segunda-feira, 22 de agosto de 2011

MORREU BEATRIZ CAL BRANDÃO


Decorria o mês de Fevereiro de 1965 quando conheci o casal Cal Brandão.

Perseguido pela PIDE e querendo fugir para o estrangeiro estava escondido em casa amiga no bairro da Boavista, esperando as condições necessárias para passar a fronteira a salto. Por razões alheias à minha vontade fui obrigado a sair rapidamente desse abrigo.

Depois de uma viagem atribulada pelo Minho, desde Viana até ao Porto, em que as portas de muitos antifascistas se fecharam, vim parar à célebre moradia de Gaia dos Cal Brandão.

Acolheram-me imediatamente, sem saberem a minha verdadeira identidade, era apenas um jovem fugido à polícia que precisava de ajuda.

Para eles eu era o César, pseudónimo que utilizava à época.

Na casa de Vila Nova Gaia, com o seu grande jardim convivi intensamente quase durante um mês com Beatriz Cal Brandão. A memória que guardo é de uma senhora carinhosa, muito simples e de trato fácil. Foi para mim uma segunda mãe que muito me ajudou numa situação difícil.

Beatriz pertencia àqueles portugueses que arriscavam a sua liberdade para proteger outros perseguidos políticos com um sentido de solidariedade.

Na sua casa passaram inúmeros jovens que se escondiam da PIDE, quer por motivos políticos quer por se recusarem a combater na injusta guerra colonial.

Só muito mais tarde é que Beatriz e Mário, vieram a saber que tinham escondido o filho de um dos seus amigos e correligionário desde a juventude, Abílio Mendes.

Beatriz e Mário Cal Brandão não morreram, ficam para sempre gravados na minha memória.

Nas notas secas dos obituários, a figura de Beatriz Cal Brandão, está registada como uma das fundadoras do Partido Socialista, a primeira mulher a licenciar-se em engenharia química e ex presa política.

Após o 25 de Abril, foi eleita deputada pelo PS, exerceu funções durante várias legislaturas e foi a primeira deputada a defender, no Parlamento, o direito ao aborto.

Morre aos 97 anos.

Morre como viveu sem grandes parangonas nos Jornais.









1 comentário:

  1. Obrigada por nos contar mais uma história de vida. É sempre com muito interesse que leio estas, e outras, desse tempo.
    É claro que estas pessoas nunca morrem, não podem. O sr Jaime acabou de lhe prestar uma grande homenagem contando-nos que esta senhora deu abrigo a jovens, sem saberem de onde vinham, quem eram...
    Está mais do que provado que o altruísmo e a força de carácter não se compadecem com as "grandes parangonas nos jornais", como escreve e nem precisam delas para nada.
    Como escreveu um dia Saint-Éxupery, não existe nada mais verdadeiro do que a sua famosa frase: "o essencial é invisível aos olhos"

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