A CAUSA REPUBLICANA
Muitos movimentos antifascistas foram criados durante a
ditadura salazarista na vã esperança de uma legalização mesmo com limitações.
No inicio da década de cinquenta, a seguir à 2ª Guerra
Mundial com a vitória das tropas aliadas e da União Soviética sobre o
nazi-fascismo, surgiu a esperança no seio da oposição moderada de uma abertura
do regime. Salazar, com o seu cinismo habitual tinha declarado que haveria eleições
tão livres como na livre Inglaterra, Portugal tinha acabado de entrar para a
Organização das Nações Unidas (O.N.U.) e do Tratado do Atlântico Norte.
Um grupo de oposicionistas, constituíram-se em Directório
Provisório e pediram a legalização da “Causa Republicana”, visto existir com o
consentimento do Estado Novo a “Causa Monárquica”.
Assim, houve reuniões e redigiram-se os estatutos , documento fundamental de qualquer associação, mas que a Causa Monárquica
não possuía.
Logo, a leitura do artigo 4, dava para imaginar qual seria a
resposta da Ditadura. Este artigo, definia os fins da Causa Republicana, com as
suas alíneas : 1º) A união de todos os republicanos. 2º)A doutrinação dos
ideais republicanos e a apologia das instituições que melhor os servem; 3º) O
desenvolvimento...do espírito democrático e patriótico dos cidadãos; 4º )O
auxílio aos centros escolares, associações e imprensa republicana; 5º) O exame
crítico das ideias e preconceitos informadores do sistema monárquico e dos
desígnios restauracionistas; 6º) O esclarecimento da opinião pública com vista
à sua função constitucional; 7º) O estudo das reformas de sentido democrático e
progressivo em todos os ramos da actividade nacional; 8º) O estudo dos assuntos
nacionais e regionais,....e critica objectiva às soluções adoptadas; 9º) A
propagação do mais amplo exercício dos direitos e liberdades cívicas; 10º) A
apologia do sufrágio universal e o aperfeiçoamento do recenseamento eleitoral.
O artigo 42 rezava: As primeiras eleições gerais para os órgãos
da Causa Republicana, a realizar de harmonia com as disposições deste Estatuto,
terão lugar pela seguinte ordem e datas: a) Comissões de freguesia até 10 de
Novembro de 1956; b) Comissões concelhias até 30 de Novembro de 1956; c)
Comissões distritais até 20 de Dezembro de 1956; d) Directório e Junta
Consultiva, no Congresso a realizar em Fevereiro de 1957.
Meses antes, 16 de Março de 1955, o Directório Provisório da
“Causa Republicana” insurge-se contra a intervenção do deputado Dr. Cerqueira
Gomes que apelida este movimento de subversivo e perturbador da opinião
pública. Num documento extenso dirigido aos Presidente e Membros da Assembleia
Nacional e entregue cópia em mão, na Secretaria da Presidência da República, os
membros do Directório explanam vários argumentos a favor do movimento lembrando
que não se vai constituir em partido político e apenas defende a causa da
Republica nos princípios defendidos pela ONU, na qual Portugal vinha de se
filiar. Por outro lado afirma que o perigo de ataque ao regime vem dos
monárquicos, como o deputado Cerqueira Gomes e da sua instituição legal a “
Causa Monárquica” que visa a subversão do regime, etc,etc.
Mais adiante lamenta que se tente esconder dos jovens figuras
como Norton de Matos recentemente falecido e que toda a sua obra é deitada ao
esquecimento. “ Mas Norton de Matos foi adversário político desta situação, e
por isso, no mundo oficial toda a sua obra é esquecida, senão ignorada. A Causa
é Nacional, mas os homens que a servem, se acaso não militam na ideologia dos
que apoiam o Governo, quando não pior, cai sobre eles a pedra tumular do
silêncio”.
Merece ser transcrito esta parte do documento por
esclarecedora da índole do regime fascista e como escreviam a história.
“ ….. Quem havia de dizer-nos que o liberal Garrett, o
português que na politica se evidenciou sempre pelo seu inconformismo, e pelo
culto fervoroso das liberdades pleníssima, seria apresentado aos jovens deste
tempo, ao longo da comemoração centenária, quasi como um apologista ferrenho
das ditaduras e como remoto avoengo do fascismo e de toda a instrumentação
totalitária!
Ele, Almeida Garrett, que declarava um dia em pleno
parlamento “ Como cidadão, nunca renunciarei a um direito, nem que me custasse
a fazenda, a vida, a pátria; tenho-o provado nos cárceres, nos exílios, na
miséria”...de outra vez acrescentava: “ e os cárceres, os exílios, os degredos
as vexações de toda a espécie, as calúnias de toda a parte, que há 17 anos me
tem custado ( a posição porque optei) não puderam ainda senão rebitar os pregos
da cruz com que me abracei voluntário, e em que antes desejo morrer escarnecido
e vituperado, do que merecer triunfos, de que ver decretada a minha apoteose
por quaisquer dominadores da terra”
Assim, pois se escreve a história…”
Aliás o fascismo foi
pródigo em “reformar” toda a nossa história. Basta recordarmos o compêndio de
história do Matoso, livro obrigatório no ensino liceal e que fez uma verdadeira
lavagem ao cérebro de várias gerações de portugueses.
Mais adiante no
documento em resposta ao deputado fascista-monárquico , auxiliam-se do tratado
do Tratado do Atlântico Norte ( NATO) dizendo como pode um governo que acaba de
assinar este tratado não respeitar a Democracia
“ Recorda-se estas passagens do respectivo estatuto
fundamental: as partes contraentes deste Pacto reafirmam a sua fé nos
objectivos e nos princípios da Carta das Nações Unidas e o seu desejo de viver
em Paz com todos os Povos e todos os Governos. Estão decididos a salvaguardar a
liberdade, herança e civilização comum dos seus povos, baseado nos princípios da Democracia, da Liberdade individual e do
domínio do Direito”
Para finalizar o
documento, os signatários concluem: “Como pode em Portugal o respectivo
Governo desde que fomos signatários daquele instrumento internacional, e
ligados estamos a ele por compromissos inquestionáveis desinteressar-se da
defesa da Democracia e receber de má vontade um organismo como o nosso, que,
frente ao Estado Republicano, se propõe tão só a propaganda do regime, como
acautelador e melhor interprete das virtudes sociais dessa mesma Democracia? …”
Pelo Directório Provisório assinam:
José Mendes Cabeçadas, Armando Adão e Silva, Manuel Serras,
Manuel Duarte, João Pedro dos Santos, Abílio Mendes, Virgílio Marques, Américo
Amorim Leitão, A.C. Veiga Pires, Júlio Semedo, Eduardo Ralha, Carlos Cal
Brandão, Francisco José Cardoso Júnior, Manuel Luís Costa de Figueiredo,
Fernando Lopes, Luís Moitinho de Almeida, Carvalhão Duarte.
Entregue em mão na
Secretaria da Presidência da República em 22 de Março de 1955
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