguiram.





Posted by Picasa

3 comentários:

  1. vidas dignas de um filme! Não sei se sonhei mas ouvi dizer que querem acabar com as associações de estudantes nas escolas, porque será?...

    ResponderEliminar
  2. Que bom que alguém fala destas coisas. Ainda bem que começas-te com o blog.Sabes que és seguidor do blog do companheiro da minha filha? Alberto Gourgel. O mundo é pequeno.

    ResponderEliminar
  3. A memória da malta é muito curta, não pares de escrever...

    ResponderEliminar