O País sempre foi padrasto para aqueles que, por uma ou outra razão, viveram no estrangeiro.
Hoje encontrei mais uma pessoa que tem os dois filhos licenciados a trabalhar no estrangeiro. Disse-lhe que até era bom para eles, viam outros mundos, abriam-se-lhe novos horizontes, levavam um banho de modernidade e cultura, etc etc... Mas não convenci a triste senhora, que assim não via os seus netos crescerem com a frequência que desejava. Mas o seu argumento mais forte foi: - e depois? o regresso? Será que não fazem falta ao país?
Estes dois irmãos, que eu vi pequeninos no consultório, são hoje economistas com mestrados feitos em Portugal e um está no Banco Mundial em Nova Iorque e a outra em Londres no FMI, segundo percebi. São, pelo menos, seis jovens portugueses que eu conheço a trabalhar nestas instituições internacionais.
Mas há muitos mais, e cada vez, jovens licenciados impedidos de trabalhar no nosso país devido aos lobbies instituídos pelas diversas corporações que têm de partir para o estrangeiro.
A situação dos estudantes de medicina no estrangeiro, que conheço melhor, dá razão a esta avó: o regresso vai ser difícil.
Devido ao numerus clausus, nas faculdades de medicina, inúmeros jovens estão a tirar este curso no estrangeiro, espalhados por Inglaterra, Espanha, República Checa. Só em Pilsen estudam cerca de 150. Como está mais que provado a relação entre altas classificações no curso liceal e bons médicos não é directamente proporcional.
A Ordem dos Médicos, com o apoio do Ministério, já veio alertar que quando estes estudantes regressarem só podem concorrer às vagas de especialidade que não foram preenchidas, o que quer dizer que primeiro escolhem os nacionais residentes e só depois os estrangeirados.
Isto num país que diz ter falta de médicos, e que tão maltrata os médicos estrangeiros, maltrata agora também os seus nacionais formados noutros países.
Habilmente, a Ordem ladeou as normas europeias e instituiu um exame de “comunicação” para todos estes médicos, havendo a possibilidade de os impedir de exercer a profissão em Portugal por razões linguísticas. Contam as más-línguas que num destes exames foi reprovado um estudante açoriano, tendo sido obrigado a atrasar a entrada na vida profissional.
Assistimos agora também à fuga dos médicos dentistas recém formados, principalmente para Inglaterra, devido a um lobby vergonhoso de um grupo de dentistas residentes que impedem a instalação dos novos, proibindo-os de contratar convenções com as seguradoras.
Ainda me lembro da Embaixada dos Estados Unidos recrutar médicos na Faculdade de Medicina de Lausana na época da caça aos cérebros promovida por este país.
Mas o nosso país sempre tratou mal aqueles seus filhos que se formaram noutros países, pobre pequeno país, de mentalidades tacanhas e invejosas.
Vejamos o que aconteceu ao longo da nossa História!
“Estrangeirados era um nome pejorativo que era dado em Portugal aos intelectuais portugueses dos finais do século XVII e particularmente no século XVIII, o século do Iluminismo, que tinham vivido no norte da Europa ou que tinham tido contacto com novas ciências, desconhecidas em Portugal e que por terem tomado contacto com uma realidade estrangeira mais "moderna" (liberdade de pensamento, revolução científica, secularismo, democracia, nascer do capitalismo) eram desprezados por sectores influentes da sociedade portuguesa, católica conservadora, autocrática, que ainda menosprezava as ideias da Europa protestante”, segundo a Wilkipedia
Um dos mais conhecidos foi Luís António Verney (1713- 1792), autor do livro “ O Verdadeiro Método de Estudar”.
A pedido do rei D. João V, Verney inicia a sua colaboração com o processo de Reforma Pedagógica de Portugal, contribuindo inquestionavelmente para uma aproximação profícua com os ventos do progresso cultural que animavam os espíritos iluministas dos europeus mais progressistas. Devido a problemas de saúde e, principalmente, devido a incompreensões por parte dos seus compatriotas, nomeadamente os cortesãos e o Marquês de Pombal, parte definitivamente para Roma, onde vive até ao fim dos seus dias. (Wikipedia)
A razão desta prosa deve-se ao tratamento que ainda se faz ao acolhimento dos emigrantes.
O emigrante português em geral é apenas visto como um motivo de receitas e o seu regresso e integração são mesmo desaconselhados.
Nem todos os emigrantes são os da “valise de cartão”, isto sem nenhum sentido pejorativo, e aqui presto-lhes homenagem e ao seu sofrimento nos vários “bidonvilles” das cidades onde ajudaram a construir o futuro desses países.
Quero aqui referir-me aos intelectuais, descendentes mais directos de António Verney, aqueles que os outros países abrem os braços, naquilo que já foi chamado a caça aos cérebros.
A implantação do fascismo em Portugal levou muitos intelectuais a ter de sair do país, o número dava para encher várias páginas.
Os exilados começam logo a seguir ao inicio do “Estado Novo”, com membros do findo Partido Democrático que fundam em Paris a Liga da Defesa da República juntamente com Álvaro de Castro, José Domingues dos Santos, Jaime Cortesão e António Sérgio.
Alguns destes morreram no exílio, como Afonso Costa, outros regressaram a Portugal, tendo Jaime Cortesão participado activamente na Guerra Civil de Espanha com o grupo Buda.
Na Guerra Civil espanhola distingue-se Emídio Guerreiro (1899 a 2005), professor de Matemática no Porto. Combateu nas brigadas internacionais, como muitos portugueses, e depois no “maquis” em França, leccionou Matemática em Paris. Regressou no 25 de Abril e aderiu ao PPD.
A expulsão, de uma assentada, de 21 professores com famigerado decreto 35 317 foi a grande machadada que o fascismo deu na intelectualidade portuguesa e levou a que muitos tivessem de emigrar.
Entre estes foram o caso de alguns do designado núcleo da Matemática, Física e Química, como Ruy Luís Gomes, que foi docente numa universidade na Argentina e na Universidade de Pernambuco, no Recife. Nesta universidade leccionaram os portugueses: José Morgado, Alfredo Pereira Gomes e Manuel Zaluar Nunes. José Morgado só em 1979 foi reintegrado como Professor Catedrático na Universidade do Porto. Aniceto Monteiro leccionou no Brasil e Argentina. Todos regressaram a Portugal depois do 25 de Abril e as Universidades portuguesas reconheceram os seus valores. Mas por exemplo Aniceto Monteiro, segundo me contaram familiares, ficou muito entristecido com o acolhimento na sua Pátria e regressou à sua Universidade na Argentina, onde veio a morrer. Manuel Valadares, um dos pioneiros portugueses em Física Atómica e Nuclear, ficou a viver e a leccionar em França. Rémy Freire, outro do grupo das matemáticas, leccionou em Curitiba, Brasil. Em abono da verdade, apesar de com alguns atrasos, todos acabaram por ser reconhecidos após o 25 de Abril e condecorados. Em contrapartida, a lista de exilados de outras áreas, como Rodrigues Lapa, é enorme e muitos desses ficaram esquecidos.
A reintegração, a todos os títulos justa, de muitos destes Professores Universitários deveu-se ao facto da Assembleia da República ter votado uma lei que reintegrava na função pública todos aqueles que tinham sido expulsos por motivos políticos. Ou este não fosse o país das leis! Mas mesmo com leis as corporações não foram vencidas.
Nessa lei ficava de fora a grande maioria dos exilados dos anos 60 e 70. Jovens universitários por perseguição política ou por recusarem-se a combater na guerra de África não podiam ter sido funcionários públicos.
A estes exilados, o Estado, estrutura anquilosada e reaccionária, e as corporações levantaram todos os entraves à admissão na função pública.
Como anedota, que não o é, conto a história de um exilado que fugiu de Portugal perseguido pela PIDE e que voltou no 25 de Abril de 74, passados 15 anos. Tinha trabalhado na Suíça, Bélgica e depois Brasil. Quando da aplicação da dita lei foi reintegrado no mesmo lugar administrativo de um hospital psiquiátrico, na mesma mesa e na mesma cadeira que abandonara 15 anos antes. Ele dizia, com graça, que até os malucos eram os mesmos.
Por questão de pudor não irei aqui falar do meu caso. Durante a minha transcrição do caminho de Salomão - que por agora parou em Figueira de Castelo Rodrigo - acabarei por abordar o meu regresso porque, ao contrário do Elefante, resisti ao frio dos Alpes e voltei a Portugal.
Cito apenas os casos que se passaram com médicos portugueses exilados que regressaram ao país no 25 de Abril.
À excepção, diga-se em abono da verdade, do Serviço de Pediatria de Coimbra, que acolheu o António Torrado, já falecido, reconhecendo o excelente trabalho realizado em prol da assistência às crianças a nível nacional. O Torrado contou - me que tinha primeiro colocado os seus préstimos em Lisboa, cidade de onde era oriundo e onde se situava a Escola Médica que o formou, mas os directores dos diversos serviços de Pediatria da capital prescindiram do seu currículo como pediatra na Suíça e nos Estados Unidos. Surge-lhe então um convite de Coimbra, penso que em muito devido ao saneamento que tinha sido feito ao Professor de Pediatria Santos Bessa, que acumulava à data com o lugar de deputado à Assembleia Nacional, e também à abertura de espírito de Professor Carmona da Mota, regressado na altura de Inglaterra. Mais tarde foram para Coimbra outro ex exilados médicos como Luís Lemos, Gabriel Tamagnini e Henrique Delgado Martins.
Este último foi o primeiro ortopedista infantil em Coimbra e no período em que lá trabalhou formou vários ortopedistas, entre eles Jorge Seabra, figura de destaque nacional na ortopedia pediátrica. Quando abriram vagas para ortopedia, este médico ortopedista pela Federação Médica Helvética, que trabalhou em grandes centros, considerados internacionalmente, em França, Inglaterra e no Brasil, foi obrigado a repetir o internato de ortopedia. Rompeu com os Hospitais de Coimbra e veio para Lisboa, para o Hospital de São José, onde terminou a carreira como Director do Serviço 3 de Ortopedia. Já reformado foi homenageado num Congresso de Ortopedia em Portugal.
Outro médico Neurologista, formado na Suíça, teve de passar por um célebre concurso no Porto, onde obteve a classificação de dez valores. Um dos membros do Júri deu-lhe zero, obrigando o outro a dar 20 valores.
A “burrocracia“ ou a inveja dos seus e meus pares entravavam sempre, tivesse o exilado sido formado no Canadá, na Suíça, na Suécia ou na Checoslováquia, etc.. Os seus curricula não eram reconhecidos, obrigando-os a repetir a formação em Portugal!
Neste caso estão Pedro Lemos, cirurgião vascular, e Victor Branco, anestesista, médicos a exercer no Canadá que tiveram que regressar a esse país que os tinha acolhido. António Barbosa (já falecido), formado em urologia pela Faculdade de Medicina de Praga, teve de repetir toda a formação em Lisboa e terminou a carreira como chefe de serviço.
Nos exilados que estudaram Medicina isto foi recorrente e aconteceu em muitos casos, contrastando com outros das “chamadas boas famílias” da Medicina portuguesa, que após dez anos nos States são recebidos com tapete vermelho e clarins com bilhete directo para Professor e Director de Serviço.
Muitos médicos e outros profissionais ficaram no estrangeiro. Para quem ainda não conhece, aconselho a leitura do livro “À Espera de Godinho“, escrito por quatro exilados que ficaram na Bélgica, onde todos atingiram o topo nas suas carreiras.
No outro dia contaram-me uma situação caricata passada na altura da ministra Leonor Beleza. Para se aconselhar, Leonor Beleza teria convidado um especialista sueco em Psiquiatria. A Suécia enviou-lhe um médico português, refractário da guerra colonial, que na Suécia chegou ao topo da carreira.
Alguns, agora reformados, são finalmente convidados como peritos em diversos campos da medicina como palestrantes. É óbvio que agora não fazem sombra a ninguém e assim podem ser bem recebidos pelas Faculdades.
Nos anos 60, os Estados Unidos foram acusados de praticarem a caça de cérebros. Portugal tem tido uma política contrária, a expulsão destes.
A causa, no meu ponto de vista, é a defesa corporativa mesquinha e invejosa que este pequeno rectângulo não se consegue ver livre e assim tem sido desde o século XVII.
Os exilados regressaram na sua maioria no 25 de Abril de 1974 com o sonho de transformar este país num país melhor. Foi pena que muitos tivessem tido de voltar para trás. Prosseguindo esta politica, a maioria dos novos estrangeirados não irá regressar, direi mais, os melhores ficarão nesses países que lhes deram a oportunidade de se formarem como médicos.
Realmente cada vez me envergonha mais o País em que vivo, conheci também colegas meus "os marrões" que iam para medicina só para provar que eram os melhores alunos a tudo e quando se deparavam com sangue ou um cadáver caiam para o lado... , não haveria alunos medianos que poderiam ter sido grandes médicos se não fosse o terror dos numeros clausus... a prova disso são os que tiraram o curso fora e venceram nos paises que acreditaram neles.
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