quinta-feira, 11 de outubro de 2012

DAVID CONTRA GOLIAS



DAVID E GOLIAS

 

Na vida há sempre duas atitudes perante os poderosos: ou lutar por aquilo que achamos justo ou, ao contrário, sujeitarmo-nos.
A segunda atitude tem sido a mais visível em Portugal. Nunca há alternativas ao que nos é ditado pelos poderosos e nem sequer ousamos dar a nossa opinião com medo de represálias.
Vejamos o que têm feito os responsáveis pela saúde no nosso país. O memorando da troika dita para o governo cortar 550 milhões de euros no orçamento da saúde e ele aplaude e corta o dobro.
Toda a política de saúde, instituída pelos sucessivos ministros, peca por querem introduzir as leis do mercado num sistema, o Serviço Nacional de Saúde, cuja ambição é permitir a cada um o acesso aos melhores cuidados.

O mercado não consegue garantir um equilíbrio de oferta e procura médica e por isso só produzirá a exclusão, a exemplo do que se passa nos Estados Unidos.
Na cegueira da poupança e da filosofia neoconservadora, a seguir aos cortes de salários dos trabalhadores da saúde passou-se ao corte nos medicamentos mais caros, utilizados no tratamento dos doentes com SIDA, artrite reumatoide e oncológicos.
Depois de um arremesso de política de genéricos que, baseado na mesma filosofia do “ laissez faire, laissez passer”, conduziu a uma proliferação nefasta de medicamentos com o mesmo principio ativo - que só desorientou médicos e doentes -  tiveram agora de admitir que o grande gasto em medicamentos vem do tratamento das três situações atrás citadas.

E qual foi a solução? Impedir muitos doentes de receberem os melhores cuidados à luz do estado da arte.
Grave foi por isso o beneplácito da Comissão Nacional de Ética para as Ciências da Vida firmado no seu parecer nº64/CNECV/2012.

Se os nossos governantes adotassem a primeira atitude, ou seja lutar pelo que é justo mesmo que à partida pareça uma luta de David contra Golias, deviam interrogar-se porque é que os medicamentos são tão caros?

A população nunca foi devidamente esclarecida sobre o facto da patente de um medicamento novo poder ir até 15 anos, e, assim sendo, ninguém pode produzir genéricos desses novos medicamentos. As multinacionais da indústria farmacêutica enchem os bolsos à custa dos doentes.

Mas existem países que por vezes batem o pé ao Golias. Certos que são países com muito mais recursos que o nosso.

Os medicamentos usados no tratamento da SIDA, retrovirais, foram obrigados a baixar os preços devido à ameaça do Brasil e da Africa do Sul de produzirem genéricos destes medicamentos, à revelia das leis das patentes.

Na India, continua a luta jurídica entre as empresas farmacêuticas nacionais e a multinacional Novartis AG pela produção de Glivec, um medicamento usado em oncologia.

O Supremo Tribunal da India pode fazer história emitindo um veredito sobre as patentes dos genéricos que poderá mudar as regras neste terreno e limitar o peso mundial da nação asiática como abastecedor de medicamentos mais baratos.

Conhecida como a “farmácia dos pobres”, a India, tem-se negado, desde 2006, a conceder uma patente à Glivec, argumentando que não é um produto novo, mas a modificação de um composto conhecido, o mesilato de imatinib.

Este medicamento é considerado pelos oncologistas um grande avanço no tratamento da leucemia mieloide crónica e de alguns tipos de tumores gastrointestinais, porquanto o corpo absorve-o até 30% mais do que outros compostos.

Se a Novartis ganhar o litígio, ficará com os direitos exclusivos de comercialização e retirará do mercado as versões mais baratas dos fabricantes indianos do genérico, que fornecem a 1.2milhões de pessoas no país e a outras nações pobres de todo o mundo.

No Ocidente, um tratamento anual pode custar 70 mil dólares, ao passo que na India, o tratamento anual com as versões de genéricos, não passam dos 2mil e 500 dólares.

Podem dizer: mas Portugal não tem uma indústria farmacêutica capaz de responder a tal desafio. Infelizmente, nunca foi política dos sucessivos governos criar uma indústria farmacêutica nacional e deixou-se acabar alguns laboratórios fabricantes de medicamentos, entre os quais o Laboratório Militar que tão bem serviu durante a guerra colonial.

A política atual deve ser de proteção ao que resta da nossa indústria farmacêutica, caso da Bial, e participarmos ativamente nas instâncias europeias.

Por ocasião da cimeira de Lisboa, em 2000, o diretório geral das empresas da Comissão Europeia criou um grupo de trabalho, ao qual Portugal pertence, que devia apoiar a indústria farmacêutica europeia para que se viesse a ser mais competitiva do que a sua homologa norte-americana.

Na conclusão desta cimeira afirmava-se que, em 2010, a Europa devia tornar-se “ a economia do conhecimento a mais competitiva e a mais dinâmica do planeta”.

Formou-se um G10 que se autodenominou “ os decisores supremos em matéria de medicamentos na Europa”. Uma parceria público-privada foi montada e como sempre o privado ganhou e muito. Depois de várias propostas, no sentido de criarem um contra lobby, serem recusadas, o Conselho prolongou por 15 anos a proteção da patente dos medicamentos de marca em relação aos seus equivalentes genéricos.

Para um país como a Irlanda o período era de 6 anos. Assim, na Europa, as multinacionais farmacêuticas recebiam um presente, a mais longa proteção do mercado mundial.

Foi por isso que a Comissão quis aprovar esta medida em 2004, antes da entrada dos países de leste na União Europeia. Nestes países, a regulamentação não era tão estrita em relação ao período da validade das patentes. Muitos deles possuíam uma indústria farmacêutica que tinha capacidade de produção da maioria dos medicamentos a preços mais baixos. Com a aplicação da nova legislação europeia do registo e proteção das patentes, a vantagem comparativa destes países foi reduzida a zero.

Portugal, juntamente com outros países em dificuldades financeiras, pode e deve perante esta comissão e a agência dos medicamentos europeu exigir a diminuição do tempo das patentes dos medicamentos de marca, assim como o apoio às indústrias farmacêuticas nacionais. Assim faria David para defender o seu povo na sua luta desigual contra Golias.

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