segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

MEMORIAS


O MÊS QUE MUDOU O RUMO DA MINHA VIDA


Uma noite, nos inícios de Dezembro de 1964, pela última vez, ia levar o funcionário do Partido para um encontro clandestino. Durante um ano transportava-o no carro dos meus pais e por vezes de pessoas amigas que me "desenrascavam" à última da hora. No último encontro que tive com ele falámos sobre a minha ligação à organização, assim como de quem me iria substituir nesta tarefa de transporte.

Moreira pediu-me para conduzi-lo a um encontro em Benfica e vir buscá-lo, ao jardim de Carnide, 1 hora mais tarde. Naquela época, felizmente para os clandestinos, a iluminação da cidade era péssima.

À hora estipulada estava eu no jardim de Carnide, mas desta vez o funcionário não apareceu. Esperei cerca de dez minutos e regressei meia hora mais tarde, como estava previamente combinado, nada aconteceu, e na minha cabeça ecoava a frase: “ o Moreira foi preso, será que aguenta a tortura?” Nessa mesma noite fui ter com a Teresa e disse-lhe: -“ O Nuno Alvares foi preso, não me apareceu no segundo encontro marcado”. Nuno Alvares Pereira - assim se chamava o funcionário responsável.

O sector estudantil em Lisboa tinha sido, até aí, poupado da repressão policial, devido ao comportamento exemplar na prisão de Aboim Inglês e José Bernardino, anteriores responsáveis pela organização. A nossa esperança foi que este funcionário também se aguentasse ….

Comuniquei o sucedido ao “organismo “ a que pertencia e aguardei. Todos os dias comprava os diários matutinos à espera de uma nota da PIDE anunciando a prisão de dois perigosos comunistas. Nessa altura já se sabia que Crisóstomo Teixeira, estudante da Faculdade de Ciências, tinha sido preso num encontro de rua.

Por prudência, depois de ter avisado alguns camaradas que conhecia, mudei-me para casa da minha avó, em Algés. Porém, continuei a ir às aulas na Faculdade e no dia 21 de Janeiro, de manhã, ao entrar no Hospital de Santa Maria, pela Av. Prof. Gama Pinto, soube logo da notícia que vinte e tal estudantes tinham acabado de ser presos. Depois de conhecer a lista verifiquei que pelo menos onze me conheciam partidariamente e isso foi suficiente para decidir sair do país.

Com a Teresa planeámos ir para a Suíça, onde vivia a sua tia funcionária da OMS e uma irmã com a família. Como desconhecíamos a extensão da denúncia de Nuno Alvares Pereira e por outro lado a Teresa estava, naquele momento, desligada da organização estudantil, combinámos que eu passaria a fronteira a salto e ela tomava o avião em direcção a Genebra. Pura ilusão nossa, o funcionário acabou por colaborar com a PIDE e os nossos nomes já estavam nos postos de fronteira desde o dia 14 de Janeiro. A CIRCULAR-CONFIDENCIAL Nº 128-CI (SECÇÃO CENTRAL) dizia: “ Queira proceder à captura dos nacionais a seguir indicados, transferindo-os imediatamente para esta Direcção e seguia com os nomes de 43 estudantes, em que o da Teresa figurava em primeiro lugar.

A 4 de Fevereiro, Teresa passa a fronteira no Aeroporto e ao entrar num avião da Swissair, os agentes zelosos da PIDE, descobriram que o nome dela estava na lista e correram em direcção do avião, não dando autorização para levantar voo, aos gritos: “tirem as malas por razões de segurança”. Teresa continuou sentada no seu lugar enquanto chamavam o seu nome, pelo microfone, para deixar o aparelho. Só saiu depois de terem identificado os passageiros um a um e do comandante dizer que  estava em território português e tinha de abandonar o avião.

A esta distância imagino a cara do piloto suíço quando viu que a perigosa “terrorista” era afinal uma menina doce e franzina nas suas dezoito primaveras. Quando o avião aterrou em Genebra a tripulação apresentou um protesto que foi publicado na imprensa suíça.

Ficou presa três meses, em Caxias, sofreu interrogatórios, não chegou a ir a julgamento e saiu, sob caução, no dia 27 de Abril.

Eu passei a fronteira a salto, perto de Figueira de Castelo Rodrigo, e no dia 10 de Abril segui para Genebra.

Juntámo-nos nesse Verão na Suíça.

3 comentários:

  1. Em 1967, neste país frio e distante, nasceu o meu irmão e passado dois anos fui eu… Foi com histórias como estas que aprendi os valores que me tem guiado em toda a minha vida e que me enchem de orgulho de ser filha de quem sou. Bjs gds

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  2. É muito importante, pra mim, q continues a escrever.

    Estas historias fazem parte da minha memoria e quero conta-las a minha filha sem me esquecer de nada.

    Bjs tiozão!!

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  3. ... esta historia sempre esteve "guardada" na minha cabeça e nunca mais me esqueço da minha avó Maria que ao tentar salvar a minha mãe foi pontapeada pelos agentes da pide e atirada para o chão como se fosse um animal perigoso... é por estas e por outras que não compreendo como há pessoas saudosistas do antigo regime e terem a lata de dizerem que o salazar não era assim tão mau, sinto pena que a revolução não tenha sido levada avante e ainda hoje assistimos a episodios de uma democracia muito duvidosa, não sei se por vivermos tantos anos numa ditadura mas espero que a nova geração consiga levar avante os seus direitos e não ter que se curvar perante os chamados doutores e engenheiros e muitas vezes perder a dignidade para entrar nesta sociedade podre.

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